O TEMPLO DO REI SALOMÃO
A origem da lenda
As mais antigas referências ao Templo de Salomão, que aparecem em documentos maçônicos, são aquelas referidas no Manuscrito Cooke, datado de 1410. Essa Old Charge, embora datada do começo do século XV, é uma compilação de tradições orais mais antigas, cultivadas pelos maçons operativos ingleses, o que nos leva a crer que a tradição de utilizar a construção do templo hebraico como alegoria iniciática já era bem mais antiga. Segundo Lionel Vibert, essa tradição é oriunda da constituição que o rei saxão Athelstan, no século X, outorgara aos pedreiros livres da Inglaterra.[1]
Diz o Manuscrito Cooke que a arte da Maçonaria foi aprendida pelos israelitas quando eles habitaram o Egito. Depois, quando se estabeleceram na Palestina ela foi desenvolvida, transformando-se numa arte iniciática, nos mesmos moldes adotados pelos egípcios. Com o tempo ela adaptou-se á mística da religião de Israel. Segundo esse antigo documento maçônico, foi o rei Davi quem iniciou a construção do templo. Salomão lhe deu continuidade e o terminou. Diz ainda esse documento que Hiram era filho do rei de Tiro.
Horne observa que o costume de identificar as origens da Maçonaria com os canteiros de obras da construção do Templo de Salomão não era privativo dos ingleses. As guildas dos pedreiros franceses e alemães também fizeram largo uso dessa tradição.[2]
Evidentemente, as informações contidas no Manuscrito Cooke não foram inspiradas nos textos bíblicos. Nem nos trabalhos de Flávio Josefo se encontra qualquer alusão ao fato de ter sido o rei Davi e não Salomão o inaugurador das tradições maçônicas. É possível que esse equívoco tenha se originado no fato da Bíblia atribuir a Davi a intenção de construir um templo para Jeová, embora jamais o tenha levado á cabo. Ao que parece os maçons operativos não se importavam muito com a exatidão histórica, pois a primazia de Davi sobre as obras de construção do templo aparecem também em outras Velhas Regras, o que nos leva a crer que tal informação era tida como verídica por eles.[3]
Praticamente, todas as tradições maçônicas referentes ao Templo de Salomão já constavam das Velhas Regras (Old Charges). Em sua maioria, esses antigos manuscritos procuram justificar a origem salomônica da Arte Real. Face á essa leniência dos maçons operativos em relação á exatidão histórica, esses documentos só podem ser lidos com a devida reserva, pois veiculam muitas informações contraditórias, e na maioria dos casos, fantasiosas e de difícil comprovação. Alguns deles, como o Manuscrito Dunfries nº 3, de cerca de 1650, diz que o Templo de Salomão foi construído a partir das instruções que Deus dera á Moisés para a construção do Tabernáculo. Já o Dunfries nº 4 informa inclusive o local exato da construção, que seria a rocha do Domo, no monte Moriá, onde hoje se ergue a Mesquita de Omar (a da cúpula dourada).
O significado da lenda
O Templo de Salomão, entretanto, é uma alegoria que se presta ao desenvolvimento de várias idéias. Como uma maquete do cosmo, construí-lo significa construir o próprio universo, missão que cabe ao maçom. Por outro lado, edificar uma obra dessa magnitude, com todo o significado que ela encerra, assemelha-se á construção do próprio individuo, pois o homem, como bem ensinou Jesus, é o templo vivo de Deus. Assim, da mesma forma que os maçons operativos construíam igrejas em louvor a Deus, os maçons especulativos constroem os templos sagrados do caráter humano, também em homenagem ao Grande Arquiteto do Universo, sob cujos auspícios se reúnem em Lojas para “cavar masmorras ao vício e erguer templos á virtude”.
