ANUNCIANDO O REINO DE DEUS: UMA ESCALA DE VALORES

Este texto foi publicado originalmente na Revista Educador.

Mt 6.10- “ Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na

terra como nos céus.”

INTRODUÇÃO

A atualidade diante do dilema social que abrange a fome, a miséria, a corrupção, a o uso da política como instrumento de barganha e troca, da violência gratuita e da impunidade, leva homens e mulheres a questionarem a validade do texto, de confiar e de agir conforme a Palavra. Diante de tantos desafios podemos parar, analisar, meditar sobre um retorno ao primeiro amor e mudar?

1.UM BREVE PASSEIO PELA HISTÓRIA

A mensagem que Jesus ensinava, reestruturava valores morais e espirituais que chamaram a atenção tanto de quem ia ao seu encontro, quanto de quem o questionava sua prática religiosa. Jesus condiciona o amor como uma ferramenta de mudança para melhor nos indivíduos e em suas relações interpessoais. Ele rompe com algumas práticas e assevera outras, de tal maneira, que sua posição social era humilde, mas com atitude e fala de alguém que refletia autoridade, influenciando e intimidando seus ouvintes, despertando o ódio dos poderosos por se sentirem ameaçados.

O decorrer da história, ao término ministério terreno de Jesus como humano-divino, sua ascensão ao céu, a vinda do Espirito Santo, e, posteriormente, a dispersão da igreja, em face da perseguição dos judeus e Império Romano, a morte de milhares de cristãos por pregarem a mensagem de salvação, seja na cruz, na fogueira, ou na arena, para impedir sua expansão, e posterior institucionalização da igreja a partir de Constantino, que nunca foi cristão, surge uma igreja forte, dominadora, que perseguia todos aqueles que não professavam seus dogmas.

À medida em que o tempo passou, esta igreja se fortaleceu ao ponto de dominar todo ocidente, surgindo a partir daí inúmeros equívocos que envolvem adoração, vida cristã, contribuição e sustento da igreja, desvirtuando assim, a mensagem original do senhorio de Cristo. Este período foi chamado de Idade Média. Não mais a noiva adornada que deveria ser serva, mas aquela que deveria ser servida, e seus líderes empoderados manipulavam os fiéis, ao ponto de promoverem uma perseguição aos judeus, onde quer que estivessem. Esta perseguição continuou até o presente século.

Surge, então, o segundo grande racha da Igreja Católica Apostólica Romana, que se dividiria mais uma vez e que mudou também o ocidente. A Idade Moderna trouxe inúmeras descobertas cientificas importantes para o desenvolvimento social, a Revolução Industrial na Inglaterra, a Revolução Francesa, influenciada a partir da leitura dos livros de Jean Jacques Rousseau, decretou o fim da religiosidade, e da necessidade de Deus.

O Novo Mundo surge como esperança de conquistas e mudanças, como diz Castro Alves, no século XIX, na poesia o livro e a América , é um passeio na história da humanidade até o momento em que vivera: “talhados para a grandeza, para crescer, criar, subir [...] vai Colombo, abre a cortina da minha eterna oficina e tira a América de lá, [...], olhando em torno então brada: tudo marcha! ... Ó Grande Deus! [...], e Deus responde MARCHAR!

Decreta-se que em breve o mundo não mais precisaria do Cristianismo. Decretando assim o seu fim. Para Nietzsche o Cristianismo só gerou conformismo e mediocridade. Em seu livro a Gaia e a ciência , ele decreta; "Deus está morto [...] nós o matamos, você e eu...” No Anticristo , (p.19), ele afirmou: “nada é tão doentio quanto à piedade cristã”, [...] (p. 65), “no fundo só existiu um cristão e esse morreu na cruz”. [...] “chamo o Cristianismo a única grande calamidade...” (p. 116). Podemos julga-lo e dizer que ele estava certo ou errado?

O Cristianismo havia se dividido em dois blocos distintos, o Cristianismo Católico Romano que continua até hoje com poucas mudanças, apesar de movimentos significativos, tentando resgatar seus fiéis que migraram para outros grupos religiosos, e o Cristianismo Protestante trazendo uma nova mensagem que envolvia liberdade de escolha, de compartilhamento, de transformação, ao ponto de Gilberto Freyre, durante o período em fora aluno do Colégio Americano Batista converter-se, pregar na Primeira Igreja Batista do Recife, afirmar que a nova igreja era um alento para os pobres, pois vinha imbuído em faze-los crescer através da educação, num período em que a maioria da população era analfabeta. Este registro encontra-se em suas memórias no livro Tempo morto e outros tempos, que retrata sua vida dos 16 aos 30 anos.

O século XX surge com o título de “século das luzes”, com muitas e significativas mudanças comportamentais, fomentadas por duas grandes guerras mundiais e outros tantos conflitos, que tem dizimado seres humanos. Mas, com ele também veio o desenvolvimento cientifico, tecnológico, das ciências humanas, dos movimentos sociais voltados a aceitação do outro como indivíduo com direitos e deveres, a velocidade da proliferação científico-tecnológico, o acesso aos bens de consumo de massa, carros, computadores, telefones, celulares, medicamentos e novas tecnologias para sanar doenças fatais, e o surgimento de outras ainda mais complexa.

O Cristianismo não deixou de existir. Deus continuou sendo necessário para a humanidade. Movimentos como “Jesus Cristo está voltando”, “Cristo a única esperança”, aqueceu o trabalho evangelístico. Ensinamos tanto sobre o senhorio de Cristo, que ele deveria estar no centro, e o nosso eu deveria estar subordinado a sua vontade.

