Breve esboço de um espetáculo em permanente encenação
Beócios. Homens de poder. Beócios instituídos da mais relevante tarefa humana, eis que, beócios se renovam de tempos em tempos, mas o figurino e a encenação deste triste espetáculo não sofre a mínima alteração.
O roteiro escrito e reescrito segue sem adaptações. De tempos em tempos, para agradarem nova plateia, colocam alguns "cacos" que não comprometem o contexto. Tudo do mesmo. Reestreia de cenas vistas. Nada mais que abjetos seres no palco da vida. Seres sorridentes à custa de horrendo espetáculo sem fim para uma plateia ignara de sua própria existência.
Eis! Eis! rugiu como o mais feroz dos leões, aquele ser em tudo igual a qualquer humano. Pernas e braços perfeitos e em duplicidade. Nariz, boca, um de cada. Duas orelhas, dois olhos, enfim, a considerar o que se mostrava, ninguém, por mais beócio que fosse, não diria não se tratar de um ser humano. De modo que, o que lhe autorizava rugir ordens a comandados empunhando suas armas e sangue a escorrer pelo canto da boca? Nada! nada e nada! Mas, beócio que era, assim como, os sanguessugas do povo, pensava que o grande palco da vida e o espetáculo que se reproduz cotidianamente, eram-lhe, por benção divina, seus, desde seus antepassados.
Por essa educação ensinada e reproduzida por séculos, tinha como crença fundamental que a servidão e a subserviência mais abjeta eram atributos de linhagem dispensados aos de classes inferiores. Por isso, reproduzem-se feitos camundongos, aos montes e em ninhadas. Por isso, sua existência tem que ser controlada. Por isso eliminá-los é necessário para o bem e proeminência da classe dominante.
O espetáculo já se montara desde os tempos inesquecíveis dos grandes feitos. Dos grandes impérios e dos grandes desastres com a humanidade já se defrontara. O arrepio imediato causado pela descoberta do fogo, e da alta tecnologia que tal feito representa na historia desde nossos antepassados, isoladamente pode não nos parecer de grande significado. Peguemos como exemplo, que somente por antecipar a digestão da carne, que antes se consumia crua, imaginemos o quão de efeito evolutivo isso nos causou. Porém, já nesse tempo se fez o homem seu próprio lobo. Se fez presa e predador em constante luta para impor sua força e vontade; vencer o oponente, mesmo que se lhe atribui demasiada honra, será o troféu mais valioso.
E então, surgem os beócios. Os apedeutas transmutados de sábios, nobres e ilibados seres. São eles, que desde que o espetáculo se tornou a grande distração, a garantia da calmaria geral para o bem e felicidade geral de todos. São eles que se perpetuam por séculos e séculos. Pouco ou quase nada importam desde que o reino se mantenha inalterado. Garantir o sossego, o delicioso e merecido descanso. Eis. Eis o pote de ouro ao fim do arco-íris. Eis a travessia no oceano lamacento dos usurpadores de vidas e sonhos. Eis e ei-los chafurdando sobre cadáveres e miasmas.
Assumir bandeiras há muito esquecidas. Eis outra bela maneira de os beócios se apresentarem. Novo espetáculo para plateia nova e desinformada. Plateia embevecida com belas frases, belas caras a desfilarem pela passarela destinada a beócios e paquidérmicos seres. Não desfilam sozinhos. Trazem atrás e à frente de si, verdadeiros exércitos dispostos a "reescreverem" o mesmo espetáculo há muito estrelado. Não lhes causa rubor a desfaçatez com que anunciam o velho e torpe espetáculo que querem re-estreiar em novo palco. E a plateia, anestesiada com o desfile anunciado, sai para a festa sem saber quem é o anfitrião. Não importa que ignore interesses que não lhes dizem respeito; tudo o que importa é que ela seja dócil, e suficientemente desinformada, para que o espetáculo transcorra sem sobressaltos. Não há figurantes, todos são atores e personagens nesse triste espetáculo; a batuta do diretor dá o sinal, e todos, agindo feitos marionetes, seguem, seguem a súcia turba derrubando sonhos e vidas.
As cortinas se abrem. Palco em penumbra. Silêncio....