O que é arte - Política Eleitoral
Por que as minorias estão contra o liberalismo?
Cara, espero que você esteja me lendo daqui a vinte anos. Do futuro você vai ver em retrospectiva como os nossos medos eram vãos e que tudo deu certo. Mas aqui no Brasil estamos com uma expectativa terrível neste fim de 2018. Época de eleições. A muito tempo desenvolvi o hábito de evitar discussões políticas. Em discussões fico sempre fico acuado. Me identifico com ideias que associadas à esquerda e me identifico com ideias associadas à direita, sempre sou atacado. Uma vez fui acompanhar uma amiga a um hospital. Eu e a namorada da minha amiga (a chamarei de Laura) ficamos na sala de espera. Começamos a conversar sobre política e ela percebeu que eu defendo a responsabilidade fiscal. Ou seja, defendo que o governo deve gastar um valor igual ou inferior ao que arrecada. Tentei embasar minha posição, mas sempre que eu começava a falar ela me atropelava, botava palavras na minha boca, se exaltava e falava muito alto. Com muita raiva ela me xingou de liberal. De fato simpatizo por esta orientação, mas devido à maneira que ela colocou me senti ofendido. Na leitura da Laura o liberalismo é associado à direita, à políticas de exclusão das minorias, à concentração de renda e à injustiça. É surpreendente uma vez que o nascimento do liberalismo se deu em contraposição ao poder absoluto das monarquias, se deu à base da tolerância, da liberdade religiosa, da igualdade de gênero, da igualdade entre as pessoas. O fundamento do liberalismo é o de que pessoas são iguais e livres. Podem fazer tudo o que não infrinja o direito do outro - inclusive dar um beijo na boca de alguém do mesmo sexo. O controle dos gastos por parte do poder legislativo, por exemplo, servia para frear o poder tirânico do Estado. Como este movimento passou a ser visto como ofensivo para quem defende as minorias? Por que, para a Laura, o liberalismo é tão ofensivo?
2. Conversando sobre política
A vida me ensinou a falar de política apenas com pessoas próximas, pessoas em quem confio o bastante para continuarem sendo minhas amigas a despeito das divergências. Entretanto uma colega querida e simpática (a chamarei de Jéssica) está fazendo campanha para um candidato que tem valores muito contrários aos meus. Trabalhamos em um espaço público e ela é carismática, a campanha que ela faz tem muito efeito. Me senti incomodado e passei a me manifestar também. As medidas econômicas que seu candidato defende são, em larga medida, as que eu acredito. Com uma diferença: ele é completamente indiferente à miséria que elas causarão. Prefiro explicar minha opinião econômica em outro ensaio. Mas acho importante pontuar minha posição. Acredito que as políticas econômicas do seu conselheiro econômico funcionam, mas funcionam a um custo. Se aplicadas farão o Brasil crescer, mas levarão milhões à miséria. O ponto que me mais me horroriza é os valores que orientam o candidato: ele pauta todas as suas visões pela violência e intolerância. De modo que decidi que é neste ponto em que eu deveria me pronunciar.
3. Estado detém o monopólio da violência
Um dia notei que todos os evangélicos que atendemos votariam do candidato. Ela me perguntou, “O que você tem contra evangélicos?”. “Nada”, respondi. “Tenho contra a violência.” Na hora nem me dei conta de que a minha candidata é evangélica (Marina Silva) e de que um dos meus maiores ídolos é um pastor evangélico (Martin Luther King). Esta resposta é interessante porque mostra como ela estava orientando seu pensamento. É a coerência emocional, “O Chico não gosta do candidato, logo não gosta dos evangélicos.” Uma vez falei: “É um absurdo! Este candidato defende a tortura!” Jéssica , depois de um tempo, respondeu: “Bandido tem é levar surra! Quero ver ele roubar de novo depois!” O mundo está violento, o medo de Jéssica tem fundamento. Ela disse que eu deveria ficar tranquilo, que apenas os bandidos devem se preocupar. Mas, respondi, as pessoas encarceradas já são torturadas no Brasil (muitas das quais nem foram julgadas). Apenas ser jogado em uma cela superlotada cheia de gente desesperada já é uma tortura. Além disso faltam evidências de que o aumento da violência contra presos acarretará uma diminuição da criminalidade. Disse que criminoso é quem desobedece à lei e que, para o candidato dela, criminoso seriam quem tivesse valores diferentes dos dele. O Estado é muito poderoso, detém o monopólio da violência. Para refrear este poder é que existem as leis. Criminoso é quem comete crime! Jéssica respondeu: “É claro que um bandido teria medo de apanhar na prisão e pensaria duas vezes antes de assaltar alguém!” Para mim isto é muita ingenuidade. Se crimes fossem evitados através de punição cruel o Brasil já estaria livre do problema da segurança.
