Sobre o Estado e a Educação

Do Estado

Não irei dissertar muito sobre Estado aqui pois o enfoque do ensaio se encontra mais propriamente no que tenho a criticar na educação. Talvez eu escreva algo sobre o Estado mais tardiamente, porém, à quem tem curiosidade para com tal assunto eu recomendo a leitura dos três primeiros capítulos de “A Anatomia do Estado” de Rothbard, o livro “Discurso Sobre a Servidão Voluntária” de La Boetie, e as considerações de Oppenheimer em “The State”.

Porém, sabendo que se faz necessário uma breve introdução sobre o conceito de estado para que os conceitos posteriores não fiquem dispersos eu separei algumas das citações que encontramos em A Anatomia do Estado, essas por sua vez, sintetizam muito bem aquilo o que nesse ensaio entende-se por Estado.

Franz Oppenheimer em “The State” fala que “existem duas formas fundamentalmente opostas através das quais o homem, em necessidade, é impelido a obter os meios necessários para a satisfação dos seus desejos. São elas o trabalho e o furto, o próprio trabalho e a apropriação forçosa do trabalho dos outros. Eu proponho, na discussão que se segue, chamar ao trabalho próprio e à equivalente troca do trabalho próprio pelo trabalho dos outros, de “meio econômico” para a satisfação das necessidades enquanto a apropriação unilateral do trabalho dos outros será chamada de “meio político”. O estado é a organização dos meios políticos. Como tal, nenhum estado pode existir enquanto os meios econômicos não criaram um definido número de objetos para a satisfação das necessidades, objetos que são passíveis de ser levados ou apropriados por roubo bélico.”

Ainda em The State: “O que é, então, o estado como conceito sociológico? O estado, na sua verdadeira gênese, é uma instituição social forçada por um grupo de homens vitoriosos sobre um grupo vencido, com o propósito singular de domínio do grupo vencido pelo grupo de homens que os venceram, assegurando-se contra a revolta interna e de ataques externos. Teleologicamente, este domínio não possuía qualquer outro propósito senão o da exploração econômica dos vencidos pelos vencedores.”

Já Albert Jay Nock escreve de forma clara que: “o estado reivindica e exercita o monopólio do crime. Ele proíbe o homicídio privado mas ele mesmo organiza o assassínio numa escala colossal. Ele pune o roubo privado mas ele próprio deita as suas mãos sem escrúpulos a tudo o que ele quer, seja propriedade dos seus cidadãos seja de estrangeiros.”

Mencken, por fim, observa: “O homem comum, quaisquer que sejam as suas falhas, pelo menos vê claramente que o governo é algo que existe à parte de si e à parte da maioria dos seus concidadãos — que o governo é um poder separado, independente e hostil, apenas parcialmente sob o seu controle e capaz de prejudicá-lo seriamente. Não é por acaso que roubar o governo é visto em geral como um crime de menor magnitude do que roubar um indivíduo, ou até mesmo uma empresa. O que está por trás desta visão, creio eu, é a profunda noção de que há um antagonismo fundamental entre o governo e as pessoas que ele governa. O governo é tido não como um comitê de cidadãos eleitos para resolver os problemas comuns de toda população, mas sim como uma corporação autônoma e separada, dedicada principalmente à exploração da população para benefício dos seus próprios membros .. Quando um cidadão é roubado, uma pessoa digna foi privada dos frutos do seu esforço e poupança; quando o governo é roubado, o pior que acontece é que uns patifes ociosos ficam com menos dinheiro para brincar do que tinham antes. A noção de que mereceram ganhar esse dinheiro não passa pela cabeça de ninguém; afinal, para qualquer pessoa sensata, esta ideia é ridícula.”

