ENSAIO SOBRE A MORTE

Nesses últimos dias o Brasil enterrou e chorou muitos dos seus mortos.

E nesse momento me surgiu a necessidade de escrever um pouquinho sobre esse mistério que ronda a vida, a de todos nós.

A morte decerto já foi filosofada pelos grandes pensadores, no entanto, não conheço literatura, depoimento ou ciência que, não seja apenas por conjecturas, nos possa conceituar, definir ou explicar qual o mistério que nos permeia na dinâmica vida/ morte, no aqui da vida e no depois dela.

Eu apenas digo que, por força da minha profissão, muito cedo convivi com a finitude da vida de modo prenunciado, posto que nos hospitais a gente percebe visceralmente o seu permeio, todavia, ela também prega peças inesperadas que nunca nos preparam totalmente para sua tranquila aceitação.

Na minha faculdade, ainda muito menina, o contato com o cadáver nas aulas de anatomia já me instigava o pensamento sobre o tudo misterioso de nós todos.

A morte sempre é dor. Nunca nos alivia no entendimento das suas mãos.

Sinto que o grande milagre da vida é que, em condições normais, ainda que todo dia vejamos a morte acontecer, ela sempre é…para o outro.

É o que nos move a frente do continuar.

Teologicamente arriscaria pensar que Deus, a quem coloco minha fé existencial, operou o primeiro e grande milagre no sopro da vida que inconscientemente nos exclui a morte enquanto caminhamos.

Se pensássemos na finitude da vida nada nela se concretizaria.

E é justamente o milagre desse sopro que acredito ser eterno, embora também entenda que nessa dimensão não nos foi dada a resignação para o constante “desexistir”.

Somos agarrados à existência como se fôssemos eternos, assim, a morte talvez tenha sido feita como "sinalização", um fato para justamente nos lembrar da nossa transitoriedade pela dimensão terrena.

Todavia, na qualidade de simples e sagradas criaturas, diante da inteligência que nos foi soprada, seria paradoxal acreditar que em meio a tanta perfeição da vida terminaríamos por aqui.

Tendo a acreditar que seguimos eternos, e talvez acredite apenas pelo tão limitado estado de necessidade humana de sempre existir, esse que absolutamente todos temos: a necessidade intrínseca de não terminar.

Mas Deus, na sua criação perfeita, não teria gasto tanta energia maravilhosa para que sua grande obra terminasse em segundos.

Fato é que a morte me parece o único acontecimento justo entre os homens: ela não poupa ninguém e apenas nela é que nos igualamos enquanto seres vivos.

“o pó que volta ao pó”…todos somos poeira cósmica, por aqui nada mais além disso. Somos uma coletiva miragem...

A morte é soberana: nunca pede licença, tampouco desculpas…

A morte também não é elegante: ela nunca nos envia seu" répondez s'il vous plaît" .

Ela já saberia da nossa resposta.

Assim, a seu bel prazer, sem nunca marcar a hora, bate seu martelo para os bons e para os nem tanto, para os ricos e pobres, para os jovens e idosos, para os humildes e arrogantes, para os poderosos e para os “impotentes” , para os Homens de fé ou não, para os doentes e para os sãos.

Quando sopra seu sopro…apenas ensina que o tempo por aqui é curto e precioso.

Nos ensina que na vida, o barco e o destino são os mesmos, mudando apenas as acomodações de viagem e de partida para o desconhecido.

Que devemos viver a cada minuto sempre na produção do nosso melhor, se entendermos a vida como uma grande chance de crescimento para algo que ainda desconhecemos.

Afinal, se doutro lado da vida nos houver existência, deve ser um “mico” perceber que gastamos a sagrada vida para o nada, sem modificar nosso espaço para melhor, sem fazer diferença alguma ao meio, inclusive ao que continuaria no depois; e o mais triste, sem a contribuição de evolução para o tudo que não se materializa em corpo, mas que silenciosamente tem o poder de iluminar o atual breu da Humanidade.

Talvez a morte seja, além da maior justiça terrena , o maior presente de redenção nos deixado ao Homem.

E quem morrer…saberá com exatidão?

Quem saberia discorrer com exatidão sobre o questionamento dos mistérios pós a vida?

Termino pensando que a morte, sem dúvida alguma, é uma grande mestra para quem estiver bem atento: só ela nos ensina com a perfeição da sua tão perene aula prática e presencial: o fato de que, quando ela decide, nos deixa o tudo da Terra extremamente pequeno e patético.

Em frações de segundo transforma todas as contendas, as ilusões as vaidades no ínfimo do nada que somos todos.

Curioso e paradoxal é que, diante da sua tão triste insistência professora, nós Homens continuamos a seguir teimosos…sempre sem nunca aprender.

Deve ser esse o plano de Deus.

A quem todos os mistérios e todas as suas revelações pertencem no Seu tempo exato.

O tempo que não corre como o nosso...