Sobre Educação: Uma Crítica à Escola

“É natural do homem ser livre e o querer sê-lo; mas está igualmente na sua natureza ficar com certos hábitos que a educação lhe dá”. Etienne de La Boetie.

Qual a função da escola? Eu digo, qual a função última da escola? “Educar” imagino que me dirão, mas, educar para o quê? Todo o aparato educacional funciona em função de quê especificamente? “Educar para a sociedade” me dirão. Teoricamente a escola tem a função de educar o indivíduo, ensinar aquilo o que ele precisa saber para viver em harmonia com a sociedade, essa deveria ser a função da escola. Mas não é. A escola não prepara o indivíduo para viver, não prepara o indivíduo para ser um Ser-Social, esta não é a sua causa, é somente a sua consequência. A verdade é que a escola prepara o indivíduo para ser mais uma engrenagem na máquina do estado. O que quero dizer com isso?

O estado é como uma máquina, e funciona para si mesmo, todas as peças e os componentes do estado pertencem-no e funcionam em função do mesmo. Ora, e qual a composição desta máquina? Qual é o sistema que ela apresenta? O sistema do estado todos nós conhecemos e para nós é algo já tão familiar. O estado funciona através da produção do capital, que por sua vez funciona através da mão-de-obra, e portanto, necessitando-a, como é que o estado adquire mão-de-obra? Através da educação. O sistema de produção do estado funciona basicamente como uma indústria fordista. Uma esteira rolante. Que se divide em duas grandes partes: A Escola e o Trabalho. E essas duas palavras resumem boa parte da nossa vida: Escola e Trabalho. Nos vinte primeiros anos da esteira rolante do Estado é onde nós estudamos(mais tarde falaremos sobre o estudo) e nos quarenta anos posteriores nós trabalhamos. E o fruto último disso não vai para o indivíduo, não é o indivíduo que desfruta plenamente daquilo o que estuda e tampouco é o indivíduo que desfruta plenamente do fruto de seu trabalho. O sistema prepara o indivíduo não para a vida, não para a sociedade, mas sim para o estado. [consultar o ensaio “Sobre o Estado e a Educação]

Dito isso, a função última da escola é a educação, e educa o indivíduo para o hábito. Ensina-o e integra-o ao modelo fabril do estado, a escola ensina o indivíduo a ser mão-de-obra. E a educação por sua vez gira em torno disso. No fim das contas, é para isso que estamos na escola, para que estejamos aptos a trabalhar, a escola, como dito, não ensina para a vida, não ensina para a sociedade, não ensina para o indivíduo, ela ensina para o trabalho, ela ensina o indivíduo a ser mão-de-obra. A escola, para o sistema, é a indústria da mão-de-obra. Não é o indivíduo mais feliz, ou o mais realizado, o mais alegre, o mais social que as escolas estampam nos seus outdoors. Não. Ela não se preocupa com isso, ora, se o estado não se preocupa com o bem-estar do indivíduo então ninguém se preocupa com o tal, afinal tudo e todos funcionamos em função do estado. É o indivíduo que passou na faculdade, que trabalha como médico, advogado ou engenheiro, é o indivíduo que produz, ou está apto a produzir capital, é isso o que a escola põe nos seus outdoors, se a escola realmente se preocupa-se com a integração do indivíduo na sociedade, com a harmonia do indivíduo ou com qualquer outra coisa senão o mercado de trabalho nós perceberiamos, mas não, a escola não se preocupa com isso, ela se preocupa com aquilo o que o estado se preocupa: mão-de-obra e produção de capital, e é isso o que a escola faz questão de colocar em seus outdoors, essa é a sua propaganda e a sua função. E é isso o que as pessoas querem ver e ser: mão-de-obra. Nesse sistema ninguém vive para si, nem nada produzido é para si, e sim para o sistema propriamente dito, para o estado. Estudamos para o estado, trabalhamos para o estado e morremos pelo estado.

Ora, e por que não questionamos esse sistema? Por que o aceitamos sem titubear? Por que servimos-no tão voluntariamente? Por meio do hábito. Como visto na citação que introduz este ensaio é pelo hábito que o sistema cria a sua mão de obra, é pelo tempo, pelo cansaço, pela desistência. Vivemos em um sistema que no fundo nós não gostamos e não queremos, mas estamos tão fortemente habituados ao mesmo que nem sequer questionamos se ele é realmente o ideal. Eu agora te pergunto: ele é o ideal? Você está feliz com isso? Você se sente realizado e satisfeito?