O que é o Estado então? O estado nada mais é que o monopólio do poder coercitivo e econômico de uma nação. No estado integram-se membros para os quais é que o estado funciona, a preocupação desses membros, e do estado, é o seu benefício próprio. O estado exerce uma função administrativa sobre uma nação mas a corruptela do poder fará sempre os integrantes do estado voltarem seus olhos para si mesmos e para seu próprio estado de forma que a sociedade para além do estado fica em segundo plano. Sendo o estado o monopólio do poder, tudo vai girar em volta do estado e em função deste, de modo que a preocupação do estado e de seus integrantes é a perpetuação do estado e do poder. O estado é uma entidade separada e individualista que preocupa-se acima de tudo com si mesmo, e as leis - estas que provém do estado e de seus integrantes - sempre darão mais importância ao estado do que a seus indivíduos.

Sobre o Estado e a Educação

Pois bem, sabemos que a preocupação real do Estado é a sua perpetuação, sua “eternização”, até mesmo em estados de bem-estar social a preocupação do estado é ele mesmo, e não a sociedade e seus respectivos indivíduos - nesses modelos, o estado camufla sua real preocupação através do investimento capital no bem-estar social propriamente dito -. Para que haja a perpetuação do Estado é necessário o capital, e para que haja o capital é necessária a mão-de-obra, e na sociedade atual os processos de trabalho modernizaram-se e diferenciam-se. Mesmo com o seu desenvolvimento e aprimoramento a finalidade última do trabalho é a produção do capital, e a finalidade última do capital, por sua vez, é a perpetuação da máquina do estado e de seus governantes. Toda a estrutura que o estado apresenta não existe para os indivíduos, e sim para o próprio estado e para aqueles que o compõem, de modo que os indivíduos, enquanto em sociedade, são - conscientemente ou não - forçados ao trabalho, e o fruto último do seu trabalho não vai para o mesmo, e sim para o estado, esse por sua vez recolhe o capital dos indivíduos sobre a alegação de investir o dinheiro dos mesmos para a sociedade, o que, sabemos, não é verdade. Trabalhamos para o estado, o nosso capital é do estado, e o estado “investe” o nosso dinheiro em coisas que o estado julga que precisamos, porém, percebemos, o aparato estatal é individualista, boa parte do capital pilhado pelo estado vai para os agentes do mesmo, de modo que o que resta de investimento para a sociedade não passa de migalhas do que os impostos pagam deveriam fazer pela estrutura social. O estado - e em especial o estado brasileiro - não serve à sociedade, serve a si mesmo.

Nesse quesito, como e em qual sentido o estado se importa com a educação? Ora, como veremos mais adiante, a educação é na verdade a base do estado, a indústria da mão-de-obra para o tal, e isso evidencia-se muito no estado brasileiro no qual o estado vê a educação cada vez mais como um viés produtivo, tentando deixar sempre o viés de ensinamento em segundo plano. O estado precisa do capital, o capital é produzido pela mão-de-obra(ou pelos trabalhadores, se assim preferir), logo, o estado para sua perpetuação precisa da mão-de-obra, e para a criação da mão-de-obra o estado precisa de sua qualificação. E é aí onde entra a escola, ela cria mão-de-obra para servir ao estado, esse é o propósito real, e o único propósito do modelo escolar atual, que como antes dito, caminha mais e mais em direção a um modelo puramente tecnicista com o viés no trabalhador acéfalo, digo isso no sentido de que o estado preocupa-se mais com a criação de mão-de-obra técnica e prática do que preocupa-se com o desenvolvimento intelectual dos indivíduos(e na verdade, percebemos que o estado, de fato, NÃO se preocupa com isso quando se trata de educação no Brasil).

