A INSPIRAÇÃO E O GOZO AUTORAL

"Ocorrem poemas em que há versos sem a digital da Poesia. E os autores teimam em explicar o inexplicável.".

– Joaquim Moncks, in A RECEPÇÃO, do livro inédito A ÓTICA DO CAOS.

“Interlocução via Facebook: Autores teimosos? Ora, cada versinho deveria modificar o olhar do autor? Ele – o autor – pode ir moldando sua teimosia para de repente surgir nova inspiração...

– Maria José Vital Justiniano, de Patos/PB.”

Não entendi bem a tua aberta e lacônica interlocução, poetamiga Maria Justiniano, no entanto, deixa-me ver o que comunica a tua abordagem e o que ela, minguada quanto às palavras, me faz pensar ou deduzir. Quanto ao poeta-autor ir teimando até encontrar inspiração? Isto nunca acontecerá, porque a sua “teimosia explicativa” não será para com o seu escrito (a sua garatuja verbal), eis que para ele o seu escrito é perfeito, irretocável. Aliás, esta é a regra de conduta do autor em relação ao ato de criar o que entendemos como poema. Desta sorte, ardido de seu fogo criativo e acrescido da ânsia psíquica de reconhecimento, o autor dificilmente terá foco capaz de uma abordagem analítica sobre o seu ato criativo, especialmente se for um iniciante em Poesia, simplesmente porque ainda não terá aprendido a fazer a sua autocrítica. Arde-lhe somente a ânsia de criar, o que, neste caso, equivale a dizer: “desejo ser visto e admirado como poeta”. O estado anímico de apossamento do ego se dará no plano emocional, e quando a consciência analítica do leitor crítico lhe apontar a (possível) deficiência do poema quanto à sua construção estética ou semântica, o criador sairá em imediata defesa de sua obra. Os neófitos ou os não estudiosos de Poesia nada querem saber de discutir o seu poema, porque para ele o leitor nada vale, aliás, inexiste. Para este tipo de cabeça autoral a validade e beleza estética adquire validade máxima desde o primeiro instante, ou seja, logo após o ato de criação da peça poética, e o escrito ainda embrionário passa a ser objeto de seu mais altissonante domínio e portentoso gozo consumista. Tanto é que para esta personalidade autoral o escrito "é seu e ninguém tasca". Poetas com este tipo de concepção artística não criam o (pretenso) poema para um leitor, fazem-no somente para consumo próprio, e se bastam como criadores e consumidores, quanto à sensibilidade e interatividade intelectuais como autores. Só querem receber loas e louvações. Tampouco esta figura possessiva tem o desejo ou vontade de pretender revisar ou reformular a peça produzida e nem buscar melhoria estético-formal no texto poético utilizando a "transpiração", na qual prepondera o racional sobre o escrito nascido do emocional aflorado no ímpeto do fogo da inspiração. Para ela só existe a centelha da "espontaneidade" e nada mais. E é o bastante para se fazer uma peça de alto valor estético. Em regra, o autor não quer uma peça com Poesia e sim o gozo psíquico sequencial que o poema traz como fruto de si próprio, de seu intimismo, de suas aspirações, desejos, inconformidades e ideologias, dificilmente nascidas de situações vivenciadas. Para estes, só tem méritos a produção egoica, vale dizer: aquilo que satisfaz o ego autoral e que supre a sua carência psicológica. O equívoco consiste em que o poeta-autor não reconhece ou identifica o outro polo do processo de criação. Para este tipo humano o poeta-leitor sequer existe na relação de pessoalidade desencadeada pela peça poética Também entende que o poema é uma peça que se basta e pronto, porque é visto por ele como sua última e inquestionável obra-prima posta à disposição de todo e qualquer público.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.

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