4. Conversa que ocorreu durante atendimento
No dia seguinte demoramos a conversar sobre política. Até que atendi um cliente. Vou transcrever a conversa o melhor que posso. Chamarei o cliente de Jorge:
Chico: “Em que você trabalha?”
Jorge: “Agora trabalho apenas com fazenda. Mas trabalhei muito tempo com dois senadores. O Pedro Simon e o José Fogaça.”
Chico: “Séria, você conhece a Valéria (nome fictício)?”
Jorge: “Claro! Gosto muito dela!”
Chico: “Eu tenho uma boa impressão do Pedro Simon. Me parece um senador íntegro.”
Me foge à memória um pedacinho da conversa. Suponho que Jorge feito uma referência às eleições e eu comentei sobre a minha preocupação sobre a violência.
Jéssica: “Bandido tem que apanhar mesmo!”
Chico: “Mas Jéssica, para seu candidato bandido não é quem comete crime. É quem é diferente, é o gay ou o cara que veste a camisa do PT”.
Jorge: “Petista é bandido mesmo!”
A esta hora um cliente ao lado fala bem alto e fica repetindo:
Cliente ao lado: “Petista tem que apanhar mesmo! É criminoso! Tem que apanhar!”
Chico: “Está vendo, Jéssica? Já está acontecendo!”
5. Preocupação com violência leva à polvorosa
Em vários dias anteriores Jéssica se manifestou contrária ao PT e contrária ao Lula. Em vários dias anteriores Jéssica fez campanha para o seu candidato. Nunca houve uma manifestação de violência, nunca houve sequer uma hostilidade contra ela. Apenas recentemente comecei a manifestar minhas opiniões políticas. A minha preocupação com a violência contra quem é diferente levou à maior polvorosa na agência. Entretanto, para Jéssica, seu candidato não é responsável por levar seus seguidores à violência. Segundo ela é a mesma animosidade que ocorre entre torcidas de futebol. Nenhum argumento a demove, qualquer dado contrário ao que ela acredita é fake news. Como este caso se relaciona à arte? Bem, estou definindo arte através de ensaios. Neste ensaio mostrarei como a percepção política se presta mais à coerência emocional do que à racionalidade científica. Neste contexto o marketing das campanhas se dá através de arte. Estratégia que permite uma aparência de verdade, permite coerência emocional e dispensa fundamentação factual e coerência lógica.
6. Sistema 1
Quase sempre somos orientados através do sistema 1 (intuitivo, emocional). As associações afetivas são feitas pelo sistema 1. Através de feedback instantâneo nós aperfeiçoamos nosso olhar sobre o mundo: associamos emoções a momentos, ideias, experiências. Também é através do sistema 1 que aperfeiçoamos nossas habilidades (como andar, dirigir). Como saber se estamos usando o sistema 1? Todas as decisões tomadas instantâneamente são feitas através do sistema 1: um mestre enxadrista enxerga um cheque mate em três jogadas; dentro de uma casa incendiada um bombeiro decide em uma fração de segundo qual porta abrir sem desencadear uma explosão. Associações vem do sistema 1: o sentimento ao receber uma rosa vem do sistema um. Você sente amor ou temor ao receber a flor? Anseia compartilhar momentos de sua vida com uma pessoa especial ou teme a responsabilidade de ter o coração alheio em suas mãos? A associação sentimental é orientada pelo sistema 1.
7. Sistema 2
O sistema 2 demora a tomar decisões e toma a um custo extremo. Ao usarmos o sistema dois todo nosso corpo é demandado, nosso coração bate a um ritmo acelerado, nossas pupilas dilatam, hormônios são liberados. Sempre preferimos evitar usar o sistema 2, dá muito trabalho. Tente fazer a conta de cabeça 27 vezes 19. É este o esforço de usar o sistema 2. Analisar logicamente uma premissa, uma cadeia de argumentos para chegar a uma conclusão também é tarefa do sistema 2. Após aceitar as premissas devemos conferir a ordem da cadeia de argumentos. A cadeia de argumentos deve ser executada em uma ordem específica. O sistema 2 também é responsável por outra tarefa difícil: ponderar a estatística. Tal filtro só pode ser feito pelo sistema 2, novamente a um alto esforço. Nassim Nicholas Taleb cita o exemplo de professores universitários: Quando perguntados na rua, a caminho de casa, erraram perguntas de estatística. Eram perguntas sobre temas que lecionavam todo dia. Fora do ambiente acadêmico não se deram ao trabalho de usar o sistema 2.