O simbolismo dessa alegoria é bastante sugestivo para quem têm olhos para ver e ouvidos para ouvir. Nos graus superiores do Rito Escocês, a alegoria do Templo do Rei Salomão será explorada com mais profundidade para demonstrar que a verdadeira sabedoria é a prática das virtudes descritas na Torá, interpretadas sob a ótica cabalista - cristã.[4] Essa sabedoria, segundo a tradição maçônica, foi ensinada anteriormente ao próprio Rei Salomão para que ele, através da arte da arquitetura e do comportamento digno de um rei, as transmitisse á humanidade de uma forma insofismável.
Salomão falhou nesse intento e, em decorrência, o Reino de Israel, organizado por Deus para ser o protótipo do estado perfeito sobre a terra, desmoronou.
Essa é uma lição que tem que estar presente na mente de todo maçom: não basta ter sabedoria para construir obras de grande engenho; é preciso que essa obra tenha um espírito, pois é nele que repousa a justificativa da construção e a grandeza do seu construtor.
A razão da lenda
Pelo relato bíblico percebe-se a razão da escolha do Templo de Salomão para servir de alegoria para o desenvolvimento do ensinamento maçônico. Aquela obra é uma construção que une o sagrado ao profano, que reabilita o homem frente a Deus; ao mesmo tempo, ressalta o valor do trabalho, da organização, da hierarquia. E na organização dos trabalhadores, na estruturação das profissões, nas próprias tarefas dos obreiros envolvidos na construção, pedreiros, talhadores, fundidores, carpinteiros, espelha-se também o conteúdo iniciático da Arte Real.
Com efeito, nenhuma outra alegoria conviria melhor a uma sociedade iniciática, cujo objetivo era o desenvolvimento de uma filosofia moral e ética destinada á construção do Homem Universal, alicerce de uma sociedade livre, justa, perfeita e feliz, reflexo da realidade divina na terra. Era uma comunidade assim que se pretendia ter existido outrora. Para alguns maçons de orientação mística a Maçonaria deveria ser a reedição da civilização que os antigos egípcios teriam herdado dos atlantes e reverenciavam através do culto a Maat, a deusa que representava a harmonia universal. Essa civilização foi extinta com a derrota da revolução monoteísta do faraó Akhenaton, mas teria sido recomposta com a fundação da nação israelita, a qual foi organizada por Moisés nos moldes da antiga sociedade dos adoradores do sol, a Fraternidade de Aton, Ordem iniciática da qual ele mesmo Moisés, e seu irmão Aarão, eram sacerdotes.[5]
Destarte, qual era o objetivo de Moisés ao organizar o povo de Israel em nação? Na verdade, o que era o Pentateuco senão um extenso código de leis, filosofia e preceitos elaborados para a organização de uma comunidade de “eleitos”, ou seja, um povo escolhido por Deus para refletir, na terra, a imagem do reino da justiça e da retidão, regido pelo próprio Deus?
Afinal de contas, todas as esperanças de humanidade sempre convergiram para esse sonho: um regresso ao velho estado de ordem, justiça, perfeição e harmonia, que se pensa, um dia existiu no universo, e que permanece na memória celular da humanidade como um arquétipo a ser recuperado. Esse estado se perdeu na história das civilizações em conseqüência do orgulho do homem, pois ele, ao adquirir o conhecimento do bem e do mal, pensou poder mais que os deuses. A memória desse estado, entretanto, refugiou-se no inconsciente humano, reprimida pelos apelos á racionalidade e ás necessidades da vida profana. Para recuperá-lo, era preciso reconstruir a sociedade, tantas vezes quantas forem necessárias, até que ela atingisse uma forma perfeita. Exatamente como se fez, várias vezes, com o Templo de Salomão, repetidamente destruído e reconstruído.
