Meu Natal ideal

Mas como seria o meu Natal ideal? Receio que ele precisaria ser mais “sentimental”. De fato, ele seria pleno de emoções, com confissões, agradecimentos, pedidos de desculpas e promessas de vida nova. Ele deveria ser aquilo que as igrejas evangélicas chamam de “revisão de vida”. O Natal que não é transformação pessoal não é um Natal de verdade.

O Natal seria a ocasião para nos aproximarmos mais, sem que isso signifique, meramente, “estar juntos”. Seria um momento em que destruiríamos as barreiras invisíveis que nos impedem de nos amar verdadeiramente no restante do ano. Não precisaria e talvez nem devesse ter presentes, posto que se trataria de uma comemoração espiritual.

Seríamos mais irmãos depois de um Natal e nossa comunhão seria mais perfeita. Rancores e mágoas seriam deixados para trás. Admitiríamos equívocos da nossa parte, pediríamos perdão e perdoaríamos. Haveria, se preciso fosse, muita choradeira. O que não se admitiria é que a data passasse sem nenhuma mudança interior. Seria preciso sair do Natal melhor consigo mesmo e com o mundo.

A ceia, a comida em si, não teria nenhuma importância. Seria possível comer uma pizza, seria possível comer arroz com feijão, seria possível comer bolacha. A roupa, então, nem se fala. Ninguém precisaria se enfeitar para nada. O Natal seria ocasião para se desnudar para si mesmo e para os seus.

Já se vê, entretanto, que um Natal desse é quase impossível. Ele não acontece sequer entre as famílias tidas como as mais cristãs. Há gente que se vê obrigada a passar toda a véspera de Natal preparando a ceia da família. Os parentes irão se encontrar, conversarão animados sobre coisas frívolas, irão comer e beber muito, e chegarão ao dia 25 sem que tenham mudado absolutamente nada em sua visão de mundo.

De uns tempos para cá, a noite de Natal não é sequer silenciosa, da forma que sugere a célebre canção “Stille nacht”. Queremos soltar foguetes na noite de Natal. Queremos esfregar na cara de toda a vizinhança que somos cristãos, sim, e que amamos o próximo. Não gostamos do silêncio, como não gostamos da reflexão que essa noite seria capaz de nos oferecer. Podem se passar dezenas de natais sem qualquer reflexão sobre a nossa vida. Podemos passar dezenas de natais alienados do próprio sentido daquilo que pretendíamos comemorar.

O meu Natal ideal teria, também, um momento de solidão, momento de introspecção, quando passaríamos em revista tudo o que aquela noite nos trouxe. Pleno de ternura, de sinceridade e de amor, o Natal nos traria força e serenidade para continuar, já certos de que não estamos tão sozinhos como pensávamos. E então o mundo, em certo sentido, mudaria.

Porque o Natal que não muda nada foi um Natal que passou em branco.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 25/12/2018
Reeditado em 25/12/2018
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