Capitalismo - Lady Sonânbula: Lucro Manchado de Sangue.

MACBETH,William Shakespeare,ATO V,Cena I

Dunsinane; Um quarto no castelo; Entram um médico e uma camareira.

O MÉDICO - Estive de vigília convosco durante duas noites consecutivas, mas não posso descobrir indício de verdade em tudo o que dissestes; Quando foi que ela andou como sonâmbula pela última vez?

A CAMAREIRA - Desde que Sua Majestade foi para a campanha eu a tenho visto levantar-se da cama, atirar sobre si o roupão de dormir, abrir a escrivaninha, tira uma folha de papel, dobrá-la, escrever alguma coisa, ler o que escreveu, selar depois a folha e voltar em seguida para a cama, fazendo tudo isso, no entanto, no mais profundo sono.

O MÉDICO - É indício de uma grande perturbação da natureza receber os benefícios do sono e executar, simultaneamente, os atos de vigília; Nessa inquietação do sono, além desses passeios e de ocupações concretas, não percebestes se, por vezes, ela dizia alguma coisa?

A CAMAREIRA - Ouvi coisas, senhor, que não me atrevo a repetir.

O MÉDICO - A mim podereis dizer o que ouvistes, sendo mesmo de vantagem que o façais.

A CAMAREIRA - Nem a vós nem a ninguém, uma vez que não tenha testemunha para confirmar o que disser.
(Entra Lady Macbeth, com uma vela.)
Vede! Aí vem ela! É assim mesmo que sempre faz, e, por minha vida, a dormir profundamente. Observai-a; aproximai-vos dela um pouco.
O MÉDICO - Como conseguiu essa luz?

A CAMAREIRA - Ora, estava perto dela; Tem sempre luz ao pé de si; são ordens expressas.

O MÉDICO - Como vedes, está com os olhos bem abertos.

A CAMAREIRA - É certo; mas os sentidos estão fechados.

O MÉDICO - Que faz ela agora? Vede como esfrega as mãos.

A CAMAREIRA - É um gesto habitual nela, fazer como quem lava as mãos; Já a vi continuar desse jeito durante um quarto de hora.

LADY MACBETH - Aqui ainda há uma mancha.

O MEDICO - Atenção! Está falando; Vou tomar nota do que ela disser, para reforçar a memória.

LADY MACBETH - Sai, mancha amaldiçoada! Sai! Estou mandando um dois. Sim, já é tempo de fazê-lo; O inferno é sombrio..Ora, marido! Ora! Um soldado ter modo? Por que termos medo de que alguém o venha a saber, se ninguém poderá pedir contas a nosso poder? Mas quem poderia imaginar que o velho tivesse tanto sangue no corpo?

O MÉDICO - Ouvistes o que ela disse?

LADY MACBETH - O thane de Fife tinha uma mulher; Onde se encontra ela agora? Como! Estas mãos nunca ficarão limpas? Basta, senhor; não falemos mais nisso; Estragais tudo com essa vacilação.

O MÉDICO - Ide, ide! Ficastes sabendo mais do que seria conveniente.

A CAMAREIRA - Ela falou o que não devia, tenho certeza; Só Deus sabe o que ela sabe.

LADY MACBETH - Aqui ainda há odor de sangue; Todo o perfume da Arábia não conseguiria deixar cheirosa esta mãozinha; Oh! Oh! Oh!

O MÉDICO - Que suspiro! Tem o coração por demais opresso.

A CAMAREIRA - Eu não quisera ter no peito um coração assim, nem pelas dignidades de todo o corpo.

O MÉDICO - Bem, bem, bem.

A CAMAREIRA - Rogai a Deus, senhor, para que seja assim.

O MÉDICO - Esta doença ultrapassa minha arte; No entanto, conheci sonâmbulos que morreram santamente em suas camas.

LADY MACBETH - Ide lavar as mãos; vesti vosso roupão de dormir; Não fiqueis assim tão pálido. Torno a dizer-vos que Banquo está enterrado; não poderá sair da sepultura.

O MÉDICO - Também isso?

