Ecovilas Aquarianas

Léo estava tranquilo. Acabara de saber que passara no vestibular. Administração. Não era o curso mais difícil, ou a faculdade mais cara da cidade, mas era o que precisava pra ter uma vida boa. Sua família era muito rico, tinha muitos bens, seu bisavó morrera e deixara uma boa grana pra família. Veio da Itália com quase nada e venceu na vida. Com sua esposa começou a vender comida italiana e com isso construiu um pequeno império. Fábricas de massa, restaurantes, revendas, etc. O que tinha que fazer agora era apenas entrar no negócio da família. A maioria de seus primos e tios trabalhava na empresa. Nem precisou estudar tanto, com certeza não iria usar tudo que decorou de química e física no colégio. O lance era passar. Passou. Comemorou com a família, teve o cabelo raspado, foi no trote da faculdade e agora estava sozinho no banheiro, meditando.

Pensou no Marcelo, seu melhor amigo. Não fez vestibular, cara doido. Falou que não sabia o que queria da vida e não iria perder tempo fazendo algo sem sentido. Realmente, muitos conhecidos passaram no vestibular, fizeram uma faculdade e um ou dois anos depois desistiram. Realmente, uma perda de tempo. Além de ter que convencer os pais que não era bem isso que queriam. Tempo e dinheiro. Tempo é dinheiro?

Marcelo brigou com os pais, que falaram que não iam mais dar mesada. Falou que tudo bem, que ia mochilar, aventurar pelo Brasil. Tinha ouvido falar em um esquema de voluntariado, trocar algumas horas de trabalho por cama e comida. Saiu de Curitiba, com uma mochila, barraca, pedindo carona, com um cartão de débito da poupança que sua avó tinha aberto para ele.

Sempre postava alguma foto no facebook. Acho que nem sempre tinha internet no lugar em que estava. Ligava todas as noites para sua mãe, que sempre agradecia o cuidado. Soube que estava em Minas Gerais, pegou carona com caminhões, e algumas partes foi andando mesmo. Levou uns três dias para chegar lá. Tinha ouvido falar que o estado tem muitas comunidades, ecovilas e outros tipos de "sociedades alternativas" como ele dizia.

Marcelo era muito louco, mas eu gostava dele. Dessa liberdade. Eu já tinha minha vida definida, pela família, que só quer o meu bem. Um emprego garantido, uma boa grana, nem tinha que trabalhar muito, o que podia querer mais? Pra que me aventurar assim? Dormir aonde? Como? E a comida? Marcelo não tinha vergonha de pedir ou de trabalhar em coisas menos rentáveis e até meio humilhantes. Falou que topava até limpar banheiro. Eu não. Pra que? Mas respeitava, até meio que invejava um pouco. Mas vinha vida era muito cômoda, muito tranquila.

Mas a vida do Marcelo era mais excitante, emocionante. Tinha conseguido entrar em contato com uma ecovila em que moravam seis homens e uma mulher. Foi muito bem aceito, nem trabalhava muito, eles plantavam amendoim orgânico. Eram todos de classe média alta do Rio de Janeiro, que juntaram umas economias, compraram um terreno bem barato, no meio do nada. O sítio ficava uns 10 kilometros de uma cidade bem pequenininha. Não tinha nem banco. Falou que iam apenas uma vez por semana, pra comprar comida. Tinham tudo que precisavam, água de nascente e energia solar. Não tinham contas a pagar. Trabalhavam algumas horas no dia, organizavam a casa e as refeições e tinham tempo de sobra pra meditar, fazer ioga e outras coias que o Marcelo curtia.

Eu sou mais convencional, admito. Jogo futebol, faço natação, surfo, etc. Mas Marcelo sempre foi diferente, sempre mostrando livros e coisas novas. Queria mudar o mundo. Eu não, tava bom assim, pra que mexer? Ele era inquieto, e nos últimos tempos me falava de uma "Transição Planetária". Uma espécie de fim do mundo. Quando a greve dos caminhoneiros aconteceu, me falou: "Viu? Eu te disse...". Realmente, uma semana apenas e o país quase entrou em colapso, pessoas morreram. Realmente parecia o fim do mundo. E ele também não queria mais ficar perto do mar. Apesar de amar surfar, falava que o mar ia subir e muitas pessoas iriam morrer. Me falou até que os Mórmons, tinham esse tipo de pensamento, eram apocalípticos. Guardavam comida e faziam treinamentos de primeiros socorros e o que fazer durante uma catástrofe.