Porém, esta evolução ao mesmo tempo em que promoveu melhoras em todos os níveis da sociedade, também tirou os indivíduos do trilho, e os distanciou ainda mais de Deus. A sociedade pós-moderna tornou o ser humano individualista e egoísta. Paulo escrevendo a Timóteo advertiu sobre isto. O relacionamento direto com o Deus tomou um rumo diferente. Dessa vez, Sua atribuição maior é aquele que suprirá suas necessidades, que lhes dê sucesso profissional, cura física, enfim, sua função é torná-los sempre felizes, etc.

2. O DESAFIO DO SENHORIO E A NOVA ESCALA DE VALORES

O senhorio de Cristo esvaziou-se diante de uma igreja pálida, baseada em movimentos para atrair mais fiéis. A evolução social afastou o homem de Cristo e da igreja. A sociedade globalizada encurtou distancias, popularizou mercadorias e meios para se viver dentro do ideal “do sonho americano”, como parâmetro de conquista social e segurança financeira, etc. O evangelho foi trazido a nós por eles. O modelo ideal e exigido é sermos cidadãos do mundo, interagindo em todos os possíveis setores do mundo capitalista, e não mais restritos a sociedade local. Consequentemente, a perda da identidade étnica, moral e ética. Valores anteriormente inquestionáveis, tornaram-se questionáveis e desnecessários.

Púlpitos que pregam mensagem psicológicas, de autoajuda, ou ao contrário, mensagens cheias de condenação e medo da morte. Prega-se a morte como veículo para fazer os indivíduos aceitarem a Jesus, usando como instrumentos o medo e a dor. O cristão é um ser do seu tempo.

Os cultos tornaram-se recheados de muita música de qualidade questionável, com muito barulho, muitas palmas, vozes afinadas, cuja função é agradar a plateia que ali comparece para assistirem ao culto. A reverência foi substituída por alaridos, assobios, gritos como se estivéssemos num show. Buscar em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça tornou-se pesado demais, comprometido demais. A meditação na Palavra não é levada a sério, nunca tivemos tantas Bíblias, das mais diversas traduções, e perspectivas de uso e temas diversos, e tão pouca profundidade e conhecimento. O preço a ser pago é alto demais! Pregar sobre salvação, vida eterna, santificação, justiça está rodeado de melindres.

A moda agora são os “desigrejados”, “gente cansada de igreja”, “decepcionados com Deus”. Vende-se um evangelho de sucesso, conquistas, de supercrentes que não adoecem, que não têm problemas financeiros ou familiares. Esquecem que Jesus afirmou que cada um carregasse a sua cruz, e o seguisse.

Viver na sociedade pós-moderna implica em respeitar as diferenças, numa hermenêutica que não se limite a literalidade, defendem alguns cristãos. Concordo com eles, porém, comecemos pela ideia do estado laico, que não se envolve com questões religiosas, e dá acesso a todos os grupos, e a partir de leis que determinam a aceitação e o respeito a diversidade, e para isto, há um projeto tramitando na Câmara de Deputados, em Brasília sobre a proibição de se pregar contra a homossexualidade. Esquecem-se de que a sociedade não é laica, os indivíduos idem.

Vivemos momentos conflitantes! O homem pós-moderno vive em função do amanhã, de agendamento de compromissos, currículos, aparências, e, no entanto, continua insatisfeito e infeliz, em busca da felicidade a todo custo. Nunca tivemos tanta produção de alimentos, e tanta gente faminta. Esqueceu da tônica da mensagem, “as demais coisas vos serão acrescentadas”. Corremos tanto, trabalhamos tanto para conquistar coisas e posições para “comprarmos o que não se queremos, com dinheiro que não temos, para agradar a que não gostamos. ” Pior, para nos enquadrarmos e sermos aceitos em determinados grupos sociais.

Jesus não incentivou o ócio; ao contrário, ele se envolveu em questões sociais importantes, era carpinteiro, e sobreviveu do seu trabalho até o início de seu ministério. “Não andeis ansiosos” não implica em comodismo, em preguiça, mas em não colocar todo o nosso esforço, tempo, saúde física e emocional, e esquecendo de viver. O primeiro lugar dado ao Senhor implica em saber usar o tempo, o conhecimento, as habilidades apreendidas não apenas para usufruto próprio, mas em direção ao que necessita. Implica também em parar e refletir o que se está fazendo, e mudar, tomar um novo rumo. Paulo nos admoesta em II Timóteo 3. 14-16, que prossigamos no caminho em que

aprendermos desde a nossa infância, pois “toda Escritura é divinamente inspirada por Deus...”

CONCLUSÃO

A mensagem no Evangelho de Mateus convoca a repensar o mundo e tudo que há de bom e ruim para a humanidade em todas as épocas, diante dos problemas sociais, das crises, das doenças, da violência, da fome, da ignorância religiosa, da imoralidade. O grande desafio é não se perder. Não perder a identidade cristã em meio a tantas carências, tantas necessidades. Não desanimar ao ponto de desfalecer, de desistir da vida, de lutar. Sim, lutar para contribuir com um mundo melhor, pois isto é ordem do Senhor, através do nosso trabalho, do nosso testemunho. Viver não é fácil, mas é importante confiar no Altíssimo, buscar sua presença, aprender a confiar em suas possibilidades de fazer o bem, e o melhor para si e para o próximo. Vencer o mal com o bem, apesar de, no íntimo, muitas vezes desejarmos usar das mesmas armas. Aprender sempre, aprender a crescer e a aprender a mudar.

BIBLIOGRAFIA

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