A ESTRELA FLAMÍGERA
 
Todas as tradições religiosas antigas sustentam que o mundo foi criado a partir do momento em que a luz se tornou manifesta. Essa é a idéia que está inserta na Bíblia quando ela descreve a criação do mundo. “E disse Deus: Haja luz; e houve luz“. Gênesis 1:3
Mesmo a moderna ciência não nega que a luz seja a responsável pelo aparecimento da realidade ativa no universo, o que nos permite dizer que tudo que nele existe são condensações da energia luminosa, irradiada de um ponto único e refletida em infinitas e multifacetadas formas, mas todas ligadas ao princípio básico e fundamental que as formata e justifica.[1]
“Se removermos a luz do universo, retiraremos concomitantemente a gravidade; e então tudo que nele existe desabará; o mais leve sobre o mais pesado, o menor sobre o maior, o mais fluído sobre o mais denso, e tudo voltará ao ponto inicial”, disse o físico Heisenberg, ao comentar as descobertas de Einstein.[2]
Por seu turno, a Cabala ensina que três foram os fatores da Criação: Luz, Som e Número. A luz que sai das trevas, o Nome Inefável de Deus ou Palavra Sagrada que a organiza e a Geometria, que a formata, dando forma e qualidade ao mundo criado. Por seu lado, diz o Livro do Dzyan:
“A Grande Mãe (o Caos) se infla com ▲ (triângulo), a ―  (a primeira linha) o  □ (quadrado),  a segunda  ―  (linha)  e  o(pentágono) em seu seio, pronta para dar à luz aos valentes filhos do □ ▲ ― ―, cujos antepassados são o (círculo) e o • (ponto).[3]
Se pensarmos bem, não há incompatibilidade entre a visão bíblica da criação do mundo com o moderno pensamento científico, que sustenta que o nosso universo foi criado pela explosão de um átomo primordial, ocorrida há três ou quatro bilhões de anos atrás. Esse átomo primordial era conhecido nas antigas práticas místicas do Egito, Grécia, Índia, Mesopotâmea e China, como “Ovo Cósmico”, o que mostra que esses antigos povos tinham intuições extremamente aproximadas aos conhecimentos dos modernos cientistas que investigam a origem do universo.[4]
Assim, podemos comungar com os místicos de ontem e com os cientistas de hoje e aceitar plenamente que o universo nasceu da explosão de um átomo primordial e essa explosão liberou a energia que estava presa dentro dele. E assim podemos dizer que o universo foi feito de luz. Como diz um formidável poema hindu escrito a mais de dois mil e quinhentos anos: “No intervalo entre o fim e o começo, Vixenu-Xiva repousa em meio à sua própria substância, luminoso em sua inesgotável energia, prenhe de todas as suas vidas futuras.[5]
 
Assim, podemos dizer que a estrela que ilumina o céu maçônico(a a letra G) é um símbolo que condensa todas as teorias acerca do surgimento do universo, tanto em suas manifestações materiais, quanto espirituais. Simboliza não apenas o nascimento do cosmo enquanto realidade física, mas também o surgimento da vida dentro dele, e mais além, a manifestação do espírito dentro do fenômeno da vida.
Esse é o motivo de a Maçonaria ter concentrado nessa estrela o símbolo maior dos seus mistérios. Representada pela letra G, ela está no centro da existência de todas as realidades universais, pois, como bem sustentava Pitágoras, o universo só pode ser compreendido a partir dos princípios da geometria.
Desde os dias mais remotos da humanidade, a inteligência recém despertada do homem intuiu a existência de uma energia desconhecida presente na luz. E que somente com a existência de luz era possível a vida e o progresso da sua sabedoria. Daí que cada descoberta, cada progresso, cada conquista realizada pelo seu espírito ser titulada como resultado de uma luz que se acendia em sua mente. Iluminação para o místico, insight para o cientista, revelação para o iniciado, inspiração para o artista.
Nasce dessa intuição o amor pela luz e o temor das trevas. E a doutrina que vincula o bem à presença de luz e o mal à sua ausência, instala-se no espírito do homem, como podemos ver na tradição persa, que deu origem ao maniqueísmo.[6]
Também como conseqüência dessa intuição, surgem as religiões solares, que têm na luz do sol o princípio ativo da vida, e também o culto às estrelas, de onde nos vem a ciência da astronomia.
No antigo Egito essa estrela aparecia nos ritos e práticas sagradas daquele povo na forma de um astro filosófico com uma dupla face que representava a materialidade e a imaterialidade da divindade e a sua projeção no homem. Os hierofantes egípcios chamavam a essa estrela “Shá, designando ser ela, ao mesmo tempo uma porta e um ensinamento, que correspondia, para todo aquele que se iniciava naqueles Sublimes Mistérios, a uma decisão, (atravessar uma porta, penetrar em uma outra realidade) e a uma aquisição, que era a sabedoria iniciática.[7]
Já os pitagóricos representavam essa estrela através de um pentagrama em cujo centro se inscrevia a legra G, designativa de Geometria. Ela indicava a relação fundamental entre o número e a forma, para dar origem a todo real existente. O pentagrama pitagórico era representado por uma equação que se expressava na seguinte fórmula: a+ b= a = √5, relação correspondente aos lados um retângulo áureo, sobre o qual, espiritualmente, se estabelece a planta do Templo maçônico. Diziam os pitagóricos que o retângulo áureo tinha como principal propriedade o poder de decompor-se infinitamente em uma sucessão de quadrados e retângulos sucessivos, todos apresentando características singulares de individualidade, e ao mesmo tempo conservando as propriedades do todo em que foram recortados. Daí porque nele se inscreve a letra G, que evoca uma espiral e corresponde á inicial da letra Gamos, que em grego significa casamento e numericamente se interpreta como sendo o número 5. [8]