8. Interpretação da polvorosa na agência
Após o tumulto Jéssica reconheceu que os clientes se excederam, especialmente o que defendeu que todos os PTistas merecem levar porrada. Entretanto ela atribui este comportamento à pessoa em particular. Diz que é como em torcidas de futebol, em que há brigas. Ao usarmos o sistema dois podemos fazer a seguinte estimativa grosseira: Quantidade de dias em que houve piadas jocosas vezes a quantidade de pessoas atendidas, vezes a percentagem de pessoas simpatizantes ao PT. Digamos que foram 4 semanas (28 dias), quantidade de pessoas atendidas por dia (100), percentagem de simpatizantes do PT (10%). Neste caso seriam 280 atendimentos de simpatizantes do PT ouvindo piadas que lhes ofendiam. Em nenhum deles houve sequer uma manifestação por parte dos clientes. Por outro lado, apenas a minha preocupação em relação a abusos contra quem é diferente desencadeou uma resposta raivosa de dois clientes (são quatro clientes atendidos por vez)! A evidência empírica da nossa vivência indica que um público é violento (os seguidores do candidato) e o outro (os simpatizantes do PT) são pacíficos.
9. Limitações do sistema 1
O sistema 1 é incrível, mas é falho em algumas situações. O sistema um faz as associações emotivas. Mas as associações só se tornam pertinentes após serem aperfeiçoadas através do uso. Em situações em que faltam oportunidades de feedback as associações são falhas. Outro problema é que as associações são cegas à causa/consequência. Tanto vale “Chico desgosta de evangélicos porque desgosta do candidato.” como vale “Chico desgosta do canditado porque gosta de evangélicos.” Ou seja, ignora que um argumento é uma causa, o outro é uma conclusão. Para o sistema um a frase “O fósforo acendeu porque eu o risquei.” tem tanto sentido quando “Risquei o fósforo porque ele acendeu.” A coerência afetiva se dá quando o que ouvimos está de acordo com o que acreditamos. Ou seja, o embasamento está correto se se ele defender uma conclusão em que já acredito. Na política o sistema 1 falha desastrosamente. Pense na quantidade de políticas públicas que um governo tem. Só tomamos uma decisão, o voto. A verificação se dá na próxima eleição depois de quatro anos. Apenas uma ação (um voto) para avaliar diversas políticas públicas. Além disso há muitas variáveis em jogo. É possível o governo tomar uma decisão boa e, por uma circunstância impossível de se prever, o resultado ser ruim. O feedback (que aperfeiçoaria o sistema 1) é ineficiente para aprimorar nossas convicções políticas.
10. Marketing político se direciona ao sistema 1
O sistema 1 é o sistema no qual nos apoiamos quase sempre. Ele é excelente para os desafios do nosso dia a dia. É através dele que navegamos o mundo em que vivemos. Por isto a publicidade - inclusive a da campanha política - se direciona ao sistema 1. O sistema 1 é emocional, faz relações, é intuitivo, sensibiliza, fala ao coração. Aqui algumas evidências de que o marketing político mira no sistema um: as inserções na televisão duram poucos minutos. Mesmo os candidatos com maior tempo de televisão apresentam raciocínio simples (cadeia de causa e consequência curta). Um candidato é desincentivado a conversar em profundidade sobre suas políticas. O tempo que o Estado (horário eleitoral) disponibiliza para ele é insuficiente para montar sua fundamentação. Em seus panfletos as ideias devem ser auto evidentes - apenas lendo as reconhecemos como boas. Mesmo em vídeos de youtube (onde têm tempo ilimitado) candidatos têm optado por fazerem vídeos que apelam à emoção (e deixam de lado a razão).