A sociedade humana seria igual ao Templo de Salomão. Para fazer dela um edifício perfeito, era necessário que cada elemento que o compõe também fosse perfeito. Assim, era preciso construir um homem novo, regenerado, purgado de seus defeitos, morto para os vícios da vida profana, na melhor tradição iniciática, e regenerado para uma nova vida pessoal e social, baseada numa nova ética e uma nova moral; estas fundamentadas num humanismo espiritualista que atendesse tanto a razão prática, quanto á sensibilidade mística do homem religioso. Esse novo homem seria um Hiram, pedreiro moral, construtor do novo Templo de Salomão, arquétipo da sociedade ideal, pensada pelo Grande Arquiteto do Universo. Para isso, entretanto, como a própria tradição iniciática sustentava, e a doutrina cristã confirmava, era preciso que o mestre morresse, para que seus seguidores nele renascessem como iniciados. Dessa simbologia, que incorpora todas as antigas tradições, desde o mito de Osíris, até o sacrifício de Jesus Cristo, nasceu o Drama de Hiram, que é o simbolismo mais significativo de todo o ensinamento maçônico.
O Templo de Salomão e a tradição maçônica
O Templo de Salomão, simbolicamente, era uma reprodução da estrutura cósmica pensada pelo Grande Arquiteto do Universo. E para construir essa magnífica reprodução da estrutura cósmica na terra, Hiram, o arquiteto que Salomão chamou para construí-la, dividiu os trabalhadores em três níveis: trabalhadores braçais, profissionais e supervisores. Essa organização permitia que cada tarefa fosse efetuada pelo profissional adequado. Como eram muitos, mais de cento e cinqüenta mil ao todo, afora os trinta mil que trabalhavam no Líbano cortando e aparelhando madeiras, cada uma das categorias de trabalhadores utilizava uma senha: B (de Booz) para os ajudantes, J (de Jackin) para os profissionais, e I (de Iavhé, Jeová) para os supervisores, pois esta era a Palavra Sagrada, grafada com as letras do Nome Inefável, que não podia ser pronunciado senão por aqueles que já tivessem atingido um certo grau de conhecimento iniciático. Essa organização reproduzia, portanto, a disposição arquitetônica disposta pelo Grande Arquiteto do Universo para construir o próprio mundo, pois segundo a crença dos mestres da religião de Israel, Deus pensa o universo e os anjos e os homens o constroem.[6]
A divisão da Maçonaria Simbólica em três graus parece ser uma inspiração de Anderson e seu grupo. Com efeito, foi ele que, com sua imaginosa descrição da construção do Templo de Jerusalém, disse que Salomão dividira os trabalhadores em três graus: os carregadores, cavouqueiros, aguadeiros e outros trabalhadores sem qualificação se tornaram os aprendizes, os cortadores de pedra, os assentadores, os entalhadores, carpinteiros e outros profissionais qualificados passaram a ser os companheiros e os supervisores da obra se travestiram em mestres. A essa divisão, segundo Anderson, Salomão acrescentou uma organização administrativa, criando um canteiro de obras dividido em Lojas, que eram administradas por um Mestre e dois Supervisores (os Vigilantes). Os Mestres chefiavam os companheiros e estes faziam o mesmo com os aprendizes. Desse modo era garantido o repasse dos conhecimentos de construção civil, de uma maneira ordenada e gradual. Nesse magistério é que consistia a famosa Escola de Arquitetura que Salomão teria fundado e á qual Anderson se refere em suas Constituições.
Por conta dessa tradição, alguns autores, como o Dr.Oliver, por exemplo, tiraram diversas ilações. Diz ele que Salomão ficara tão entusiasmado com o sucesso de sua organização, que pretendeu espalhá-la pelo mundo todo, através dos sábios que visitavam Jerusalém. Assim, a idéia dos “maçons aceitos” não seria um costume desenvolvido pelos maçons da Renascença, mas sim um aplique que já vinha sendo feito desde os tempos do sábio rei israelita.
