A latente face heroica de Jason Voorhees

“chá chá chá! chá chá chá!”. “Corram ele está chegando...” “chá chá chá! chá chá chá!” Todos já devem ter ouvido isso em algum lugar...

A maldição que persegue um acampamento, em cada tentativa de reabri-lo, pessoas se vêem confinadas ao local, sendo retalhadas, – uma a uma – por um assassino psicopata. É um estranho mascarado, que a cada vítima se mostra um mestre no manuseio de armas brancas, demonstrando seu exímio instinto de morte, apavorando toda uma geração de expectadores. E assim se estabelece esse imenso mundo de horror, protagonizado por essa figura sinistra, sangue jorrando por todos os lados, uma chacina sem fim, apenas...para proteger crianças indefesas! É isso mesmo, agora será corrigido o maior crime cinematográfico de todos os tempos, uma história contada de forma distorcida, um equívoco, o mais temido serial killer da sétima arte, aquele mesmo que vitimou um grande número de homens e mulheres, nada mais é do que um verdadeiro e autêntico herói, que apenas mata clamando por justiça.

A famosa série Sexta Feira 13 – criada pelo diretor Sean S.Cunninghan em 1980 – inovou o gênero terror ao apresentar o conhecido psicopata Jason Voorhees à Colônia Crystal Lake. O personagem reúne características de outros famosos heróis do cinema, primeiro começando pelo Super-Homem, apesar de Jason nunca ter se mostrado capaz de voar ou suspender um prédio - e menos ainda possuir um S no peito -, apresenta uma força sobre humana e mesmo sendo feito de carne é praticamente invulnerável. E o que falar do Batman? Assim como o cavaleiro das trevas, esconde-se entre as sombras, observa sempre o inimigo antes de atacá-lo, estuda todas as suas características e virtudes, evitando que seja surpreendido pelo mesmo. E porque não, também credenciar a Voorhees a astúcia do Chapolin Colorado, afinal conhece a região do acampamento como a palma da sua mão, é extremante veloz e como um bom caçador, utiliza-se de todos os atalhos para cercar a presa.

A comparação a outros paladinos pode parecer impertinente, mas o que afinal seria um herói? Primeiro uma figura destemida, que surge para proteger, combatendo algo ou alguém em meio a qualquer espécie de tirania. Essa basicamente é a premissa básica, mas a deixa pode variar entre as mais diversas, pois existem diferentes tipos e gêneros de heróis, sem dúvidas há valentes para todos os gostos, inclusive o Jason – mas não é hora de falar dele agora. Heróis muitas vezes são pessoas simples, que se transformam em verdadeiras feras quando vêem lesados dois dos principais direitos de um povo, a liberdade e dignidade. Geralmente a figura surge como a única esperança de triunfo de seu povo, em meio a todo o mal que lhes cercam.

Particularidades de um herói

Muitas vezes para lutar contra os malfeitores sem serem descobertos, esses heróis adotam identidades secretas de sua própria identidade, pois no inconsciente, por exemplo, Wayne realmente é Batman, Kent é Super-Homem e não Bruce e Clark respectivamente como querem passar – o Chapolin Colorado é um dos poucos que goza a liberdade de ser sempre e apenas ele mesmo. E para administrar essa duplicidade de personalidades, adotam-se algumas facetas, adjetivações do estereótipo humano como preguiçoso, fraco e sobretudo covarde, principalmente perante as mulheres. Para os homens preferem parecer ingênuos, inofensivos e um tanto distraídos, a intenção é assim se deixar observar, camuflando o real objetivo, a justiça, lutar contra o mal e todo tipo de mazela que assola o mundo.

Existem ainda outros justiceiros – incluindo o Zorro, Batman e óbvio o Chapolin -, que se diferenciam dos demais pela ausência de poderes, tendo de buscar outros artifícios como uma extensão de sua força e habilidades, buscar métodos para suprir as limitações humanas. O cavaleiro das trevas se utiliza bem da tecnologia, mas assim como Dom Diego e o Polegar Vermelho, defendem pobres e oprimidos realizando façanhas até milagrosas, isso utilizando apenas o cérebro– tudo bem nesse caso o vermelhinho é meio burro -, o seu corpo, as mãos, e principalmente, o coração, a verdadeira força só pode surgir de lá, ficando evidente a forma como se importam com seus semelhantes. Então os heróis... Para tudo! Antes de dar mais ênfase ao assunto, é necessária uma pequena pausa, a essas alturas o leitor já deve estar se perguntando onde se encaixa Jason Voorhees nisso tudo e como relacionar sua insana figura assassina a um valente que clama por justiça. A resposta para esse enigma está centrada nas particularidades, só pode ser percebida, sentida ou descobertas se analisar friamente as entrelinhas da história.