O modelo de perpetuação predatória que é perceptível em toda a história do estado brasileiro culminou na educação atual, na escola atual. Que é falha em todos os seus aspectos, a escola não ensina e não tem a finalidade do conhecimento - embora disfarce isso com seus aparatos pedagógicos - a escola ensina conhecimento útil, não conhecimento útil em si, mas conhecimento útil ao estado. Tudo o que aprendemos na escola não aprendemos em função do conhecimento em si, ou em função de nosso desenvolvimento enquanto indivíduos ou enquanto seres humanos, tudo o que aprendemos na escola é conhecimento voltado ao aparato e às estruturas do estado. Tudo o que aprendemos desde o fundamental até o ensino médio é o conhecimento(ou melhor, pseudo-conhecimento) que serve somente - e tão somente - para uma prova última, e esta por sua vez dirá se nós, enquanto mão-de-obra em potencial, estamos qualificados a nos qualificar para o estado, isso é ela qualifica aqueles que qualificarão-se para o trabalho através da universidade . Agora, sobre o dito pseudo-conhecimento, boa parte do que aprendemos na escola não é conhecimento útil para nós, e sim conhecimento útil para o estado, a verdade é que nada aprendemos na escola, a nossa apreensão atém-se ao básico e aquilo o que achamos aprazível aprender, enquanto todo o resto é usado para que façamos as provas qualificatórias e depois disso para nada serve, pergunte a qualquer pessoa sobre a totalidade real do que ele se lembra que aprendeu na escola e quanto disso que ele se lembra ele usa em sua vida cotidiana, a resposta é: pouquíssimo. Não estudamos para nós, para nossa vida como tal, estudamos para o estado e para o capital que ele necessita para a sua perpetuação.

O que é Educação?

Antes de começarmos a falar propriamente da escola como tal precisamos antes entender o que é, e como se dá, a educação. É fato que não vinhemos ao mundo preparado para o mesmo, não vinhemos à vida preparados para viver, e é aí onde se encontra a finalidade da educação. A educação é o método pelo qual aprendemos as coisas, isso é, antes de sabermos que devemos olhar para os dois lados antes de atravessar uma via de mão dupla, devemos ser informados, ensinados e educados sobre o que é um carro, uma pista e etc. Antes de aprendermos a contar nosso dinheiro temos que saber o que é o dinheiro, saber contar, pra que serve o dinheiro e etc. Como aponta John Locke, nascemos como uma folha em branco, e a educação tem a função de preencher essa folha em branco com tudo aquilo o que é necessário saber para que tenhamos uma vida em sociedade. E nós aprendemos o que devemos aprender através de um método educacional isso é, um modelo testado e provado pelo qual sabemos que aprenderemos e seremos bem educados, e esse modelo por sua vez se dá por um agente educador, esse que por sua vez domina o método educacional, e, em tese, está piamente apto para ensinar e educar aqueles precisam ser ensinados e educados.

Como dito, a educação deve preparar o indivíduo para a sociedade, e por que é necessária, por parte da sociedade, a educação dos indivíduos da mesma? A educação dos indivíduos de uma sociedade e de um estado é necessária para que estes possam manter a sua estrutura e o seu fundamento, isso é, a educação existe e está lá para que haja a perpetuação do modelo social e do estado. Por exemplo, imaginemos um grupo ou uma tribo de homens pré-históricos onde o modelo de sua sociedade formenta-se através da caça, da pesca, da plantação, colheita, e em suma, da sobrevivência e perpetuação da tribo e da espécie, nesse cenário, como sabemos, é comum que alguns dos indivíduos dessa tribo morram, e eventualmente todos os membros originais morrerão por sua vez, e quando nasce um novo indivíduo nessa sociedade o que é o natural a se fazer? Educar. Educar para que tal indivíduo entenda as estruturas de sua sociedade, e o que fazer para manter o modelo e a perpetuação da mesma. Esse é um exemplo simples, claro e naturalista, mas podemos abranger esse exemplo para absolutamente qualquer sociedade que imaginemos, tudo o que devemos fazer é somente mudar as figuras que usamos nessa ilustração. Conclui-se pois, que a finalidade da educação é a formação social dos indivíduos.

Damos o nome de Instituições Educadoras ou educacionais tudo aquilo o que tem por função educar, preparar e formar o indivíduo, neste ensaio nos ateremos ao foco, que é a escola, porém mais tardiamente pretendo escrever sobre outras instituições educadoras, como é o caso da família.