Essa versão é sem dúvida fruto da fértil imaginação do Dr. Oliver. Não se pode tomá-la no seu sentido histórico, mas apenas como mais um simbolismo. Ela expressa a idéia original sobre a qual se assenta a Maçonaria especulativa: a criação de uma “nação espiritual”, fundamentada sobre a prática da virtude, da pesquisa, da preservação, transmissão e utilização do verdadeiro conhecimento. Em outros termos, uma utopia moral e espiritual.
No simbolismo do Templo de Salomão está o cerne do catecismo maçônico, como o quiseram figurar seus elaboradores, egressos que eram de uma era de obscurantismo, tirania e violência contra o espírito humano.[7]
Esse simbolismo foi desenvolvido principalmente no catecismo preparado por Samuel Pritchard, denominado Massonry Dissected, de 1730. Ali se diz que o Templo de Salomão foi construído em sete anos e meio, mas seu remate foi perturbado pelo infausto acontecimento que foi a morte violenta do Mestre Hiram Abiff, o qual foi enterrado no interior da Loja, perto do templo. Essa lenda consta também dos Primeiros Catecismos Maçônicos, já de uma maneira mais detalhada.
A origem da lenda
As mais antigas referências ao Templo de Salomão, que aparecem em documentos maçônicos, são aquelas referidas no Manuscrito Cooke, datado de 1410. Essa Old Charge, embora datada do começo do século XV, é uma compilação de tradições orais mais antigas, cultivadas pelos maçons operativos ingleses, o que nos leva a crer que a tradição de utilizar a construção do templo hebraico como alegoria iniciática já era bem mais antiga. Segundo Lionel Vibert, essa tradição é oriunda da constituição que o rei saxão Athelstan, no século X, outorgara aos pedreiros livres da Inglaterra.[1]
Diz o Manuscrito Cooke que a arte da Maçonaria foi aprendida pelos israelitas quando eles habitaram o Egito. Depois, quando se estabeleceram na Palestina ela foi desenvolvida, transformando-se numa arte iniciática, nos mesmos moldes adotados pelos egípcios. Com o tempo ela adaptou-se á mística da religião de Israel. Segundo esse antigo documento maçônico, foi o rei Davi quem iniciou a construção do templo. Salomão lhe deu continuidade e o terminou. Diz ainda esse documento que Hiram era filho do rei de Tiro.
Horne observa que o costume de identificar as origens da Maçonaria com os canteiros de obras da construção do Templo de Salomão não era privativo dos ingleses. As guildas dos pedreiros franceses e alemães também fizeram largo uso dessa tradição.[2]
Evidentemente, as informações contidas no Manuscrito Cooke não foram inspiradas nos textos bíblicos. Nem nos trabalhos de Flávio Josefo se encontra qualquer alusão ao fato de ter sido o rei Davi e não Salomão o inaugurador das tradições maçônicas. É possível que esse equívoco tenha se originado no fato da Bíblia atribuir a Davi a intenção de construir um templo para Jeová, embora jamais o tenha levado á cabo. Ao que parece os maçons operativos não se importavam muito com a exatidão histórica, pois a primazia de Davi sobre as obras de construção do templo aparecem também em outras Velhas Regras, o que nos leva a crer que tal informação era tida como verídica por eles.[3]
Praticamente, todas as tradições maçônicas referentes ao Templo de Salomão já constavam das Velhas Regras (Old Charges). Em sua maioria, esses antigos manuscritos procuram justificar a origem salomônica da Arte Real. Face á essa leniência dos maçons operativos em relação á exatidão histórica, esses documentos só podem ser lidos com a devida reserva, pois veiculam muitas informações contraditórias, e na maioria dos casos, fantasiosas e de difícil comprovação. Alguns deles, como o Manuscrito Dunfries nº 3, de cerca de 1650, diz que o Templo de Salomão foi construído a partir das instruções que Deus dera á Moisés para a construção do Tabernáculo. Já o Dunfries nº 4 informa inclusive o local exato da construção, que seria a rocha do Domo, no monte Moriá, onde hoje se ergue a Mesquita de Omar (a da cúpula dourada).