Jason o maior assassino em série que se têm notícias, está atrelado a outro gênero de justiceiro fora da lei, aquele que pode se denominar como anti-herói, essa figura apesar de se diferenciar dos tradicionais valentes, também é heróica, mesmo se utilizando de meios mais severos e um tanto ortodoxos para realizar seus propósitos. São capazes de ferir e até matar, mesmo que a vítima seja o próprio homem enquanto ser, no intuito de proteger a sociedade daquilo que está à margem dela própria. Existe ainda outro fator, paladinos dessa natureza abrem mão da vaidade para lutar pelo que acreditam, sem se importar com as consequências de seus atos, pois às vezes podem passar a ser vistos como o verdadeiro vilão, o real mal a ser combatido, foi exatamente isso que aconteceu com o Jason em Sexta Feira 13.

Diferente do Super-Homem e CIA, o protagonista da série não precisa eleger um vilão para concretizar seus atos de bravura em busca da paz, estabelecendo uma espécie de ciclo, no qual um depende da existência do outro, porque sem vilão não há herói, sem o mal não existe o bem, uma verdadeira “fogueira de vaidades heroíticas”, até que surge Jason Voorhees para romper esses ultrapassados paradigmas, se for para combater as injúrias, vale até beber da fonte da maldade, o disparate do caos está centrado na incapacidade, uma improbabilidade de ideais e pensamentos dos demais em abrir mão de sua imagem positiva para salvar o mundo.

A formação do herói

Quando o assunto á o processo de formação de um paladino, histórias são somente um mero detalhe, o resto realmente é tragédia. Para notar com clareza a verdadeira farsa a qual esse herói foi submetido, é necessário retomar sua história, estabelecer um paralelo dos acontecimentos e traçar cada uma de suas atenuantes e enfim, descobrir sua verdadeira face. Considerado por muitos como uma das franquias de filmes mais assustadores da História, o começo se estabelece pela proposta da película a nível de enredo e direção. Somando um total de 12 produções abordando o personagem Jason, o primeiro se destaca como o mais eletrizante e original de toda a série, servindo como base para todas as seqüências. Os filmes são sempre ambientados em locais desertos e um tanto aconchegantes, trazendo boa dose de suspense com muita sensualidade.

A trama não é o grande foco da obra, que se destaca a carnificina explícita e uma profusão de sangue jorrando para todos os lados. Quando a proposta é acompanhar uma produção desse “quilate”, é fundamental abdicar completamente da lógica no quesito roteiro, procurando entrar no clima de uma película repleta de fantasia, clichês e situações inverossímeis. Uma vez desconsiderando a razão, o espectador poderá se divertir com o show de horrores em meio a um verdadeiro apanhado de imagens sangrentas, um misto de terror se apresentará, quem sabe até manchando a tela de vermelho – Deus, que exagero!, mas em Sexta Feira 13 o medo invade até os letreiros.

Agora, enfim, seguindo pela suntuosa trama, todos contam com uma atmosfera perturbadora, dialogam negativamente com a idéia de se passar o fim de semana no camping, sobretudo quando há um lago por perto. Jason representa mais que um psicopata que marcou o início do gênero “matador que corre atrás de mocinhos indefesos”, nascido em 13 de junho de 1946 – curiosamente uma sexta–feira 13 -, o filho de Pamela Voorhees gozou de uma infância normal, a não ser pelo fato de ter o rosto deformado. Aos 11 anos enquanto passava as férias de verão no acampamento Campo Crystal Lake, o garoto supostamente morreu afogado no lago por aparente negligência dos conselheiros que aquele momento “faziam amor”.

No ano seguinte, um casal de jovens monitores é brutalmente assassinado no local, o crime nunca foi esclarecido, mas o conjunto de tragédias culminou no fim das atividades do campo. Passados vinte anos, a lenda de uma anátema que assola o local é desprezada, o Acampamento Crystal Lake está pronto para ser reinaugurado. Entram em cena novos monitores, em suma maioria, jovens ansiosos, seus olhos até brilham diante de nobres idéias, seus hormônios à flor da pele, os corpos “pegando fogo”, prontos para liderar as canções e brincadeiras dos hóspedes. Mas, não contavam em sua lista que um novo e perigoso jogo estava pautado, a nova diversão era “mate o monitor”. Eis que a maldição é retomada, um a um os jovens vão sendo eliminados, sempre com absurdo requinte de crueldade.

