A IMPIEDADE DO TEMPO
Já não se pode acompanhar o tempo porque ele passa rápido demais e os passos mais apressados já não são o bastante para alcançá-lo.
Hoje, aos 79, pareço muito vivido, mas a verdade é que não fiz metade do que gostaria, veio noite após noite, dia após dia, vieram as horas atropelando os meus sonhos e os meus medos.
Todos os abraços por mais duradouros e desejados passaram depressa; os beijos calorosos de tirar o fôlego perderam-se junto ao ponteiro do relógio; os choros mais longos não foram capazes de aliviar a dor do peito; a saudade que invadia a alma ao alvorecer parecia nunca findar, e hoje vejo que até ela ficou por pouco tempo; os amores foram vividos com toda intensidade que se pode amar, ainda assim, houve tempo de menos para dele gozar.
Num piscar de olhos vi a idade chegar, muitas coisas ficaram por fazer, tantos caminhos por trilhar, tantos pedaços de amores unidos para que se pudesse fazer um só. Hoje, não restam ao menos histórias pra contar porque o tempo de tão apressado trouxe aos meus olhos camadas de poeira enquanto eu pude sentir a vida passar. Ouvi aplausos vívidos destinados às glórias de alguns, ouvi choros e soluços aos relentos pelas madrugadas frias indicando aflições em tristes almas, não pude me ater a detalhes porque mais uma vez, insisto em dizer que o tempo passou depressa demais, e como um trem, deixou apenas vestígios no ar, cobrindo tantos outros olhos com fuligem impedindo-os de perceber a sua chegada e sua partida.