O significado da lenda
O Templo de Salomão, entretanto, é uma alegoria que se presta ao desenvolvimento de várias idéias. Como uma maquete do cosmo, construí-lo significa construir o próprio universo, missão que cabe ao maçom. Por outro lado, edificar uma obra dessa magnitude, com todo o significado que ela encerra, assemelha-se á construção do próprio individuo, pois o homem, como bem ensinou Jesus, é o templo vivo de Deus. Assim, da mesma forma que os maçons operativos construíam igrejas em louvor a Deus, os maçons especulativos constroem os templos sagrados do caráter humano, também em homenagem ao Grande Arquiteto do Universo, sob cujos auspícios se reúnem em Lojas para “cavar masmorras ao vício e erguer templos á virtude”.
O simbolismo dessa alegoria é bastante sugestivo para quem têm olhos para ver e ouvidos para ouvir. Nos graus superiores do Rito Escocês, a alegoria do Templo do Rei Salomão será explorada com mais profundidade para demonstrar que a verdadeira sabedoria é a prática das virtudes descritas na Torá, interpretadas sob a ótica cabalista - cristã.[4] Essa sabedoria, segundo a tradição maçônica, foi ensinada anteriormente ao próprio Rei Salomão para que ele, através da arte da arquitetura e do comportamento digno de um rei, as transmitisse á humanidade de uma forma insofismável.
Salomão falhou nesse intento e, em decorrência, o Reino de Israel, organizado por Deus para ser o protótipo do estado perfeito sobre a terra, desmoronou.
Essa é uma lição que tem que estar presente na mente de todo maçom: não basta ter sabedoria para construir obras de grande engenho; é preciso que essa obra tenha um espírito, pois é nele que repousa a justificativa da construção e a grandeza do seu construtor.
A razão da lenda
Pelo relato bíblico percebe-se a razão da escolha do Templo de Salomão para servir de alegoria para o desenvolvimento do ensinamento maçônico. Aquela obra é uma construção que une o sagrado ao profano, que reabilita o homem frente a Deus; ao mesmo tempo, ressalta o valor do trabalho, da organização, da hierarquia. E na organização dos trabalhadores, na estruturação das profissões, nas próprias tarefas dos obreiros envolvidos na construção, pedreiros, talhadores, fundidores, carpinteiros, espelha-se também o conteúdo iniciático da Arte Real.
Com efeito, nenhuma outra alegoria conviria melhor a uma sociedade iniciática, cujo objetivo era o desenvolvimento de uma filosofia moral e ética destinada á construção do Homem Universal, alicerce de uma sociedade livre, justa, perfeita e feliz, reflexo da realidade divina na terra. Era uma comunidade assim que se pretendia ter existido outrora. Para alguns maçons de orientação mística a Maçonaria deveria ser a reedição da civilização que os antigos egípcios teriam herdado dos atlantes e reverenciavam através do culto a Maat, a deusa que representava a harmonia universal. Essa civilização foi extinta com a derrota da revolução monoteísta do faraó Akhenaton, mas teria sido recomposta com a fundação da nação israelita, a qual foi organizada por Moisés nos moldes da antiga sociedade dos adoradores do sol, a Fraternidade de Aton, Ordem iniciática da qual ele mesmo Moisés, e seu irmão Aarão, eram sacerdotes.[5]
Destarte, qual era o objetivo de Moisés ao organizar o povo de Israel em nação? Na verdade, o que era o Pentateuco senão um extenso código de leis, filosofia e preceitos elaborados para a organização de uma comunidade de “eleitos”, ou seja, um povo escolhido por Deus para refletir, na terra, a imagem do reino da justiça e da retidão, regido pelo próprio Deus?