A autoria direta do massacre é conferida a Pamela Voorhees. No primeiro filme, não é exatamente Jason quem protagoniza a carnificina. Ao final, a mãe acabou sucumbindo aos ataques investidos pela única monitora sobrevivente. Aquele formato de garota frágil e boazinha, a “heroína” não poderia ser ninguém menos que a “virgenzinha” inocente, a mesma que se recusa a passar o filme inteiro transando, ao contrário das amigas contaminadas pela promiscuidade. Vendo-se acuada, a garota demonstra um instinto assassino de mulher, despertando seu lado voraz para em um ato de destreza e habilidade – e também contando com um pouco de sorte – consegue decapitar a mãe assassina, pondo fim ao seu regime de vingança e terror.

O heróico legado oculto

O protagonista Jason Voorhees, entra em cena no segundo ato, assumindo sua herança maldita, adormecido durante anos no fundo do lago. Finalmente desperta para retomar a jornada de “horror” iniciada por sua mãe, dessa vez em forma de um mal muito pior, jurando vingança contra os negligentes monitores para enfim aposentar Crystal Lake para sempre, mesmo que isso custasse novamente a sua morte.

Nessa adaptação, a contextualização maléfica retoma com Jason em fase adulta. A vingança se inicia, nasce um novo herói com sua máscara de hóquei e extremamente perigoso, atuando apenas com armas brancas. Certa resistência ao paladino vem do período de infância, afinal eram poucos com ousadia suficiente para matar aquelas lindas jovens com seios a mostra e sedentas por sexo – que garantiam aos expectadores adolescentes tenros momentos de prazer quando após ou durante o filme, corriam para o banheiro. Não o odeie, Jason tem de cumprir a missão que lhe foi confiada sem distinção de sexo, raça ou nação e pelo menos se tem de lhe ser grato, já que pôs fim também aqueles “cuecas” irresponsáveis, projetos de cafajestes se achando grandes galanteadores. No fim só queriam traçar as “gateinhas”. Pensando bem, alguém realmente poderia culpá-los por isso?

Caso alguém ainda não credencie Jason como um herói, é porque realmente não conhece sua jornada. O oculto legado heróico de Voorhees também denota com a maldição que o assola. O destino o escolheu para calar a voz de uma juventude infame, precisava conter essa chama viva, concreta, em forma de pecado sexual para que outras crianças – como ele foi -, não sejam vítimas de semelhante negligência a face do perigo. Antes de ser um assassino, é um fora da lei defensor dos menores, da moral, dos princípios étnicos e especialmente dos bons costumes. Isso é comprovado pelos eventos em Sexta Feira 13, alguém já o presenciou a matar alguma criança ou animal indefeso? Sobrescrevendo a dor por assassinar mortais, suas vítimas além dos jovens são aqueles que atravessam seu caminho para desvirtuá-lo de seu propósito. É relevante salientar essa ingrata missão, mas alguém haveria de fazê-la, protegendo indefesas criancinhas.

Tem sempre aqueles que tentarão dialogar, afinal heróis não podem matar e nenhum ser tem o direito de tirar a vida do outro. Esse foi o único modo encontrado de proteger os seus, recorrendo ao assassinato para honrar suas crenças, afinal os anjos também carregam uma espada bem afiada. Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, seu verdadeiro plano é um mistério, mas é certo, “Ele” deu ao homem o livre arbítrio, a possibilidade de alternar seu destino, basta canalizar esse desígnio para o bem ou mal. Da mesma forma que os efêmeros, para realizar seus anseios, ocultam sua maldade e se “banham” da luz, às vezes se mostram capazes de “brilhar” ainda mais intensamente que a bondade em pessoa, nessa direção, os bons também camuflam seu propósito e se escondem na escuridão, concretizando o desejo de justiça.

Adotar a faceta maligna para proteger oprimidos, faz de Jason um dos maiores heróis que se pode ter notícia, toda a fúria em meio à fachada agressiva demonstra que não há ninguém que se importe tanto com seus semelhantes como Jason Voorhees. Por eles é capaz de matar compulsivamente como um assassino louco e obsessivo, pelos seus também padece a morrer, sacrificando a vida e ressuscitando quantas vezes se fizerem necessárias, a cada tentativa de se reabrir Crystal Lake. E agora está lá, no fundo do lago, caso alguém duvide basta reunir um daqueles grupos de amigos famigerados, em um local distante e preferencialmente onde haja um lago. Quando notarem por sua presença, será tarde, estão todos condenados, confinados ao território do cavaleiro do inferno, enfrentando a fúria desse grande herói, “chá chá chá!”, já é possível ouvir seus passos em meio à escuridão, “chá chá chá!” o facão deslizando sobre o assoalho, a morte se aproxima, “chá chá chá!”, ali estão vocês, “chá chá chá...” Pobres garotos...O mal encontra agora sua morada definitiva.

Rafinha Heleno
Enviado por Rafinha Heleno em 10/08/2019
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