Monólogo

Eu. Entre todas as bilhões de pessoas do planeta existe o meu indivíduo. E o meu eu é apenas uma concepção do meu corpo, que é único. Eu, de verdade, é uma junção de vários eu. Não são incontáveis, mas me recuso a contar.

O eu que chora. O eu que ama. O eu que odeia. O eu que rejeita. O eu que aceita. O eu que deseja. O eu que atrai. O eu que grita. O eu que sente. O eu que pensa. O eu que canta. O eu que dança. O eu que escreve. O eu mulher. O eu garota. O eu criança. O eu que duvida. O eu que tem medo. O eu que tem esperança. O eu que se importa. O eu que já não importa. O eu maculado. O eu intacto. O eu que sangra. O eu que acorda. O eu que dorme. O eu que sonha. O eu que se machuca. O eu que fere. O eu que é tudo. O eu que é nulo.

O eu.

Mas o que eu sou?

Sou outro, separado de alguém. Sou outro, que completa alguém. Sou outro, que é companheiro de alguém. Sou outro, desejo de alguém. Sou outro, que deseja alguém. Sou outro, inspiração de alguém. Sou outro, indiferente a alguém. Sou outro, o nojo de alguém. Sou outro, menor que alguém. Sou outro, maior que alguém. Sou outro, familiar de alguém. Sou outro, desconhecido de alguém. Sou outro, tutor de alguém. Sou outro, aprendiz de alguém.

Sou outro, igual a alguém?

Sou um pedaço desconhecido, de tudo, de todos, de mim. Seria eu flor a desabrochar? Seria eu um processo, algo acontecendo, se modificando e se conhecendo? Talvez. Acredito que sou algo em formação.

Mas este eu dói. Carregá-lo é me fazer sangrar. Porque este eu se expande, se impõe, é algo; afirma-se. E em dois segundos curva-se, retrai e mergulha em um abismo porque o outro é melhor do que o eu. Porque o outro, ah, o outro pode mais que eu. O outro é mais forte que o eu. O outro faz algo que eu não posso fazer. O outro entende algo que eu não posso compreender. O outro fala claramente que eu não tenho valor.

Será que não?

Eu, que tantas vezes me calei, que tantas e tantas vezes obedeci, que tantas vezes cedi, que tantas vezes acetei, que tantas vezes abdiquei de mim, que tantas vezes me deixei ser julgada de culpada, que tantas vezes fui acusada, que tantas e tantas vezes fui fraca não sou nada? Não sou realmente nada? Na corda bamba em que minha mente trava suas guerras, já acreditei muito nisso. E continuo acreditando. E talvez continuarei acreditando.

Eu sou um conflito. Eu incorporei sentimentos ruins jogados em mim e tornei-me buraco negro de todos eles. Eu me embriaguei da existência para semear apatia. Eu aprendi a ter um olhar vazio, porque dentro de mim há um vazio. Eu me afastei de mim. Eu deixei de lutar por mim, acreditar em mim. Eu criei dezenas de universos paralelos com outras soluções, outros desdobramentos do que aconteceu na minha vida. Eu me afastei das pessoas por achar que sou apenas um incômodo. Eu passei a criticar cruelmente tudo que eu faço. Eu olhei meu reflexo no espelho e perguntei “Quem é você?”.

Eu.

Autoamada e auto-rejeitada.

Eu.

Sujeito ativo e sujeito passivo da própria existência.

Eu.

Breve sopro de vida nos bilhões de anos de universo.

Eu.

Integrante da existência. Futura habitante do eterno vazio.

Eu.

Pequeno ser egoísta que se acha grande coisa.

Eu.

Passado. Presente! Futuro?

Meus.

Natasha Devyta
Enviado por Natasha Devyta em 24/07/2019
Reeditado em 24/07/2019
Código do texto: T6703033
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