Sobre agendas e guarda-chuvas

Sobre o que se pode prever e sobre o que não se pode prever...

Estava indo a pé para o trabalho e começou a chover. Apesar de aprender com Tom Jobim e Elis que as águas de março fecham o verão, confesso, nunca gostei de guarda-chuvas.

Resultado, cheguei ensopada no trabalho.

Tinha questões programadas e urgentes, nem liguei pra chuva, só queria chegar na hora e fazer o que tinha pra fazer. Entretanto, apesar da agenda e do relógio marcarem a hora correta, percebi que o que estava programado não sairia como previsto. Reunião remarcada para duas horas mais tarde...

O mau humor tomou conta, a irritabilidade também, não bastava a chuva, precisei esperar mais pra realizar o que mais queria naquele dia.

Não possuo estatísticas, nem tampouco estudos sobre isso, mas acredito que um dos grandes males da humanidade seja a dificuldade de lidar com o inesperado, com imprevistos e com o acaso.

As linhas da agenda preenchidas à caneta com data e hora marcadas. Os benefícios de programar afazeres, objetivos e sonhos são reais. Concatenar atitudes pra se chegar onde quer e no tempo que se quer também, pois além da escrita mostrar a nós mesmos de forma mais clara o que queremos, ter vontades bem definidas nos fazem tomar atitudes e parar de procrastinar para atingir nossos objetivos.

Entretanto, o vazio incomoda. Não saber que vai acontecer daqui a duas horas, dois dias, dois anos passa pela mente e nos deixa irritadiços, preocupados e ansiosos.

Isso reflete no nosso dia a dia, passamos tanto tempo da vida fazendo conjecturas sobre o futuro, de como será amanhã ou daqui a um tempo que esquecemos de viver o presente.

Mil e uma possibilidades passam na mente, sendo elas boas e ruins. Passamos tanto tempo tentando adivinhar o futuro ou julgando o passado e esquecemos que olhando bem, percebendo ao redor, não há nada de tão assustador acontecendo no aqui e no agora.

Naquele dia fiquei tão p. da vida, mas refleti melhor. O que é uma chuva? E uma reunião remarcada? Não há nada de errado com isso.

Às vezes até o tempo precisa de um tempo pra ele para ajustar melhor as coisas. Isso vale para pequenos e grandes problemas.

A água que escorreu pelo meu rosto me fez lembrar. Estou viva, estou respirando, posso realizar coisas. Se algo sai do previsto posso me reinventar, recomeçar ou começar algo novo. Então pra que me preocupar?

Deve ser por isso que sempre gostei de agendas, pra ter a sensação de que posso controlar tudo.

Não podemos prever tudo, mas temos uma agenda para nos auxiliar.

Existem infinitas possibilidades no universo, não precisamos ter uma ideia tão rígida e rigorosa do que deva acontecer. Nós não sabemos o que é melhor pra nós. O universo? Ele sim sabe. Como diria Caetano “o tempo é um dos deuses mais lindos”.

E ainda Gilberto Gil “o melhor lugar do mundo é aqui e agora” , porque é onde vc está.

Para os imprevistos é só usar um guarda-chuva. Acho que deve ser por isso que nunca tive um, porque ele me mostra que não posso prever tudo, ou diante da chuva você pode deixar as gotas escorrerem pelo seu corpo e te lembrarem que você pode sentir o ambiente, naquele momento, no presente você está vivo.

Tomar chuva me fez bem, mas eu comprei um guarda-chuva.

Ter uma agenda me faz bem, mas não escrevo mais nada à caneta, só a lápis.

E a graça da vida é essa.

Tudo passa, tudo muda.

Só cabe a nós sermos inteiros onde estivermos.