Os últimos dias no meu torrão natal
“O que há de maravilhoso numa casa não é que ela nos abrigue e nos conforte, nem que tenha paredes. É que deponha em nós, lentamente, tantas provisões de doçura. Que forme, no fundo de nosso coração, essa nascente obscura de onde correm, como água da fonte, os sonhos...” (Antoine de Saint Exupéry in “Terra dos Homens”)
A casa onde residi em Ipuã, desde os anos 60 até os últimos dias de julho de 1988, e que se localizava na Avenida Carlos Fernandes, 755, não existe mais tal como foi. Após a sua venda, ocorreram várias mudanças em sua estrutura.
Todavia, tenho muitas recordações dela, a maioria constituída de boas e queridas lembranças. Era uma casa simples, de vários cômodos onde, por todos os lados, reinavam o amor e a alegria de um aconchegante lar. Agradava-me muito o quintal, onde existiam algumas árvores frutíferas, sem se esquecer das flores de minha mãe, que ela cuidava com prazer e amor. A garagem, mais parecia outra casa no fundo, onde além do carro de meu pai, havia espaço para guardarmos diversas outras coisas. Era neste quintal, que, adolescente ainda, continuava as minhas experiências com as plantas de minha mãe. Não havia mais a magia nem o entusiasmo da infância, eis que um pouco de embasamento científico já conduzia minhas pesquisas. No entanto, o espírito da busca era sempre o mesmo, pois por mais evoluídos que nós nos tornamos, não nos livramos de nossa infância, que continua, incessantemente, sua representação imortalizada em nossa memória.
Que doces lembranças eu tenho da jabuticabeira em flor. Era uma árvore de porte médio, que se situava um pouco além da cozinha e da varanda. Geralmente eu colocava meu fusca debaixo de sua sombra, que na época da floração, se recendia, de longe, o delicioso aroma de suas alvas flores.
Foi nesta casa que eu me tornei professor e foi vivendo nela que ampliei meus conhecimentos em outros centros de ensino superior. Em seu abrigo me vi poeta, criando os primeiros versos, mergulhado no sonho e na magia. Quantos momentos felizes eu vivi com minha família neste espaço de segurança, amor e ternura chamado lar.
Infelizmente, foi nela que vi meus pais pela última vez. Como não havia um espaço próprio para velório na cidade, seus corpos foram velados – um após o outro, em cada ano – na sua sala principal. Depois disso, ela se tornou vazia com a minha solidão, até o fim, quando dela saí, deixando-a na posse de seus novos donos.
Hoje, distante de tudo, conservo estas ternas lembranças no meu coração e sempre que posso, retorno à terra querida que me viu nascer, ao encontro de parentes e amigos que, creio, com muito orgulho, viverão como eu, os restos de seus dias eternamente ipuanenses.
in “A minha vida de ontem”
“O que há de maravilhoso numa casa não é que ela nos abrigue e nos conforte, nem que tenha paredes. É que deponha em nós, lentamente, tantas provisões de doçura. Que forme, no fundo de nosso coração, essa nascente obscura de onde correm, como água da fonte, os sonhos...” (Antoine de Saint Exupéry in “Terra dos Homens”)
A casa onde residi em Ipuã, desde os anos 60 até os últimos dias de julho de 1988, e que se localizava na Avenida Carlos Fernandes, 755, não existe mais tal como foi. Após a sua venda, ocorreram várias mudanças em sua estrutura.
Todavia, tenho muitas recordações dela, a maioria constituída de boas e queridas lembranças. Era uma casa simples, de vários cômodos onde, por todos os lados, reinavam o amor e a alegria de um aconchegante lar. Agradava-me muito o quintal, onde existiam algumas árvores frutíferas, sem se esquecer das flores de minha mãe, que ela cuidava com prazer e amor. A garagem, mais parecia outra casa no fundo, onde além do carro de meu pai, havia espaço para guardarmos diversas outras coisas. Era neste quintal, que, adolescente ainda, continuava as minhas experiências com as plantas de minha mãe. Não havia mais a magia nem o entusiasmo da infância, eis que um pouco de embasamento científico já conduzia minhas pesquisas. No entanto, o espírito da busca era sempre o mesmo, pois por mais evoluídos que nós nos tornamos, não nos livramos de nossa infância, que continua, incessantemente, sua representação imortalizada em nossa memória.
Que doces lembranças eu tenho da jabuticabeira em flor. Era uma árvore de porte médio, que se situava um pouco além da cozinha e da varanda. Geralmente eu colocava meu fusca debaixo de sua sombra, que na época da floração, se recendia, de longe, o delicioso aroma de suas alvas flores.
Foi nesta casa que eu me tornei professor e foi vivendo nela que ampliei meus conhecimentos em outros centros de ensino superior. Em seu abrigo me vi poeta, criando os primeiros versos, mergulhado no sonho e na magia. Quantos momentos felizes eu vivi com minha família neste espaço de segurança, amor e ternura chamado lar.
Infelizmente, foi nela que vi meus pais pela última vez. Como não havia um espaço próprio para velório na cidade, seus corpos foram velados – um após o outro, em cada ano – na sua sala principal. Depois disso, ela se tornou vazia com a minha solidão, até o fim, quando dela saí, deixando-a na posse de seus novos donos.
Hoje, distante de tudo, conservo estas ternas lembranças no meu coração e sempre que posso, retorno à terra querida que me viu nascer, ao encontro de parentes e amigos que, creio, com muito orgulho, viverão como eu, os restos de seus dias eternamente ipuanenses.
in “A minha vida de ontem”