Uma Investigação: Qual o Sentido da Vida?
22.07.19
Essa é uma questão aguda, pertinente, universal. Imagino que todos já se fizeram essa pergunta, alguns filósofos ainda refletiram ontologicamente sobre qual o sentido da vida. O clássico “de onde vinhemos, para onde vamos e por que estamos aqui?”. A intenção aqui não é necessariamente fazer essa pergunta, Heideggers e Sartres já dissecaram tão bem o existencialismo que, para mim, já não faz tanto sentido repetir com minhas palavras o que outros já disseram. Não, meu intuito não está em pensar na resposta mas na pergunta em si. Afinal: Por que nos questionamos sobre qual o sentido da vida?
Podemos dizer que a necessidade de dar um sentido à existência vêm do reconhecimento humano de padrões. Sabemos que o ser-humano reconhece e associa padrões que apreende, uma das muitas ferramentas herdadas do primitivismo humano. Eu particularmente gosto das investigações naturalistas e epistemológicas acerca da natureza humana, mas o que leva o indivíduo a procurar um sentido ou um significado para a sua existência não está necessariamente e exclusivamente no fato de o ser humano reconhecer e associar padrões naquilo o que apreende do que lhe é extrínseco. Vale ressaltar que isso por sua vez é algo inédito no que diz respeito às espécies, o humano é a única criatura capaz de questionar-se acerca do sentido de sua existência. Dito isso, por que as questões existencialistas não cabem às demais criaturas? Ora, e por que caberiam? O que é natural em estados primitivos não é a razão e sim o instinto, não a vivência mas sim a sobrevivência, o sentido da vida para as demais criaturas é a perpetuação de sua espécie, e isso por sua vez não requer discussões maiores, é intrínseco a toda criatura existente a sobrevivência e perpetuação de sua vida, e isso, por sua vez, é o sentido mais essencial, primitivo e natural daquilo o que é vivo: permanecer vivo, este é o sentido biológico da vida dos seres vivos em geral. Aquilo o que na filosofia é conhecido como a pulsão da autoconservação, uma das pulsões primárias do homem.
Sendo assim, investigar a gênese da questão levantada implica investigar onde o homem perdeu o seu primitivismo, afinal, quando foi que o instinto passou a não mais bastar para o homem? E acredito que pode-se dizer que foi no advento da organizações sociais e do estado. Ora pois, quando o homem dominou a cadeia alimentar a ponto de não mais sujeitar-se ao selvagerismo ele perdeu parte daquilo o que o tornava essencialmente animal(não que o tenha deixado de ser), a partir do ponto em que sua espécie passou a superar e subjulgar as demais apenas sobreviver já não fazia mais sentido, as associações que os homens faziam entre si. E em certo ponto, os homens já não eram mais pequenos grupos de caça, clãs ou apenas famílias, o homem passou a se organizar em estruturas maiores, povoados, vilarejos, pequenas pólis e as grandes cidades-estado. E nesses meios de organização e sociedade abandonou-se a luta pela cadeia alimentar(afinal os humanos já estavam no topo) e a luta agora tinha seu cerne na cadeia de castas, isso é, “luta-se”, a grosso modo, pela perpetuação da sociedade e do estado, luta-se para ter significância e importância nas estruturas sociais; pouco importa agora se seremos atacados por lobos ou ursos, os soldados nos defenderão, minha luta agora é pagar os impostos, não desobedecer às leis ou ao estado e ser o indivíduo que a minha organização social espera que eu seja. A partir disso foi que o homem passou a questionar qual o sentido da vida, quando este se tornou extrínseco, quando o instinto passou a não mais bastar e o homem, agora um indivíduo social, passou a trabalhar e agir não em nome de sua perpetuação ou da perpetuação de sua espécie, mas sim pela perpetuação de seu meio social e de sua cidadania. Com isso concluímos que a pergunta “qual o sentido da vida” tem sua gênese com o advento da sociedade e do estado.
