Fragmento de memória
Desfiz dos trastes que guardava. Não me lembro do momento. Mas me recordo dos trastes. Álbuns antigos com figurinhas antigas que me mostravam como a vida é tão somente fase. Entre fases, acumulo os trastes. Folha largada pelo outono. Papel com desenho de árvore. Livros com marcadores nas páginas que mais me fizeram refletir. Bilhetes com beijos. Cartas de adeus. Poemas inacabados, sem nexo, sem conteúdo. Guardanapo com anotação de um número de telefone. Saldo bancário. Um frasco de perfume. Uma calculadora estragada. Eram coisinhas miúdas. Mas agora, percebo que elas eram as minhas lembranças. Por que de repente sinto falta? Ah! E o telefone? Aquele aparelho arcaico; por que o joguei fora? Em que momento de desilusão ou de ira ou de praticidade, resolvi me desfazer dos trastes tão plenos de fases?
E o pensamento abstrai. Busco no violão o melhor tom “É. Só eu sei quanto amor eu guardei...”.