A escola não faz sentido em nenhum aspecto. Desde sua gênese ela existe em função do estado. E o seu modelo de ensino é equivocado e sem sentido. O indivíduo é pisoteado por uma carga tamanha de formação que nenhum dos indivíduos consegue guardar por muito tempo e boa parte daquilo o que é ensinado na escola não é usado, nem para a vida em sociedade e nem para o trabalho. O que é ensinado na escola nada mais serve para ser decorado e depois escrito num papel com o nome do indivíduo. Isso faz algum sentido? Nós não aprendemos ou apreendemos, não carregamos o que a escola ensina para a vida, apenas decoramos e depois esquecemos. Até mesmo o mais dedicado dos alunos não carrega consigo todo o bombardeio de conhecimento que a escola faz. Então qual o sentido de tudo o que é ensinado se no final das contas o conhecimento não vai para lugar algum? A escola e seus agentes dizem preocupar-se com o indivíduo, dizem preocupar-se com o conhecimento, a preocupação real da escola é o hábito e a aptidão a ser servil. A prova é como uma tarefa, ela não testa, em momento algum, o conhecimento do indivíduo, ela testa na verdade se o indivíduo é obediente o suficiente para abrir mão de seus interesses pessoais e sacrificar parte de seu tempo para decorar aquilo o que a escola quer que ele decore, se o indivíduo for bem nesta tarefa ele terá uma boa nota, essa boa nota em momento algum significa que o indivíduo é o mais inteligente ou o que tem mais conhecimento, significa que ele é o mais subserviente, no sentido de ser o mais obediente, aquele que menos questiona o sentido do sistema que lhe é imposto. Se a preocupação última da escola fosse de fato, e em algum momento, o conhecimento, não apresentaria um modelo tão fabril e generalista de ensino, ela ensina o mesmo e da mesma forma para todos, ela quer que todos funcionem de uma mesma maneira para que sejam igualmente subservientes. Ela ignora o fato de que os indivíduos são diferentes e que estes aprendem de maneira diferente, ela não trabalha com a individualidade, não trabalha com o conhecimento, ela trabalha com o sistema. Ela não prepara o indivíduo para mais nada senão para o hábito de ser servil. Essa é a cobrança da escola, essa é a preocupação de seus agentes, se o indivíduo está apto a produzir capital por meio do mercado de trabalho. O reconhecimento do professor não vem por meio de quantos alunos ele ensinou conhecimentos valiosos, quantos alunos ele ensinou a serem felizes, ou quantos alunos ele ensinou qualquer coisa para além das matérias do programa escola, o reconhecimento do professor vem por meio de quantos alunos ele passou ou fez passar, quantos alunos que passaram por ele estão em um bom emprego, como se isso na verdade fosse tudo, como se o sentido da escola fosse esse. E na verdade é, esse é o atual sentido da escola, do ensino e da educação. Mesmo que este sentido seja disfarçado por meio de aparatos pedagógicos ou o discurso clássico de que a escola ensina para a vida ou para o conhecimento. A escola ensina para o sistema, essa é a sua função e é para isso o que ela existe finalmente.

O fato é que a escola não se preocupa com o indivíduo em sua individualidade, ela(nem nenhuma outra instituição) não se preocupa com a vida do indivíduo, com sua felicidade ou com seu bem-estar. Se assim o fosse, a escola(como já acontece em lugares como a Finlândia por exemplo) entenderia que os indivíduos são diferentes entre si e que possuem inteligências diferentes e particularidades. O aluno mais inteligente, no modelo aqui discutido, é o que possui as melhores notas, e isso é tudo o que importa. Inteligência, para a escola, é isso: boas notas. Nada além disso. A escola ensina essa inteligência subserviente, e seu subproduto é um pseudo-conhecimento. Isso é, um conhecimento sintetizado e fragmentado, que está neste contexto não para agregar às capacidades intelectivas do indivíduo, está nesse contexto tão somente para torná-lo habituado a servir. Devíamos ter por inteligente aquele indivíduo que sabe lidar com a vida, ou aquele que tem um bom senso crítico, ou ainda aquele que sabe como viver e como sentir-se realizado, o sentido da escola deveria ser esse: a realização individual do indivíduo. Toda a realização do indivíduo não é sua, lhe é externa, ela não tira boas notas necessariamente para si, ele tira boas notas para agradar o sistema e seus agentes, isso é, espera-se que o indivíduo esteja apto ao sistema e ao estado, e através do hábito a escola cria no indivíduo essa forma de auto-cobrança, de modo que a realização que os indivíduos têm não lhe são próprias e não lhe pertencem, o indivíduo acaba sentir-se realizado ao estar de acordo com o que se espera de um indivíduo nesse sistema. A realização de tirar boas notas, ir para a faculdade, arrumar um emprego, ser um bom empregado, comprar um carro e etc não está no ato em si e nem sempre é necessariamente o que o indivíduo quer para si, mas a realização desse conjunto de coisas vêm e acontece porque é isso o que se espera do indivíduo e é isso o que o hábito ao sistema faz do indivíduo, no fim das contas, quem realmente desfruta dessas “realizações” as quais os indivíduos são obrigados a realizar, não é o indivíduo propriamente dito, quem se beneficia dessas ditas realizações é o sistema, e o estado.

Deveria-se ensinar o artista a ser artista, o músico a ser músico, o filósofo a ser filósofo, o médico a ser médico. Deveria-se ensinar o indivíduo a controlar suas faculdades emocionais, a saber como lidar com seus problemas e suas adversidades, deveria-se ensinar coisas verdadeiramente úteis e aplicáveis à vida como empatia, gestão emocional, criatividade, gestão financeira, oratória, filosofia(propriamente dita, e não a filosofia capenga e sintetizada que nos é ensinada). Deveria-se preparar o indivíduo para a vida, para a sociedade e para si mesmo. A preocupação da escola, da educação e do ensino deveria girar em torno do indivíduo e de sua individualidade, na escola deveria-se aprender aquilo o que se leva para uma vida, e não aquilo o que se leva para uma prova, o produto da escola deveria ser o conhecimento útil, e não pseudo-conhecimento disfarçado.No entanto a escola gira em torno do estado, da produção e da mão-de-obra. Conclui-se que ensina-se somente, e tão somente, a ser subserviente e trabalhador e nada além disso.

A escola, portanto, falha enquanto instituição de ensino. Diz ensinar, mas nada ensina. Diz disciplinar, mas nada disciplina. Diz harmonizar, mas em nada harmoniza. O ensino anda sobre muletas, e este ensino febril e doente carrega em suas costas um Brasil tão febril e doente quanto o próprio.

A escola nada ensina, nem nada nunca ensinou, o brasileiro nada aprende nem nada nunca aprendeu.

15/07/19