O TERRITÓRIO MEMORIAL

Recebo, com alegria, o convite à leitura. E me jogo ao trabalho.

“Domingo, 23Set2018, 21h17min. Boa noite ao confrade. O texto “O LEITOR SILENCIOSO”, em https://www.recantodasletras.com.br/cartas/6457620 , me chamou a atenção, então disponho um de meus escritos para a análise do poeta. Desde já agradeço a atenção. Flávio Gaffrée.

CEGUEIRA

Estão confundindo as coisas

Por manipulação?

Ser bom agora significa usar a espada

Por má-fé?

O próximo é julgado a todo momento

Gostaria que o pretérito não fosse esquecido

Muito mais que uma interrogação

Centenas ou quem sabe milhares de incertezas

Bilhões de neurônios à disposição

A principal questão não sai da caixa craniana

Qual a natureza atrativa ao homem

Para se dispor do despeito?

Não existindo padrão de importância

Só há prazer em ter mais do que o outro

Detesto que julguem o que não é conhecido

A razão foi ofertada ao humano

Para levá-lo ao crescimento comum

Neste momento sou eu quem está falando

Tenho que tirar esse medo do peito

Meu irmão vive na ignorância

Uma quase meiga infância

A crença no herói feito

Pessoas adultas com atitudes de criança

Formação mal-educada

Velho pensamento como papel amassado

Difícil leitura com tanta ruga

Alguém quer ou faz questão de entender?

Respeito um bom argumento

Se for preciso escuto até a madrugada

Escrevi em verso sem buscar padrão

Mas há escritos do mesmo modo

O que não é preocupação

O fim nem sempre é como esperamos.

Flavio Gaffrée Pacheco”.

Bom dia, prezado irmão-poeta Flávio! Estou muito honrado por receber teu texto. Obrigado! Como tenho me apercebido de que és assíduo no ato de escrever, sugiro que cadastres o teu nome no Recanto das Letras, site específico para escritores, o que me parece uma interessante perspectiva para o registro de teus textos em prosa e verso. É lá que exercito a análise crítica. Assim trocaremos interesses e inquietações. O link de minha página é https://www.recantodasletras.com.br/autores/moncks . No caso presente, encaminhando o teu pedido, parece-me que textualmente estamos frente a um texto no qual é predominante a Prosa, caracterizado por uma croniqueta (ou pequena crônica), formatada em versos. Porém, quanto à apresentação versejada, como é consabido nos domínios dos estudiosos da análise literária, a forma não determina a classificação da modalidade ou categoria literária, e sim as nuanças do próprio escrito, sua figuração, estilística e/ou conteúdo metafórico: na Prosa Poética, monovalente, e na Poesia – a polivalência da palavra, seus significantes e significados que subvertem o sentido original do vocábulo, dando-lhe um novel sentido e produzindo diversificada imagética. Ora, os versos são típicos de quem deseja compor dentro do universo poético, vele dizer, o poema com Poesia. Alguns autores, especialmente os que se estão iniciando no verso, por serem iniciantes ou ainda neófitos e em regra, ainda pouco lidos quando à Poesia e à sua materialidade contemporânea, o poema, não se dão conta de que – repito – escrever sob o formato versificado, não significa que se esteja escrevendo dentro do peculiar e exigente território que tem sua representatividade no universo da Arte Poética. O conjunto verbal ora posto à consideração crítica não é genuinamente um poema bafejado pela Poesia. É um exemplar híbrido entre a Prosa e a Poesia a que denominamos poema em prosa, ao qual alguns teóricos chamam de prosopoema. Como bem se pode ver, não se trata de um exemplar escrito com fortes elementos caracterizadores da Poética, devido à ausência do sentido conotativo da linguagem. Desta sorte, não há como classificar a obra trazida à tona como exemplar típico do poema com Poesia, situando-se no restrito campo analítico no território livre e inespecífico do prosaísmo. A ausência ou a pouca ocorrência de figuras de linguagem no texto, especialmente as metáforas, afasta a linguagem em sentido conotativo. Em regra, é essa linguagem codificada que caracteriza o texto em Poesia, exceto alguns textos prosaicos em que algumas genialidades, em todos os tempos, transformam a singeleza da expressão em inusitados poemas, a exemplo do que ocorreu histórica e literariamente com Quintana ou Drummond de Andrade em algumas peças verbais nas quais o talento na construção do prosaico acaba desembocando em imagens que assomam nos voláteis e voluptuosos territórios da palavra em seu vestido de festa: o poema com Poesia. E este voeja com invulgar graça estética, apesar, em alguns casos, da singeleza de substantivos, adjetivos, verbos e pouca expressão imagética. Ora, a genialidade da Poesia está na imagem que ela produz aos olhos e/ou ouvidos do poeta-leitor e passa a ter vida no universo de quem dela se apossa com paixão. No caso, apercebo-me de que o autor pretendeu escrever um poema, haja vista a apresentação em versos livres. No entanto, no momento, o meu foco vital é somente a forma ou formato da peça lavrada. Como tenho alguma coragem para expender alguns pitacos sobre a amada Poética, seguem estas letrinhas a vol d'oiseaux, ou seja, na altura do voo dos pássaros acostumados à baixa altitude. A correção do desvio do rumo não se deve ao singelo efeito da palavra, e sim à objetividade da ação do agente, como fixou Aristóteles em relação à arte e à própria vida. Como o meu modesto ofício de analista se limita à Poética, deixo de examinar o teor literário da prosa apresentada. No entanto, como singelo leitor da prosa de boa confecção, registro que a crônica abordando “A Cegueira”, está bem-posta e é muito agradável aos olhos e ouvidos, produzindo uma agradável sensação no leitor. Estimado Flávio Gaffrée, peço continues publicando e comentando os textos e poemas dos confrades, enfim, interagindo com ânimo literário. Todos nós ganharemos, em especial a memória nacional. Parabéns pela predisposta busca do poema com Poesia. Estás começando a transitar com zelo e galhardia nesses tortuosos itinerários de muitas pedras e algum lamaçal. Demorará um pouco, mas a construção que sobrevier, será, por certo, robusta e consistente.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2017/18.

https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/6478348