Como antes dito, o indivíduo não nasce sabendo de tudo o que precisa saber, portanto é necessário que o mesmo seja ensinado, moldado e instruído pelas instituições educadoras para que possa tornar-se assim parte da sociedade, e por sua vez considerar-se um Ser-Social ou um Indivíduo propriamente dito. A sociedade precisa de indivíduos que a perpetuem, e o indivíduo através da educação têm a função de manter e perpetuamente reinstaurar a ordem social estabelecida(ou pré-estabelecida).

A Gênese da Escola

Tendo os conceitos básicos de educação delimitados, falemos agora de como e em que contexto se deu a escola.

Recapitulando a ilustração anteriormente apresentada sobre a importância da educação para a perpetuação da sociedade, incluamos-na o advento do capital e portanto, analisemos pois a sociedade capitalista. Desde os primórdios da sociedade capitalista a educação, que antes tinha um viés propriamente social ganhou também seu viés estatal, isso é, a educação não servia agora tão somente para preparar os indivíduos para a sociedade, ela passou a preparar também os indivíduos para o estado, ou melhor dizendo, agora a educação servia para que os indivíduos trabalhassem não em função da perpetuação de sua sociedade e portanto de si, mas em função da manutenção dos aparatos do estado. Claro, tudo isso disfarçado de alguma forma, é somente na escravidão que o indivíduo percebe que o seu trabalho não é seu, em todas as outras formas de empregadorismo o trabalho do indivíduo não lhe é próprio, mas claro, ele não percebe isso. E nesse novo contexto educacional existia - e existe - a educação dos servos e a educação dos patrões. No advento do estado quem comanda o estado, seja ele rei, imperador, presidente ou parlamentar, ou ainda sendo ele um dos sustentadores da estrutura do estado, como é o caso dos burgueses, a educação para com outrem de sua mesma casta, ou classe, é a educação voltada aos meios políticos(Oppenheimer), ao controle e manutenção do estado, que por sua vez volta-se principalmente para aqueles que o controlam, ou seja, nesse contexto o estado trabalha para aqueles que o integram, e os integrantes ou agentes do estado procuram educar seus iguais para a perpetuação do estado, e portanto a perpetuação do poder dos mesmos. E as instituições educadoras desses pensam tão somente nisso: neles, pelos quais o estado funciona. E é aí que surge a necessidade de formar juristas, banqueiros, ou formar qualquer profissão que dê alguma forma de poder e domínio - seja político ou econômico - para que o indivíduo possa manter o estado, e portanto manter-se. A educação agora não era para a sociedade ou para o indivíduo a educação agora existe para, e tão somente para, o estado.

O estado - e seus integrantes - precisam do capital para a sua perpetuação, e o capital do estado vem através da pilhagem do capital das classes inferiores, aquilo o que se conhece por imposto. Torna-se portanto necessário que haja uma classe de pessoas cujo qual a finalidade última para o estado é a produção de capital, capital este que não dirige-se ao trabalhador propriamente dito, o fruto de seu trabalho acaba sempre indo para o estado, pois esta é a única preocupação do estado: ele mesmo. E nesse contexto predatório de estado, não é tão importante educar para a vida ou para a sociedade, nesse contexto a educação existe para o estado, o estado precisa do capital, então a educação existe para que haja o capital, ensina-se a trabalhar e como trabalhar, a finalidade toda deste ensino não tem como protagonista o trabalhador, o indivíduo, o protagonista da educação que têm os indivíduos da casta inferior é o estado.

A educação precede a escola. Pois a escola surge nesse contexto, não no contexto propriamente de educar para a sociedade, a escola nasceu com o intuito de que os integrantes do estado aprendessem a perpetuar o seu poder, o seu domínio e portanto perpetuar o estado. Ensinava-se a criança(no caso uma criança pertencente a uma família de poder) a ser um igual perante os integrantes do estado para que este, futuramente, continua-se a mantê-lo de alguma forma. Vale lembrar que nesse contexto histórico em que nos encontramos, a escola existia somente para os que tinham poder, e restava aos outros ensinar os seus filhos a trabalharem.

14/07/19