Essa estrela era representada por um hieróglifo de cinco pontas, cujo nome, em grego era Sótis, e na escrita egípcia se grafava Spdt. O significado desse hieróglifo está conectado com a idéia de sabedoria, conhecimento, iluminação. Era conhecido como sendo a estrela de Toth, (Hermes em grego), o deus que legou aos homens o conhecimento. Levada para Roma, essa tradição se transformou na estrela conhecida como Paladium, símbolo do poder e do conhecimento que equivalia à civilização.
 
O Paladium
 
Nos tempos de Roma essa estrela se tornou o Paladium, e era representada pela tocha sagrada que, segundo os romanos, passava de uma civilização para outra, como símbolo da transmissão da continuidade do conhecimento. Antigas lendas diziam que os egípcios receberam dos atlantes esse símbolo, com isso querendo dizer que a civilização egípcia era uma continuação daquela lendária civilização. Mais tarde, o igualmente lendário Ulisses teria levado esse símbolo para a Grécia, transferindo para os helenos a glória da raça humana. Na continuidade dessa epopéia, Roma e depois Bizâncio, teriam herdado esse símbolo e com ele representavam a superioridade da sua civilização.[9]
Depois da queda do Império Bizantino, com a conquista de Constantinopla pelos turcos em 1453, esse símbolo desapareceu da Europa, indo reaparecer cerca de trezentos anos depois em Washington DC, a cidade que representa a civilização do novo mundo, os Estados Unidos da América. Ela está hoje representada na figura da Deusa Minerva, estátua que orna o portão da Biblioteca do Congresso, a qual aparece com uma tocha na mão. Essa estátua conecta-se também com a estátua da liberdade, cuja representação, no porto de Nova Iorque simboliza a própria pátria americana. 

Além disso, a estrela de cinco pontas foi adotada na bandeira dos Estados Unidos como símbolo representativo dos estados que formam a Federação americana. No Brasil esse símbolo também foi recepcionado no Pavilhão brasileiro, o que nos leva a crer que a inspiração pode ter sido oriunda da mesma fonte. Afinal, em ambos os casos, existem maçons por trás dessas criações.[10]
 
