A CARGA QUE AS MULHERES CARREGAM...

Bom dia.

Hoje ao acessar minha página do facebook, vi uma escultura falando sobre “O peso que uma mãe carrega ilustrado em uma escultura.”

Amei essa escultura, pelo que ela representa para mim, hoje.

Pelo que ela representa para as jovens Mulheres atuais, também.

Gostaria de que fizessem uma escultura baseada nas Mulheres dos séculos passados, até chegar na Mulher pré histórica.

Sou uma senhorinha do século passado.

Nasci no dia 13 de março do ano de 1953, às 05:00 horas, num pedaço do mundo esquecido por “deus” - O Nordeste do Brasil.

Nasci e cresci no interior.

Até os quatro anos vivi num sitio no agreste. Enquanto criança, vi Minha Mãe, Minha Avó, Minha Tia e Meu Irmão trabalhando de enxada, limpando o terreno para o plantio. Mesmo pequenina ainda, aprendi a plantar milho, fava, feijão-de-arranca(feijão carioca), feijão-de-corda, melancia, batata doce, inhame, macaxeira, mandioca, amendoim, inhame cará, inhame-não-me-toque. Ajudei na colheita também.

Dos quatro até os 17 anos vivi num vilarejo muito simpático, onde aconteceram os melhores anos da minha vida. Inicialmente vivenciei tempos terríveis, mas com a chegada da Minha Família ao vilarejo, e poder retornar ao convívio familiar, tudo ficou mais fácil para mim.

Naquela época não possuíamos fogão à gás, queimávamos lenha (madeira). Caminhei, durante muitos anos, uma légua para chegar até a mata, levando foice e facão presos à cintura, uma peça de corda, um tecido para rodilha e uma cabaça com água, presa por um cordão trançado, atravessado sobre o tórax.

Chegando lá na mata, catávamos os galhos caídos e se tivessem espinhos tirávamos com o facão ou

com a foice. E, se isso não nos fornecesse a quantidade de lenha suficiente, procurávamos arbustos que pudéssemos cortar alguns galhos.

Alinhávamos tudo sobre as cordas, amarrávamos formando o feixe. Fazíamos uma rodilha com o pano, colocávamos sobre o que hoje chamam Chacra Coronário (lá a gente chamava moleira mesmo) e sobre ela o feixe de lenha. Daí, caminhávamos mais uma légua, de volta para casa.

Não tínhamos água encanada, carregávamos água da cacimba. Ela, a cacimba, ficava a alguns minutos de casa. A rotina era essa: Levávamos um pote, uma cuia, uma imbira trançada, de mais ou menos uns cinco palmos de comprimento e um pano de algodão para coar a água e outro tecido para fazer uma rodilha.

Quando chegávamos na cacimba, colocávamos o pano na abertura do pote e prendíamos com a imbira. Aí, íamos, de joelhos (não havia outra forma, pois a cacimba era rente ao chão) apanhando a água com a cuia e despejando dentro do pote.

O pote cheio, quase sempre alguma outra Mulher nos ajudava a por na cabeça, sobre uma rodilha. E lá íamos nós, para casa, carregando o precioso fardo.

Chegando em casa, tirávamos o pote da cabeça, destampávamos o porrão (um pote imenso) e despejávamos a água. Se o porrão não estivesse cheio para passar o dia… retornávamos para a cacimba até completar a quantidade de água.

Não dispúnhamos de peixaria ou supermercado para comprar peixe. O jeito era pescar no rio. Pesquei de puçá, anzol (nunca tive paciência de esperar fisgar um peixe), de rede e barragem. Pescar de barragem era uma trabalheira! Escolhíamos um “braço” do rio e bloqueávamos a corrente d’água, tapando com barro e pedras. Depois retirávamos a água que restava, utilizando cuias e latas.

Quando o “braço” do rio estava praticamente vazio, só algumas poças aqui, acolá, os peixes começavam a pular, tentando encontrar oxigênio e aí, eram pegos a mão. Algumas vezes acontecia de haver pedras grandes, com aberturas e lá se escondiam peixes maiores como traíras, carás, jundiás e até cobras.

