FUI UM SACERDOTE MALDITO?

Desde criança sinto dores articulares terríveis. Depois de um certo tempo percebi que o meu braço direito doía mais que as outras partes do meu corpo. Sempre tive um medo irracional de lugares altos e de serpentes. Mas, o tempo passou e eu cresci, lógico. O medo cresceu também.

Às vezes, desistia de passeios em sítios ou fazendas, por medo de encontrar serpentes. Quando não, recusava convites para passeios em parques de diversão, pois nem aguentava ver as outras pessoas passeando em roda-gigante e similares.

Já casada e com três filhas, certo dia entrei no banheiro, como de costume, para me arrumar para ir para o trabalho, quando olhei o vidro do box, fiquei paralisada pelo que estava na minha frente. Era um outro espaço/tempo... parecia um lugar altíssimo, como o pico de uma cordilheira. Vi-me no topo de um zigurate.

Eu era eu, ao tempo em que era um homem de aparência aterradora. Parecia um Sumo Sacerdote/Xamã/Feiticeiro, sei lá. Vestia uma longa túnica azul, de um material semelhante as escamas de uma serpente. Olhava para baixo, onde uma multidão se aglomerava, e ouvi um murmúrio de insatisfação vindo daquele povo.

O homem/eu pareceu não gostar e estendeu o braço direito, com a palma da mão voltada para baixo... vi uma serpente apavorante sair da manga da sua túnica, se enroscando em seu braço e pousar a cabeça nas costas da sua mão.

O réptil ergueu a ondulante cabeça e escancarou a boca, mostrando duas presas afiadas, das quais gotejava veneno. O murmurio aumentou e ele gritou autoritário.

"_____Calem-se malditos ou sentirão a minha fúria."

Naquele instante, percebi que do meio da multidão, saíram dois homens fortes, com a aparência de lutadores, e começaram a subir as escadarias do zigurate, em minha direção (do homem da túnica azul). E o homem(eu) gritou ameaçador.

_____Parem, desçam e contenham esses malditos ou chamarei elas e estarão todos mortos em pouco tempo. Voltem. Voltem.

O eu/homem começou a falar num idioma estranho que parecia quebrar sua língua em vários pedaços e cujo som parecia o silvar das serpentes. Creio que estava invocando elas, com a finalidade de amedrontar os homens que subiam ao seu encontro.

Ele devia estar confiando nos outros quatro que estavam com ele. Mas, para o seu espanto, esses quatro guardas que estavam com ele, no topo do zigurate, o agarraram por trás e selaram sua boca com um tecido negro, impedindo-o de falar. Um deles agarrou a serpente pelo pescoço e a matou. Depois torceu seu braço direito para as costas, quebrando seu punho, fazendo-o urrar de dor.

Uma arma brilhou sob o sol e desceu certeira sobre suas costas, rasgando violentamente seus músculos, na altura do coração. A ponta da arma apareceu em seu peito... então eles o jogaram escadaria abaixo.

Ele foi batendo, batendo, batendo...

Meu marido estava agarrando em meus ombros e me sacudia, perguntando o que foi. Aquele efeito "desenrolar língua de sogra" aconteceu. Percebi que estava de volta. Meu braço direito doía mais que nunca e o meu coração, parecia que havia sido arrancado de mim.

Meu esposo percebeu que eu estava ficando cianótica e me enrolou num lençol, pediu a minha filha que chamasse um táxi e me levou para a Emergência da Santa Casa. Chegando lá, fiquei em observação e descobriram que eu havia tido um problema relacionado com isquemia cardíaca.

Quando me liberaram, ainda meio grogue pela medicação, perguntei ao meu marido o que os médicos haviam falado sobre o meu braço. Só então ele percebeu que o meu punho estava muito inchado como se houvesse levado uma pancada.

Retornou ao atendimento, mas lhe informaram que só no dia seguinte, pois no momento, o centro de atendimento àquele tipo de problema estava fechado.

No dia seguinte, lá estava eu, mas não fui atendida por que o médico havia sido chamado para uma cirurgia de emergência... pra encurtar a história, meu punho foi aos poucos voltando ao "normal" e não consegui ser atendida por nenhum médico.

Até hoje sinto dores, mas agora existem exames e laudos... bursite, tendinite, epicondilite e tudo quando é ites do mundo moram nesse meu lado direito. Atualmente virou LER.

A dor no coração é causada pelo prolapso da válvula mitral e da isquemia do miocárdio, por esforço submáximo... tudo isso atrelado ao estresse, à idade, etc e etc.

Só uma coisa ninguém me explica ____E antes, quando eu era criança? Por que tudo era igual? Será que Minha Avó tinha razão ao me chamar Alma Velha? Sinhá Águeda dizia que eu era uma Alma Velha, Muito Antiga, presa no corpo de uma criança... desde que marquei morada no ventre de Minha Mãe, Sua Filha. Ela, a Minha Iáiá dizia que eu nasci na marra, pois, desde o ventre de Minha Mãe, fui jurada de Morte e rejeitada como uma cão sarnento ou um leproso.

Nasci empelicada e estrangulada com o cordão umbilical. Cobrindo todo o meu corpo, uma espessa camada de uma substância branca, igual goma de mandioca, cobria tudo: olhos, boca, nariz, ouvidos. Minha Vó dizia que nasci lacrada dos pés a cabeça.

Um Amigo, ao ouvir essa história, disse que eu vim para o mundo na marra. Amarrada dos pés a cabeça. Manietada e de boca lacrada pra não morder a parteira.

O que ele não sabe é que essa parteira era a minha Iáiá, e que é a ela, abaixo de Deus, que devo a graça de haver nascido e ficar viva... talvez continuar viva até hoje.

Vim como um Guerreiro que mal chegou do outro lado, retornou, sem ao menos lhe darem tempo de tirar a mortalha... vim assim mesmo.

Pagar o que devo?

Terminar tarefas inacabadas?

Resgatar aqueles de quem fui a causa da perdição?

Não sei.

Sei apenas que estou aqui.

Carregando o fardo das minhas lembranças, fobias e dores, comigo... até quando?

Também não sei.

E, a bem da verdade, nem quero saber.

Poder ir, já está de bom tamanho.

Fui.

Adda nari Sussuarana
Enviado por Adda nari Sussuarana em 06/12/2018
Reeditado em 27/02/2019
Código do texto: T6520588
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