Diálogo, depressividade e transformação política
A política implica certa depressividade, isto é, disposição subjetiva para operar sínteses de elementos opostos, contrários ou ambivalentes. A síntese aqui referida diz respeito, sobretudo, a uma síntese disjuntiva, e não a uma harmonização ou a uma conciliação desprovida de conflito. Em outras palavras, a depressividade reúne, agrupa, congrega, sem deixar de reconhecer as divergências existentes. A atitude dialógica de abertura ao outro está pressuposta nesse modo de conferir inteligibilidade ao político.
Nesse diapasão, o fazer político comporta algum grau de ascese, pois a disposição para a síntese não decorre de um mero desejo ou força de vontade, mas de um longo processo, por vezes doloroso, de mudança e transformação internas. Com isso, não pretendo indicar que o primeiro passo para a ação política é a transformação individual. O que quero dizer é que a política não é uma mera retórica ou um “fazer por fazer”; trata-se antes de algo que precisa ser corporificado na experiência.
A depressividade implicada na atividade política protege contra a formação de uma atitude política essencialmente paranoica. Na paranoia, tende-se a afirmar uma ordem polarizada com o objetivo de eliminar um dos polos. Acentuam-se mais as diferenças que dividem do que aquelas que podem favorecer horizontes de ação conjunta. É uma prática em que algo tende a ser considerado como demais, um excesso que precisa ser destruído para que haja uma pureza.
Diferentemente da depressividade que reconhece o outro como total, sujeito de direitos, de vontades e desejos próprios, a paranoicidade, para usar um neologismo, torna o outro alvo de ódio com o qual justifica seu descarte. A descartabilidade aí implicada supõe a exclusão do outro na fundação do laço social, na ordem da associação humana. A paranoia divide, separa, aparta, para controlar aquilo que ela constitui como perigoso.
É possível entrever tendências paranoicas num amplo espectro de ações e atitudes políticas contemporâneas. Das políticas pautadas na ideia de classe às políticas identitárias, alguns indivíduos e/ou grupos se fecham em condomínios de verdade dicotomizados, tratando aqueles que não se adequam a suas crenças como inimigos a serem eliminados simbolicamente, quando não fisicamente.
Não pretendo sugerir que as lutas políticas construídas pela ideia de classe ou pela noção de identidade não tenham valor ou importância, mas tão-somente colocar em relevo que o modo como a luta é feita é tão essencial quanto seu conteúdo. Nesse sentido, o cultivo da depressividade como abertura dialógica ao outro e como forma de suportar a ambivalência são fundamentais para a transformação da ordem das desigualdades sobre a qual o mundo está fundado.