Agora, pensemos mais um pouco: o que nos leva a perguntar “qual o sentido da vida”? E pode-se dizer que o que nos faz ter essa pergunta(não entrando em metafísica ou ontologia aqui) é a insatisfação. Quando estamos inquietos, insatisfeitos, ou simplesmente tristes essa pergunta nos convém, é nesses momentos em que questionamos qual o sentido de nossa existência, nesse aparente vazio de significado e de sentido. Perceba que não fazemos essa pergunta em momentos de felicidade ou de êxtase, essa pergunta não é própria desse tipo de sentimento, ninguém tem crises existenciais quando está em proveito de um momento com amigos ou quando está em êxtase com seu parceiro na cama, o significado da vida não importa, quando estamos tomando um bom café ou fazendo as coisas que gostamos e que temos proveito em fazer. E mesmo se assim o fosse, logo a pergunta seria respondida, se a tivéssemos em um momento com nossos amigos logo responderiamos “o sentido da vida é viver bons momentos com as pessoas que gostamos”, e se então, nos vinhesse esse questionamento em meio ao tálamo(o que é algo um tanto improvável) logo pensaríamos “o sentido da vida é o amor, o êxtase e o prazer”, se enquanto tomamos nosso desejado café nos perguntarmos qual o sentido da vida, logo responderemos “o sentido da vida é ter proveito dos pequenos momentos”, e se a questão, enfim, vinher a nós enquanto estamos fazendo aquilo o que mais gostamos de fazer responderemos enfim que “o sentido da vida é fazer aquilo o que gostamos”. Em suma, a problemática da existência pouco importa aos momentos de felicidade, êxtase e satisfação, não é aí que ela se manifesta, ninguém se preocupa com a problemática existencial quando se está em proveito da existência, essa pertinente pergunta cabe aos momentos tristes, insatisfatórios, aos momentos de tédio ou de desespero. E a pergunta “qual o sentido da vida?” está tão intimamente ligado aos momentos de insatisfação, inquietude, dor ou sofrimento que perguntar “qual o sentido da vida?” no fundo não é perguntar qual é mesmo o sentido da vida, qual a finalidade da existência. Perguntar “qual o sentido da vida?” é na verdade perguntar “qual o sentido do sofrimento?”, isso é, se a felicidade, o prazer, o bem maior é possível então por que a tristeza e o sofrimento também o são? Essa é a verdadeira pergunta, e isso é o que verdadeiramente importa. E é assim que se responde “qual o sentido da vida?” não através de páginas e páginas de dissertações filosóficas mas sim através da introspecção e do auto-julgamento, a gênese da problemática existencial está na gênese da problemática do sofrimento. Afinal, perceba, a problemática existencial só preocupa àqueles que, de alguma forma, estão insatisfeitos com a própria existência.
Então levanta-se a pergunta: Qual o sentido do sofrimento existencial? Ou melhor, por que sofremos disso? Ora, e por que não sofreriamos? Tudo a nossa volta parece culminar nisso, tudo parece querer isso. “O universo conspira contra mim” alguns dizem. O fato é que a vida em sociedade, ou melhor, a sociedade em si, pouco se importa com o indivíduo, com a sua felicidade ou com o seu prazer, e com isso é fácil, facílimo eu diria, estar triste e insatisfeito com a vida. Afinal, o modelo em que vivemos pouco ou nada nos convém. Como sabemos, nossa realidade nos antecede, não somos os senhores de nossas vidas, somos vítimas da mesma, e é aqui que eu discordo parcialmente de Sartre. Ele fala que nós devemos criar o sentido para a nossa vida e que somos livres, e portanto responsáveis por nossas escolhas, isso seria de fato verdade se fôssemos senhores de nossa realidade, o que não somos. Muito do que culmina em nossa identidade não é propriamente nosso, mas nos é externo, nossa realidade nos antecede, e muito do que agora somos já estava configurado nessa realidade pré-existente. Ora não é tão comum que todos tenham objetivos tão parecidos, de um modo tão inegável que os sonhadores e idealistas causam certo incômodo aos demais? Todos, a grosso modo, querem estudar na faculdade dos sonhos, ter um emprego, construir uma família, ter um carro, uma casa, trabalhar no que gostam. Essa é a configuração de “vida” que se pré-estabelece no indivíduo, e é esse caminho, ou caminhos parecidíssimos com esse que os indivíduos traçam para a sua vida, de modo que, não existe um “criar um sentido para a vida” o que existe na verdade é lutar contra esse sentido da vida que nos foi imposto. Quando foi que escolhemos que nossa vida seria assim? E por que ela deve ser assim? Não escolhemos. E ela não deve ser assim. Por que somos, então, tão tristes? Porque a nossa vida não é nossa e a totalidade da nossa vida não nos convém, não vivemos para nós, vivemos para os outros, vivemos para uma sociedade, para um estado que não se importa com nós como indivíduos, se importa com nós como produtores de capital[consultar os ensaios “Sobre o Estado e a Educação” e “Uma Crítica à Escola”]. E mesmo quem não concorde com as minhas reflexões acerca do estado e da sociedade há de concordar que o sentido da nossa vida não nos convém e que não somos senhores de nós mesmos, de modo que é dificílimo encontrar alguém que esteja plenamente satisfeito com o modelo de vida no qual se encontra, a não ser que esteja, é claro, sujeito à sociedade pelo hábito.