Essa é a origem da tradição consagrada na Maçonaria espiritualista e preservada na alegoria fundamental da estrela flamejante, ou flamígera, que é, ao mesmo tempo, vara de condão e cetro real, com o qual se consagram todos os fundamentos, privilégios, concessões e aquisições feitas em Loja – as realidades universais – que são criadas nesse simulacro do universo que é o Templo maçônico.
Os templos egípcios eram orientados em direção à estrela Spica, (Sirius), a estrela mais brilhante do nosso céu. Esse simbolismo também foi adotado pela Maçonaria e transparece nos tetos dos Templos maçônicos. Para os maçons, como para os iniciados nos Mistérios Egípcios, a contemplação da estrela flamígera também representa a porta de ingresso nos mistérios mais sublimes da Ordem, e ao mesmo tempo, o seu contato com a Luz da Sabedoria. 
Na espiritualidade da prática maçônica, a união perfeita entre os membros de uma Loja tem exatamente essa finalidade: gerar uma egrégora que seja capaz de captar energia suficiente para fazer surgir essa luz “que representa o sopro divino, fogo central e universal, que dá vida a tudo que existe”, no inspirado dizer do Barão Tschudi.[11]
Na Maçonaria essa alegoria é apresentada como o mistério fundamental a ser adquirido pelo iniciado maçon. Com efeito, sendo o conhecimento das propriedades da Estrela o corolário do ensinamento maçônico, o ápice filosófico da Escada de Jacó, espera-se que no momento em que essa intuição é passada ao iniciado, ele esteja pronto para receber essa luz final que justifica todo o seu aprendizado.
Todas essas metáforas querem dizer apenas uma verdade: O verdadeiro espírito nasce quando o homem recebe a iluminação. Quando ele é atingido por essa luz que faz dele um verdadeiro ser humano em todos os sentidos.
“ Eu sou a luz do mundo; quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida”. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” Esses dois pressupostos colocados por Jesus querem dizer exatamente isso. Iluminai vossas mentes com a verdade. Buscai a luz que emana do grande G inscrito no pentagrama áureo, esse Princípio luminoso que admite a diversidade na unidade, razão pela qual, a tolerância é a principal virtude adquirida no magistério maçônico.
E não existe maior verdade do que saber que a Verdade não tem identidade nem forma e nem constitui propriedade de ninguém. A variedade das doutrinas apresen-tadas pelo catecismo maçônico significa exatamente isso: todas são verdadeiras e todas devem ser respeitadas como verdades universais, porém nenhuma deve ser sobreposta às demais.
A verdade é a Luz que emana do Grande Arquiteto do Universo e a cada um atinge com características de individualidade e requisitos de universalidade, porque ela, ao mesmo tempo em que corresponde às esperanças pessoais de cada pessoa, também atende à necessidade do universo como um todo.
A Estrela Flamígera é, portanto, o núcleo central do mistério maçônico. Representa a manifestação do Princípio Criador, na forma de um signo luminoso que congrega toda a energia do universo. É uma representação pictórica, geométrica e lingüística que unifica todas as concepções existentes sobre essa energia mágica e fundamental que dá existência a tudo que existe no cosmo, e explica a sua origem, a sua finalidade e o seu fundamento. Compreender o seu significado é compreender todo o ensinamento maçônico. Que a razão só abriga a verdade que ela pode suportar, mas o espírito, que é infinito, pode abrigar todas as conformações possíveis, pois ele está conectado às origens do universo, como centelha que se originou daquela primeira manifestação de luz. Esse é o grande segredo da Maçonaria.
 
Por João Anatalino Rodrigues- Mestre Maçom, grau 33 REAA- Condensado da sua obra ‘Mestres do Universo”- publicado pela Editora Biblioteca 24x7- 2012.
 
[1] Ou seja, a partir do Big Bang, o Átomo Primordial, que explodiu e lançou no vazio todas as formas de energia que moldam o universo físico e espiritual. É nesse ponto que as visões da Cabala e das religiões orientais se unem á moderna física para explicar a origem e o desenvolvimento do cosmo.
[2] O Despertar dos Mágicos, op citado.
[3] Síntese da Doutrina Secreta, op citado, pg. 88- O livro perdido de Dzyan é uma obra escrita por Helena P. Blavatsky que alega conter um conhecimento secreto há muito perdido.
[4] Segundo Stephen Hawking (O Universo Em Uma Casca de Noz, 2002), “o círculo é a forma geométrica que o universo tomou a partir da explosão do Big Bang. Ele tem a forma de uma pêra.”
[5] Upanishades, canto V.
[6]O maniqueísmo, seita fundada por Mani, no século II da Era Cristã, é uma adaptação da doutrina de Zoroastro, ou Zaratustra.
[7] Bernard Rogers, op citado, pg 243.
[8] Idem, pg. 275 
[9] No Templo de Minerva em Roma, o Paladium era a chama que devia ser alimentada diuturnamente pelas sacerdotisas. Dizia-se que o dia em que essa chama se apagasse Roma deixaria de existir.
[10] A esse respeito veja-se David Ovason,  A Cidade Secreta da Maçonaria, pg. 508
[11]Cathèchisme ou instruction pour le grade d’Adepte ou Apprenti Philosophe Sublime Et innconu, obra publicada na França em 1770. (citada por Jean Palou, Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed. Pensamento, S. Paulo, 1986)