LADY MACBETH - Para o leito! Para o leito! Estão batendo no por tão; Vinde, vinde! Dai-me a mão; O que está feito não está por fazer; Para o leito, para o leito, para o leito!
(Sai.)

OMÉDICO - E agora, ela vai para o leito?

A CAMAREIRA - Diretamente.

O MÉDICO - Circulam por aí terríveis boatos; feitos contra a natura sempre engendram conseqüências doentias; As consciências manchadas descarregam seus segredos nos surdos travesseiros; Mais de padre tem ela precisão do que de médico; Deus, Deus que nos perdoe! Acompanhai-a; Deixai bem longe dela quanto possa causar-lhe qualquer dano e ora, boa noite; Ela deixou-me o espírito confuso e a vista absorta com tamanho abuso; Penso, mas não me atrevo a dizer nada.

A CAMAREIRA - Boa noite, bom doutor.
(Saem.)
Capitalismo - Lucro Manchado de Sangue
 
Quão real é o tema abordado por Shakespeare em “ Macbeth”.
Macbeth e sua esposa Lady Macbeth sobem ao poder depois de assassinarem todos ao seu redor que lhes pareciam empecilhos.
Macbeth , soldado do Rei, volta da guerra vitorioso, até então, um homem honesto, leal ao rei. Mas ao ouvir de três bruxas que se tornaria rei, e influenciado pela esposa, Lady Macbeth, acaba assassinando todos ao seu redor, para que possa chegar ao poder.
Contudo, ao ascenderem ao trono, Lady Macbeth, perde o sono, e em seus terríveis pesadelos, não consegue se livrar das manchas de sangue em suas mãos. Até morrer louca, em suicídio.
Quando tive notícia da tragédia em Brumadinho, aqui no estado de Minas, e a tragédia dos atletas do Flamengo, no Rio, não pude deixar de me reportar à peça Macbeth, de Shakespeare
Assim age o poder, o capitalismo, e assim agiram muitos que se valeram da violência ou da ambiçao desmedida por lucros, para alcançarem seus objetivos. Pela sede de lucros, sacrificam-se vidas, valores e acaba-se matando muitos, tanto moral quanto fisicamente. A morte moral - Essa não vemos - O sangue da consciência morta, esse não vemos, mas suas consequências vêm.
E ainda há quem diga que não existe lei moral nem design inteligente do universo. A voz da lei inexorável da vida grita alto em nossos ouvidos, a essa Lei eu chamo Deus. Outros a negam e atribuem tudo ao acaso. Mas acho muito difícil encontrar o “acaso” na vida. Por todos os lados vejo a espada da lei moral sacrificando suas vidas e nos chamando a uma conversão de valores.
Infelizmente, não podemos afirmar que muitos empresários tenham crise de consciência como Lady Macbeth – a Lady Sonânbula, mas certo é que muitos respeitáveis executivos são movidos a prosac ou a outra droga disponível no mercado para aplacarem suas consciências vendidas ao sistema.

Em meio ao sofrimento humano, não são capazes de se retratarem, porque o dinheiro fala mais alto. Sequer pagam suas multas. Elaboram narrativas e justificativas muito eloquentes e pouco convincentes. Seguem lado ao lado, de mãos dadas com o ‘jeitinho brasileiro’, com o descaso, e com a propina. Casamento que não dura muito, dura o tempo de se sacrificar a próxima vítima.

Quantos vítimas ainda serão imoladas no altar da impunidade, até que aprendamos a consertar a rachadura, em vez de apenas chorarmos os mortos depois que a casa cair?

“ Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai por vossas misérias, que sobre vós hão de vir. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas de traça. O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e sua ferrugem dará testemunho contra vós e comerá como fogo a vossa carne. Eis o salário dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras e que por vós foi diminuído clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos. Deliciosamente, vivestes sobre a terra, e vos deleitastes, e cevastes o vosso coração, como num dia de matança. Condenastes e matastes o justo;ele não vos resistiu.”
Tiago 5: 1-6

Obed R. de Souza
Pedra Azul, Fevereiro de 2019.