Afinal de contas, todas as esperanças de humanidade sempre convergiram para esse sonho: um regresso ao velho estado de ordem, justiça, perfeição e harmonia, que se pensa, um dia existiu no universo, e que permanece na memória celular da humanidade como um arquétipo a ser recuperado. Esse estado se perdeu na história das civilizações em conseqüência do orgulho do homem, pois ele, ao adquirir o conhecimento do bem e do mal, pensou poder mais que os deuses. A memória desse estado, entretanto, refugiou-se no inconsciente humano, reprimida pelos apelos á racionalidade e ás necessidades da vida profana. Para recuperá-lo, era preciso reconstruir a sociedade, tantas vezes quantas forem necessárias, até que ela atingisse uma forma perfeita. Exatamente como se fez, várias vezes, com o Templo de Salomão, repetidamente destruído e reconstruído.
A sociedade humana seria igual ao Templo de Salomão. Para fazer dela um edifício perfeito, era necessário que cada elemento que o compõe também fosse perfeito. Assim, era preciso construir um homem novo, regenerado, purgado de seus defeitos, morto para os vícios da vida profana, na melhor tradição iniciática, e regenerado para uma nova vida pessoal e social, baseada numa nova ética e uma nova moral; estas fundamentadas num humanismo espiritualista que atendesse tanto a razão prática, quanto á sensibilidade mística do homem religioso. Esse novo homem seria um Hiram, pedreiro moral, construtor do novo Templo de Salomão, arquétipo da sociedade ideal, pensada pelo Grande Arquiteto do Universo. Para isso, entretanto, como a própria tradição iniciática sustentava, e a doutrina cristã confirmava, era preciso que o mestre morresse, para que seus seguidores nele renascessem como iniciados. Dessa simbologia, que incorpora todas as antigas tradições, desde o mito de Osíris, até o sacrifício de Jesus Cristo, nasceu o Drama de Hiram, que é o simbolismo mais significativo de todo o ensinamento maçônico.
O Templo de Salomão e a tradição maçônica
O Templo de Salomão, simbolicamente, era uma reprodução da estrutura cósmica pensada pelo Grande Arquiteto do Universo. E para construir essa magnífica reprodução da estrutura cósmica na terra, Hiram, o arquiteto que Salomão chamou para construí-la, dividiu os trabalhadores em três níveis: trabalhadores braçais, profissionais e supervisores. Essa organização permitia que cada tarefa fosse efetuada pelo profissional adequado. Como eram muitos, mais de cento e cinqüenta mil ao todo, afora os trinta mil que trabalhavam no Líbano cortando e aparelhando madeiras, cada uma das categorias de trabalhadores utilizava uma senha: B (de Booz) para os ajudantes, J (de Jackin) para os profissionais, e I (de Iavhé, Jeová) para os supervisores, pois esta era a Palavra Sagrada, grafada com as letras do Nome Inefável, que não podia ser pronunciado senão por aqueles que já tivessem atingido um certo grau de conhecimento iniciático. Essa organização reproduzia, portanto, a disposição arquitetônica disposta pelo Grande Arquiteto do Universo para construir o próprio mundo, pois segundo a crença dos mestres da religião de Israel, Deus pensa o universo e os anjos e os homens o constroem.[6]
A divisão da Maçonaria Simbólica em três graus parece ser uma inspiração de Anderson e seu grupo. Com efeito, foi ele que, com sua imaginosa descrição da construção do Templo de Jerusalém, disse que Salomão dividira os trabalhadores em três graus: os carregadores, cavouqueiros, aguadeiros e outros trabalhadores sem qualificação se tornaram os aprendizes, os cortadores de pedra, os assentadores, os entalhadores, carpinteiros e outros profissionais qualificados passaram a ser os companheiros e os supervisores da obra se travestiram em mestres. A essa divisão, segundo Anderson, Salomão acrescentou uma organização administrativa, criando um canteiro de obras dividido em Lojas, que eram administradas por um Mestre e dois Supervisores (os Vigilantes). Os Mestres chefiavam os companheiros e estes faziam o mesmo com os aprendizes. Desse modo era garantido o repasse dos conhecimentos de construção civil, de uma maneira ordenada e gradual. Nesse magistério é que consistia a famosa Escola de Arquitetura que Salomão teria fundado e á qual Anderson se refere em suas Constituições.