11. Coerência Associativa
Sabemos como se dá a coerência racional: partimos de premissas, seguimos determinados passos (em uma ordem determinada) e chegamos a uma conclusão. Para aceitar as premissas levamos em conta reflexões de natureza estatística. A coerência emocional se dá de maneira diferente. Como não há passos a serem dados não há distinção entre conclusão e premissa. Daniel Kahneman diz que partimos da conclusão (na qual já acreditamos). Depois racionalizamos uma fundamentação para a ideia. A coerência associativa também se dá pela empatia: gosto de quem me passou a informação, logo a informação é verdadeira.
12. Arte
Qualquer definição de arte que envolva seu conteúdo é moralista: pois defenderia que apenas as obras de determinada orientação política se qualificam como arte. Ou ainda, consideraria que apenas defender determinada ideologia seria suficiente para qualificar uma obra como arte. De acordo com a definição que proponho ao longo destes ensaios a qualificação de uma obra como artística é subjetiva: depende da experiência artística provocada. Duas pessoas podem ter uma reação oposta à mesma obra, uma pode sair transformada, a outra pode sair indiferente. Apenas para a primeira pessoa a obra é arte. Arte é arte por atingir o público, mas por atingir de uma maneira muito específica: atinge a maneira como o espectador enxerga o mundo. Importante notar que a correção do conteúdo é indiferente à arte. Mesmo uma mensagem incorreta pode funcionar como arte, desde que provoque a experiência artística. A experiência artística se dá em sistemas de baixo nível (conferir ensaio “O que é arte - Ignorância”). Como ocorre em sistemas de baixo nível a explicação metafórica e emocional é apropriada. A explicação racional de uma experiência artística só pode se dar de maneira indireta. Como disse Mário Quintana, “Cuidado! A poesia não se entrega a quem a define.” A arte se exime de qualquer compromisso factual. Mas é efetiva em evocar emoções. Ou seja, a arte tem compromisso apenas com o sistema 1. A arte é escrita para o sistema 1, para a coerência emocional associativa. Ela continua sendo arte mesmo contrariando qualquer evidência empírica. Um quadro continua evocando emoções mesmo retratando um unicórnio. Mesmo que o unicórnio nunca tenha existido. Um meme continua incitando violência mesmo que não haja evidência de que a violência diminuirá a criminalidade.
13. Conclusão
Uma parte importante do movimento LGBT vê com bons olhos o socialismo e condena o liberalismo. Entretanto os países socialistas proibiram e perseguiram as pessoas com orientação sexual diferente da heteronormativa. Ao passo que os países liberais progressivamente aumentavam os direitos à igualdade de direitos dos gays. Jesus Cristo era avesso à violência (mostra a outra face) e era a favor da tolerância (jogue a primeira pedra quem nunca pecou). Entretanto os cristãos são a base de apoio do candidato que apoia a tortura e o assassinato de quem pensa diferente a ele. Daniel Kahneman aponta uma associação completamente alheia à fundamentação: há alta correlação entre acreditar que exista aquecimento global e ser favorável à legalização do casamento gay nos EUA. O motivo para esta correlação é o sistema 1, é a coerência emocional. Os mesmos líderes que apoiam a causa LGBT acreditam no aquecimento global. Os mesmos líderes que condenam a união entre pessoas do mesmo sexo são céticos quanto à existência do aquecimento global. A formação das nossas crenças e opiniões é, quase sempre originada pelo sistema 1 (sistema emocional associativo). O sistema dois é acionado depois no sentido de racionalizar a nossa crença. Entretanto o nosso sistema político é desenhado de maneira a impossibilitar o aperfeiçoamento do sistema 1. O tempo entre o voto e as políticas públicas é muito longo, além disso cada política pública se relaciona a diversas variáveis. De maneira que o resultado da nossa ação (voto) deveria ser analisado com o sistema 2 (analítico). Por falta de hábito e pelo grande esforço que o sistema 2 exige acabamos orientando nossas opções eleitorais pelo sistema 1. A arte é exímia em dialogar com o sistema 1 e ignora o sistema 2. Um meme consegue defender qualquer posição, mesmo que contrariando a lógica e os dados disponíveis.
14. Considerações
Este ensaio é sobre a arte como artilharia na guerra eleitoral. Me impressiona como adeptos de crenças se distanciam tanto da fundamentação de suas crenças. A explicação disto passa passa pelo fato de que nós somos mais governados pelo sistema 1 (emocional e associativo) do que pelo sistema 2. Neste ensaio tratei de um aspecto da arte: o de ser opaca à racionalidade e dialogar bem com as emoções. Em ensaio futuro tratarei da arte em seu aspecto político transformador.