DIÁLOGO DE SURDOS
Os recentes acontecimentos na França democrática e republicana demonstraram a necessidade de diálogo. Da mesma forma se foi possível observar na paralisação dos Caminhoneiros no Brasil em 2018. Ambos acontecimentos tem em comum a falta de diálogo. As demandas vindas da sociedade precisam ser escutadas: mesmo que não sejam lográveis ou atendidas em um contexto de razoabilidade e de racionalidade, devem ser ao menos escutadas. Em primeiro lugar porque as demandas sociais tem, em regra geral, uma origem legítima, entendendo que nelas sempre há algum descontentamento e insatisfação provinda de alguma ação governamental e política que não tenha sido suficientemente clara ou esclarecida.
Mas as demandas sociais devem ser escutadas também pelo fato de que em definitivo os distintos atores sociais são responsáveis por integrar a sociedade civil. Ela (a sociedade civil), é que legitima a existência do Poder, e o Poder existe pela e para solucionar e atender os problemas da sociedade civil, assim reza no contrato social, no pacto de união e no pacto de sujeição. Não é possível que simplesmente sejam ignoradas as demandas sociais. Por outra parte, as demandas, mesmo aquelas que não são sejam lográveis, devem ser apreciadas, isto é: se estabeleça um diálogo entre aqueles que representam como paladinos as demandas, em uma procura de entendimento com os atores políticos, governos ou simplesmente o Poder. O Poder não pode negar-se ao diálogo.
Desde a Democracia grega, caracterizada pela participação de todos os cidadãos (cidadãos no sentido grego) nas decisões políticas e populares, entendeu-se que nas democracias o diálogo é a arma principal para defesa, confronto e apresentação de ideias, opiniões, teses, programas e projetos. Todo ator social democrático inserto em uma Democracia almeja que o diálogo exista e frutifique, de maneira que seu ponto de vista seja escutado e que seu direito à apresentação de seu ponto de vista seja reconhecido, respeitado e protegido. Mas, além de tudo, espera-se que o diálogo seja um debate, ou até mesmo um confronto entre pontos de vista. Isso faz parte da Democracia.
Não viabilizar o diálogo ou a participação no mesmo representa uma das manifestantes mais claras de autoritarismo, tratando-se do governo, e de irracionalidade, tratando-se dos representantes e atores sociais. Em definitivo, no Brasil, as autoridades cederam à parte das demandas dos caminhoneiros e seus líderes. Na França, o governo francês encabeçado por Emmanuel Macron acabou cedendo à quase todas as demandas vindas das ruas por meio de manifestações que chegaram a ser violentas (e de toda forma, violências sempre são antidemocráticas). Tivesse sido mais sábio sentar-se em uma mesa a dialogar.
O diálogo democrático ao qual me refiro tem uma característica principal: ninguém tem a razão, prima face. Nenhum ponto de vista é vencedor, ao menos que no transcorrer do diálogo os pontos de vistas provem o contrário, com base nos argumentos apresentados e sustentados. Essa concepção só não existe em regimes autoritários e antidemocráticos, sejam institucionalizados ou não. Não é possível, em regimes democráticos, cujo pilar principal é o Estado de Direito (e com ele as liberdades individuais e coletivas), que simplesmente não se permita dialogar. Seriam diálogos de surdos se, por uma parte, o governo não escutar, e por outra parte, a voz vinda da sociedade expressa pelos representantes sociais não forem escutadas, pela simples justificativa de que não existem ouvidos destinatários.
(Revisto e editado por Angelo Mariño)