Por conta dessa tradição, alguns autores, como o Dr.Oliver, por exemplo, tiraram diversas ilações. Diz ele que Salomão ficara tão entusiasmado com o sucesso de sua organização, que pretendeu espalhá-la pelo mundo todo, através dos sábios que visitavam Jerusalém. Assim, a idéia dos “maçons aceitos” não seria um costume desenvolvido pelos maçons da Renascença, mas sim um aplique que já vinha sendo feito desde os tempos do sábio rei israelita.
Essa versão é sem dúvida fruto da fértil imaginação do Dr. Oliver. Não se pode tomá-la no seu sentido histórico, mas apenas como mais um simbolismo. Ela expressa a idéia original sobre a qual se assenta a Maçonaria especulativa: a criação de uma “nação espiritual”, fundamentada sobre a prática da virtude, da pesquisa, da preservação, transmissão e utilização do verdadeiro conhecimento. Em outros termos, uma utopia moral e espiritual.
No simbolismo do Templo de Salomão está o cerne do catecismo maçônico, como o quiseram figurar seus elaboradores, egressos que eram de uma era de obscurantismo, tirania e violência contra o espírito humano.[7]
Esse simbolismo foi desenvolvido principalmente no catecismo preparado por Samuel Pritchard, denominado Massonry Dissected, de 1730. Ali se diz que o Templo de Salomão foi construído em sete anos e meio, mas seu remate foi perturbado pelo infausto acontecimento que foi a morte violenta do Mestre Hiram Abiff, o qual foi enterrado no interior da Loja, perto do templo. Essa lenda consta também dos Primeiros Catecismos Maçônicos, já de uma maneira mais detalhada.
[1] Jean Palou- A Maçonaria Simbólica e Iniciática, citado.
[2] Alex Horne, op. citado pg. 68.
[3] O Manuscrito Downland, datado, provavelmente de 1500, também se refere a Davi como iniciador do Templo e a Salomão como continuador e fundador da Maçonaria como instituição. Na imagem, o Templo de Jerusalém, como era quando foi reconstruído por Herodes, o Grande. Fonte: Wikipédia Fundation.
[4]O que mostra a profunda influência que a Maçonaria sofreu da Cabala. Isso não é difícil de entender dado o fato de muitos judeus, e principalmente muitos cabalistas cristãos terem ingressado na Maçonaria como “maçons aceitos” a partir de meados do século XVI e principalmente após o desencadeamento da Reforma Protestante.
[5] Essa tese foi defendida por não menos que Sigmund Freud, que aventou a hipótese de a origem da religião do povo de Israel estar situada na revolução monoteísta de Akhenaton, sendo que Moisés, no caso, seria o próprio faraó herege, ou um de seus altos sacerdotes. Ver, a esse respeito, Ahmed Osman, Moisés e Akhenaton, Madras, São Paulo, 2007
[6] Essa interpretação é oriunda principalmente das crenças cabalistas e gnósticas, e tem em Platão e Pitágoras, principalmente, alguns dos seus maiores inspiradores. Aliás, o termo tecton (arquiteto) para se referir a Deus, é originário da filosofia de Platão. Na imagem, o Muro das Lamentações, a única parte que restou do Templo de Jerusalém. Fonte: Depósit photos.
[7] Quer dizer: no interior da Loja e não do Templo, pois Loja e Templo são coisas diferentes e não necessariamente se localizam no mesmo espaço. Loja é a reunião, a assembléia dos maçons e Templo é o edifício onde eles se reúnem. Mas uma Loja (uma assembléia) pode se realizada em qualquer lugar e não obrigatoriamente em um Templo.