Reabilitei-me

Quando se quebra um osso, não importa em que parte do corpo, a gente sente a própria fragilidade brotando dali, de uma fissura. São sensações diversas: dor, incômodo, imobilidade. Conforme os dias passam, a gente tece a paciência. Descobre novas formas de dormir e aprende que cada pedaço seu é também seu todo.

Quando se perde a fé no ser humano é mais complicado. Porque as pessoas te ferem sem imaginar o tamanho do estrago. As sensações são intensas: frustração, dor, inquietude e outras tantas mais. Nunca entendi porque, tendo uma mente pensante, você aniquilaria com o seu semelhante. Seria objetivo? Meta? Imoralidade? Maldade?

E você vai remoendo os porquês até que um dia você volta a sentir leveza nos próprios gestos, a sorrir do absurdo, a ouvir o seu próprio tum-tum cardíaco. Seu coração não mais está oprimido. Está pulsante. Está feliz.

Dei-me conta que estou reabilitada. Já posso ouvir outros sonhos sem achar que precisam ser verdadeiros. Somos falhos. Somos uma sucessão de erros. Alguns acertos, mas a maioria são erros. A minha reabilitação deve-se tão somente eu saber que se toda a mentira me fosse doada empacotada, ilustrada, perfumada, agora, eu saberia que jamais a quis. Não quero mais o faz de conta. Já estou bem crescidinha. Historinhas bonitinhas, enfeitadinhas, para o lobo mau comer a vovozinha e de sobremesa a chapeuzinho, ihhh ficou lá trás, aliás, perdeu até a graça porque lobos só sabem babar. E quando comem, só pensam em arrotar.

Reabilitar não foi fácil. Mas é uma conquista pessoal e intransferível.

Sente o cheiro do amanhã? Já o inalei.