É também evidente que esse não é somente, e tão somente, a causa do sofrimento e da problemática existencial, mas, ao meu ver, parece ser um dos cernes, um dos grandes motivos desse acontecimento, não é como se uma mudança da sociedade ou até mesmo o abandono das estruturas sociais e do estado fosse resolver a problemática existencial e a problemática do sofrimento. Para não se indagar acerca do sofrimento o indivíduo teria que estar sempre em êxtase, e aí faria-se outra pergunta, tão crucial quanto esta: “qual o sentido da felicidade?”. O prazer absoluto e a tristeza absoluta não são possíveis pois, como sabemos, “o homem são é aquele que está em crise” como aponta Freud. Felicidade e sofrimento existem e são a realidade. Nesse parágrafo só procuro dizer que: o que se pretende discutir aqui não são teorias estatais nem nada a respeito. Por que sofremos, por que temos crises existênciais? por que nos perguntamos qual o sentido da vida? Essas são as perguntas as quais o ensaio pretende refletir.
Acontece que somos um Dasein, um ser-aí, um ser-no-mundo(sim, eu disse que não pretendia recorrer a Heidegger no começo, porém cá estou, falando sobre aquilo o que piamente convém à Heidegger), assim que vinhemos ao mundo não temos conhecimento dele, ou de sua totalidade de modo que a vida é uma incansável associação e apreensão do mundo. Somos um Ser, derrepente jogados ao mundo sem saber o que ele é e o que devemos fazer nele e aí começamos a apreender e quando finalmente achamos que conhecemos alguma coisa sobre o mundo no qual fomos jogados então morremos. E nisso a sociedade nada ajuda, a ciência nada ajuda, nós, na verdade somos incubidos a não pensar nas questões fundamentais sobre a existência, seu sentido, sua finalidade e muitos, a maioria de nós, morre sem ter ideia do porque, um dia, veio a este mundo. Deveriamos viver em nome de uma Vida Autêntica, digo, deveriamos pensar em nós e naquilo o que convém à nossa existência e bem-estar e não a coisas tão extremamente extrínsecas e inconvênias como pagar as contas, ou arrumar um emprego, deveriamos viver para nós e por nós, e aí sim a problemática da existência se amenizaria. Passamos nossa vida toda se preocupando com coisas das quais não deveriamos nos preocupar, nos sujeitamos a um modelo tão irracional de vida que sobra pouco, tão pouco tempo para pensarmos em nós mesmos e eu diria que em muito, é por isso que nos preocupamos tanto com o sentido de nossas vidas. Nos preocupamos com o sentido de nossas vidas por que, atualmente, ele não nos pertence, e é difícil alcançá-lo ou construí-lo e é aí que vem o sofrimento, não falo aqui do sofrimento generalizado, não de qualquer sofrimento como o sofrimento da dor física por exemplo, mas falo do sofrimento existencial, a angústia do Ser, a angústia de “ser”.
Conclusão.
