Troca de pele e a desapologia do prazer

Vai-se o tempo da mais tenra juventude e leva consigo aquela euforia que marca a testa dos velhos com lembranças de cristal. Vai-se aquela que vivemos e da qual ouvimos com veemência da boca dos senhores cansados nas praças da cidade, como se estivessem a recitar uma elegia, e surge, em seu lugar, a consciência de que a vida é um plano a ser seguido. Agora, Deus mostra sua cara: ao longe, nos dias negros; junto conosco, nos dias de glória.

Os homens de cinquenta anos engravatados e tranquilos em seus carros confortáveis voltando para casa e para os braços dos seus são os que se comprometeram com o futuro e não levaram o dia de hoje muito a sério. São aqueles que não fizeram de sua vida um meio para o prazer, pois o trataram do modo como ele deve ser tratado: como um fantasma que nos faz cócegas vez ou outra. Pois, a longo prazo, o prazer se torna vergonha. Um velho incontinente é, sempre, uma piada em potencial, em seus fins e em seus trejeitos.

Obviamente, há exceções, aqueles que se entregaram ao descontrole das paixões, mas, dada a longa e multifacetada duração da vida, redimiram-se e se encastelaram no que os afasta de uma nova queda. Heróis que se retiraram das fileiras dos rebanhos dos viciosos. Mas são tão poucos, que seria mais adequado classificá-los entre os semi-deuses. Verdadeiros cegos que alcançaram a luz e a se agarraram a ela somente porque os que a viam lho disseram. Se lhes perguntamos como o conseguiram, nem sequer eles no-lo saberão dizer. Apontarão um fator qualquer de sua vida e suspirarão de alívio pela vitória na batalha que venceram sem saber que lutavam.

O problema do prazer é que ele é, num momento, a verdade da vida e, pelo resto da eternidade, um momento de insanidade, fonte de infinito arrependimento, um motivo para um lamento e um balanço de cabeça. Ai do homem que nele se demora como uma criança com seu doce! Lambuza-se e lambuza a vida com sua incontinência cada vez mais desenfreada. Só o acaso pode salvá-lo, e quem depende do acaso para tanto já está a meio caminho do inferno.

Iago O Gazola
Enviado por Iago O Gazola em 15/07/2019
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