Vez por outra um dos pescadores ao se abaixar na água e enfiar a mão na “loca” para pegar o peixe, tinha a má sorte de o peixe encontrá-lo primeiro… a guerra estava declarada. Nesses instantes aconteciam atos de terror e heroísmo que raiava a comédia.

Qualquer dia desses conto a história da traíra que encontrou o que não devia sob a saia da minha colega pescadora, Dedé (nome fictício).

Também não tínhamos máquina de lavar roupas, sequer um tanque de cimento. Lavávamos as roupas no rio. Dia de sábado as pedras do Rio Paraíba ficavam lotadas de lavadeiras, ensaboando, batendo os tecidos nas pedras, pondo pra quarar sobre o gramado das margens, depois recolhendo, enxaguando, torcendo e estendendo . Tudo isso fazíamos, cantando ladainhas e toadas, numa alegria de passarinho.

Lembro que quase sempre não tínhamos sabão. O jeito era improvisar. Vagens de ingá trituradas, ramagens de melão de São Caetano maceradas e cinzas do borralho eram misturados em grandes gamelas, onde as roupas eram mergulhadas, ficando durante um tempo. Após eram esfregadas para retirar a sujeira., e postas para quarar. Algumas vezes minha mãe fabricava, artesanalmente, sabão de mamona, que servia para lavar as roupas e tomarmos banho.

Passar roupa com ferro elétrico? Quem viu?! Era ferro de brasa. Ferro de ferro, pesando um trem. Levei tanta queimadura que já nem sentia mais… o ruim mesmo era o calor e as baforadas de cinza quente, quando tentava soprar as brasas. A dor no braço, tentando balançar o ferro contra o vento, para reacender os carvões.

Nossas crianças não usavam fraldas descartáveis, eram cueiros de tecido. Era um luxo ter muitos cueiros de flanela (inverno) ou de algodão (verão), na maioria das vezes, algumas mulheres adaptavam (cortavam e costuravam manualmente) roupas usadas (vestidos, saias ou camisas masculinas), para utilizar de cueiros. Fez xixi ou cocõ? Lava, põe pra enxugar e… depois? Ferro neles.

Como lavar louças e panelas? Não era na pia não. Lavávamos onde? No rio. Nossos pratos e canecas de ágate, lavávamos com bucha vegetal… aquela buchinha. Também não usávamos bombril (nem sabíamos que existia) nas nossas panelas de ferro, ágate e barro. Ia tudo pra buchinha vegetal que era plantada no quintal de cada casa.

Nossas comidas eram basicamente cuscuz de milho ralado misturado com coco, também ralado e regado com leite de vaca, cabra ou de coco. Mungunzá, canjica, baião de três (feijão/xerém/carne), feijão, farofa, carne de galinha ou peixe. Carne de porco ou bovina só aos domingos ou nos dias de festa… casamento etc. Muita salada crua (coentro, cebolinha, couve, tomate, pimentão) plantados no quintal. Frutas a vontade! Caju, mamão, manga rosa, manga espada, banana, coco, goiaba (rs), pinha (fruta-do-conde), cana caiana, araçá, banana, trapiá e melancia. E de sobremesa especial? RAPADURA ou COCADA (eu adorava)!

Como nos divertíamos? Na época não possuíamos sequer rádio de pilha. TV? O que é isso? Mas, a noite, brincávamos de “barra bandeira”, “cadê o grilo”, “onde está o anel”, “Céu ou Inferno?”, roda… “eu sou rica, rica, rica, de marré marré, marré...” e tantas outras brincadeiras. Quando não queríamos brincar Minha Mãe ou Minha avó contavam lindas histórias até a gente dormir.

Médicos quando estávamos doentes? Minha Mãe e Minha Avó. Remédios? Chás, caldos, pirão, cinzas do borralho, emplastros e o Ventre da Mãe Terra.

Aí você diz ____Afff que vida miserável! Como vocês conseguiam viver assim?

Eu lhe respondo _____Vivendo. Tanto conseguia que eu estou aqui, lhe contando um pouco do que uma MULHER é capaz de carregar nos braços, na cabeça, na barriga e principalmente, no coração!

Adda nari Sussuarana
Enviado por Adda nari Sussuarana em 02/03/2019
Código do texto: T6587587
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