“Por que nós nos questionamos sobre qual o sentido da vida?” porque estamos insatisfeitos com a mesma, somente aquele que está insatisfeito com a existência questiona a finalidade da mesma, o indivíduo que pergunta-se qual o sentido da vida está, mesmo que minimamente, em um sofrimento ou inquietude existencial. “Qual o sentido do sofrimento(existencial)?” Pode-se dizer que sofremos com a problemática da existência por que a totalidade da nossa vida não nos pertence de modo que não vivemos para nós mesmos nem somos encorajados para tal, a maioria de nós vive uma vida inautêntica onde o sentido da vida, pré-estabelecido pela sociedade, não visa a felicidade ou satisfação do indivíduo, e sim a perpetuação do estado e de suas estruturas.
Epílogo.
Existe um sentido para a vida? Se não, como podemos criá-lo? Como dito no início deste escrito há um sentido biológico para a vida, o da autoconservação, mas sabendo que este já não se faz tão satisfatório a “pergunta qual o sentido da vida?” permanece inalterada, perguntar se a vida tem uma finalidade a priori seria tema para um ensaio a parte. Sem pensar necessariamente em Deus ou em sistemas religiosos, não podemos dizer que existe um sentido da vida a priori, não existe um “sentido da vida” que antecede a própria vida, só se pode falar de uma finalidade para algo como a vida depois somente da existência da mesma, como aponta Sartre: “a existência precede a essência”[Ler “O Humanismo é Um Existêncialismo”, e como aponta Montaigne, “só podemos julgar se tivemos uma vida feliz ou infeliz depois da morte”[Cosultar “Ensaios” capítulo XIX]. Não existindo assim um sentido intrínseco ou apriori para a nossa existência então como podemos construí-lo? Ou ainda, como podemos ter uma vida autêntica onde o sofrimento existencial não seja uma preocupação recorrente? Bem, como antes dito não temos total controle sobre as nossas vidas e o “sentido” ou a “finalidade” das mesmas. Como dito, a nossa realidade nos antecede, e com isso o caminho que deveríamos(segundo a sociedade) trilhar em nossas vidas também, a consciência coletiva da sociedade(seu ADE) já tem pré-estabelecido um “sentido” da vida do indivíduo, mas, como já dito ainda, esse sentido não satisfaz as necessidades e pulsões do indivíduo, caberia a nós decidir escolher seguir o caminho que nos foi imposto ou não. Porém, a opção de não seguir o caminho que a sociedade e sua consciência coletiva quer que sigamos pois somos sujeitos à realidade pré-estabelecida a partir do hábito de pertencer à mesma. Logo, ter uma vida com um sentido que satisfaça as pulsões do indivíduo não se trata de “criar” um sentido para a própria vida, como aponta Sartre, mas sim questionar o sentido que já nos foi imposto e esforçar-se para se desviar do mesmo. Sem querer estender este discurso ao ponto de ele ficar prolixo ou tautológico eu concluo finalmente que: questionar(para somente então criar) o sentido para a própria vida é uma tarefa puramente filosófica e psicológica, é uma tarefa que requer introspecção e reflexão acerca daquilo o que é necessário para nós(lembrar que nem sempre o que queremos é aquilo o que necessitamos), ter um sentido da vida que nos satisfaça é antes entender o que nos satisfaz e como e porquê satisfaz, uma vida autêntica onde o indivíduo não se encontra em conflito com o meio social pode vir somente, imagino eu, através do exercício das faculdades filosóficas do indivíduo. Se o bem-estar para com a vida, a “paz de espírito”, a vida autêntica, a vida que vale a pena ser vivida é o que o indivíduo almeja alcançar, eu imagino que ele deva se debruçar na reflexão daqueles que alcançaram esse objetivo, os espíritos elevados da humanidade, Epicuro, Sêneca, Montaigne, Lucrécio, Sidarta, Marco Aurélio, Jesus, Hermes… Em suma o sentido da vida, para uma vida plena, é aprender a viver. É estar vivo apesar da vida, aprender a aceitar o que a vida tem de bom e o que ela tem de ruim, aprender a aceitar a vida e a morte, e com “estar vivo apesar da vida” eu quero dizer, encontrar a paz na existência em meio à turbulência da mesma, uma vida autêntica se alcança através da temperança e do equilíbrio. Qual o sentido da vida? Eu posso dizer que é a busca, eu posso dizer que é a paz de si mesmo, eu posso dizer que é o equilíbrio das faculdades emocionais, e nada disso estará errado.