Isso que o sonho do Marcelo era morar em Canto Grande, município de Bombinhas. Me falava que o seu sonho, quando pudesse, era se aposentar e morar lá. Ter uma hortinha e viver surfando. Mas nos últimos anos tinha conhecido uma menina que lhe mostrou vários livros sobre esta tal "Transição Planetária". Ele é muito influenciável. Em 2012, falaram que o mundo iria acabar. Uma tal previsão Maia. Foi até Alto Paraíso, perto de Brasília e ficou lá, esperando o fim do mundo, com outros malucos. E o mundo não acabou. Falou que muita gente vendeu tudo e foi morar lá. Me falou que tinham muitas construções super bacanas, vazias. O pessoal construiu com as próprias mãos e barro. Bacana. Bio construção. Legal, mas eu prefiro meu apartamento com todas suas comodidades. Internet, ifood, uber, etc. Mas ele curte esse lance de morar perto da natureza. Eu já prefiro o asfalto, o concreto, as boas coisas do sistema. Curitiba tem muitos restaurantes, da pra comer fora todos os dias sem repetir por anos. Cinema, shopping, clube, bares, discotecas. Eu gosto da cidade. Ele já acha que a cidade está explodindo e que o melhor é morar no mato, aprender a plantar, construir sua própria casa, etc. Muito bonito, mas não pra mim. Eu acredito que cada um faz uma coisa e no todo, todos se dão bem. Eu vendo comida, outro vende computadores e assim vamos vivendo. Uma espécie de troca. Mas refinada. Por isso o dinheiro. Se eu já tenho emprego garantido com minha família, é culpa de meus parentes, que trabalharam muito e de forma organizada, simples.

Marcelo agora estava em uma fazenda de oliveiras orgânicas. Um grupo de irmãs, de Curitiba também, que moravam em uma montanha e plantavam azeitonas. O Marcelo sempre me falava que a palavra orgânico era muito "bonitinha", mas que poucas pessoas entendiam, era comida sem veneno, dizia ele. Eu não pensava muito sobre isso. Todo mundo come tudo que está no supermercado, ele não, era bem chato. Só comia coisas especiais, mais caras até. Eu achava meio frescura. E nos últimos tempos tinha parado de comer carne. Tudo bem, cada um come o que quiser, mas ele era chato. Queria mudar as pessoas. Quando começou, ia nos churrascos e comida salada. As vezes até levava comida em um tuperware. Mas depois ficava falando, da carne morte, do sofrimento dos animais, etc. Tudo bem, mas todos vamos morrer, então, é matar ou morrer. Os índios comem carne, então é normal. Mas ele queria que todo mundo parasse de comer carne. Daí começou a ficar chato. E até parou de ir nos churrascos. Até em aniversários. Falava que o cheiro da carne, a fumaça, parecia os campos de concentração nazistas. Tudo bem, mas todo mundo come carne. Achava meio exagerado. Tudo bem não comer carna, mas querer mudar o mundo? Eu não quero mudar ninguém. Tô tranquilo na minha.

Me falou que trabalhar nos olivais era muito legal e conheceu pessoas do mundo inteiro, que iam lá trabalhar. Não precisava se preocupar com grana, tinha comida e um teto. Mas queria mais. Me falou de umas comunidades alternativas aquarianas. Um pessoal que realmente acreditava no fim do mundo, ets, ondas gigantes, etc. Falavam que

o sistema financeiro iria sofrer um colapso, como o que aconteceu nos Estados Unidos, antes da Segunda Guerra mundial. E que o lance era organizar comunidades pequenas e auto-sustentáveis. Ele estava animado. Com a ideia de não ter que trabalhar em um banco ou uma empresa qualquer. Odiava ter que usar terno e gravata, até mesmo meias.

Luciano Mantikir Cordoni
Enviado por Luciano Mantikir Cordoni em 11/08/2019
Reeditado em 11/08/2019
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