A morte segundo Montaigne

Vivemos numa sociedade carente de leitura, e de boas leituras. A maioria das pessoas não tem acesso a conteúdos de excelente qualidade. Os sábios nos ajudam a pensar bem e a viver bem. Livros excelentes são raros. A Filosofia nos ajuda a viver de modo feliz. Existem filósofos cujas leituras deveriam ser obrigatórias. Reproduzi, abaixo, partes de um ensaio de um filósofo francês cujo nome é Michel Eyquem de Montaigne, conhecido como Montaigne (a pronúncia de "Montaigne" é assim: "monténhe"). O nome do ensaio é este: "Que filosofar é aprender a morrer".

Veja um pouco do que diz Montaigne sobre a morte:

"... O fim de nosso caminho é a morte, esse é o objeto necessário de nossa mira. Se ela nos assusta, como é possível dar um passo à frente sem agitação? O remédio do vulgo é não pensar nela. Mas de que brutal estupidez pode ocorrer-lhe cegueira tão grosseira? É colocar a rédea na cauda do burro.

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Assustamos nossa gente só em mencionar a morte, e a maioria faz o sinal da cruz, como ao nome do Diabo.

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Nasci entre onze horas e meio-dia do último dia de fevereiro de 1533, como contamos agora, começando o ano em janeiro.

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Os jovens e os velhos deixam a vida da mesma maneira. Dela ninguém sai a não ser do mesmo jeito que nela tenha entrado.

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Pelo comum andar das coisas, vives há muito tempo por extraordinário favor.

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Há plena razão e piedade em tomar o exemplo da própria humanidade de Jesus Cristo. Ora, ele terminou sua vida aos 33 anos. O maior homem, simplesmente homem, Alexandre, também morreu nessa idade. Quantas formas de surpresa a morte tem?

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Com esses exemplos tão frequentes e tão comuns nos passando diante dos olhos, como é possível que consigamos nos desfazer do pensamento de morte, e que não nos pareça a cada instante que ela nos segura pela gola?

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E para começar a retirar-lhe sua maior vantagem sobre nós, tomemos um caminho em tudo oposto ao comum. Retiremos dela a estranheza, pratiquemo-la, acostumemo-nos a ela, nada tenhamos com tanta frequência na cabeça quanto a morte, a todo instante apresentemo-la a nossa imaginação e em todos os aspectos.

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É incerto onde a morte nos espera, esperemo-la em toda parte. Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade. Quem aprendeu a morrer desaprendeu a servir. Não há nenhum mal na vida para aquele que entendeu bem que a privação da vida não é um mal. O saber morrer nos liberta de toda sujeição e coerção.

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A cada minuto parece-me que escapo de mim. E repito-me sem cessar: 'Tudo o que pode ser feito outro dia pode ser feito hoje'... Para concluir o que tenho a fazer antes de morrer todo o tempo livre me parece curto, mesmo que para trabalho de uma hora.

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É preciso estar sempre com as botas calçadas e pronto para partir, tanto quanto pudermos.

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Também adquiri o costume de ter a morte não apenas na imaginação, mas constantemente na boca.

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Se eu fosse um fazedor de livros, faria um registro comentado das diversas mortes. Quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver.

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Que importa quando será, visto que é inevitável? Àquele que dizia a Sócrates: 'Os trinta tiranos te condenaram à morte', ele respondeu: 'E a natureza a eles'... Por isso, chorar porque daqui a cem anos não viveremos mais é loucura igual a chorar porque não vivíamos há cem anos... Viver longo tempo e viver pouco tempo se tornam a mesma coisa com a morte. Pois longo e curto não cabem às coisas que não são mais.

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O primeiro dia de vosso nascimento vos encaminha para morrer como para viver.

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Se haveis feito proveito da vida, estais saciado, ide-vos satisfeito.

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A vida em si não é nem bem nem mal, é o lugar do bem e do mal, conforme nela os fazeis. E se vivestes um dia, vistes tudo: um dia é igual a todos os dias. Não há outra luz nem outra noite. Esse Sol, essa Lua, essas estrelas, essa disposição é a mesma que vossos antepassados usufruíram e que entreterá vossos bisnetos.

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Quem pode se queixar de estar incluído onde todos estão incluídos? Assim, por mais que viverdes, nada subtraireis do tempo que tendes para estar morto: é inútil; estareis por tanto tempo nesse estado que temeis quanto se tivésseis morrido bebê.

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A morte é menos temível que nada, se houver alguma coisa menos que nada.

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Ademais, ninguém morre antes de sua hora. Aquilo que deixais de tempo não era mais vosso que aquele que se passou antes de vosso nascimento; e tampouco vos cabe.

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A utilidade do viver não está na extensão, está em seu uso. Fulano viveu muito tempo, que pouco durou. Espereis por isso enquanto aqui estais. Está em vossa vontade, não no número de anos, terdes vivido o bastante. Pensáveis nunca chegar ao lugar a que vos dirigis incessantemente? Não há caminho que não tenha seu fim.

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Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem nesse mesmo instante em que morreis.

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Por que temes teu último dia? Ele não conduz à tua morte mais que cada um dos outros. O último passo não faz a lassidão, ele a anuncia. Todos os dias levam à morte, o último atinge-a..."

Nota feita por mim, Domingos Ivan Barbosa: Tendo a consciência encarnada da fragilidade da vida humana, aprendemos a viver bem, a abraçar o que é realmente importante nesta vida. É desperdício de tempo odiar, furtar, roubar, matar, perseguir, fofocar, ser violento, guardar ressentimento, rancor, alimentar inveja, ser corrupto, ser desonesto, racista, buscar acumular riqueza, não amar. É perda de tempo bajular político, mentir, trair, enganar, ser esperto. É perda de tempo não viver o presente.

Perde tempo quem tem medo ou vergonha da opinião alheia. Desperdiça tempo quem não vive conforme o próprio coração e a própria consciência. Perde tempo quem não perdoa nem pede perdão, quem não se arrepende, quem deseja o mal a outrem. O orgulhoso desperdiça a sua vida.

Perde tempo quem briga por político. Desperdiça a vida quem não lê um bom livro, quem não faz uma boa leitura, quem acredita saber tudo o que é necessário e importante para a sua vida. Desperdiça a sua vida quem não se analisa; quem não muda de ideia, opinião, atitude ou comportamento.

É aprendendo a morrer que aprendemos a viver. O importante nesta vida é ser feliz. Sem felicidade, a vida não vale a pena.

Domingos Ivan Barbosa
Enviado por Domingos Ivan Barbosa em 29/01/2019
Código do texto: T6562458
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