Felicidade, o que é

Sou bancário, sou caixa. Um colega só chama um cliente quando o vídeo do youtube do seu celular encerra. Enquanto espera já começa a buscar algo na internet. A maioria dos atendimentos ocorre sem sequer um contato visual. Cedo ao hábito de ficar buscando imagens no instagram. Mas usualmente quando chega um cliente viro o celular de costas e lhe dedico meu tempo durante algumas transações. Poucos segundos quando é apenas um depósito, vários minutos quando o cliente traz uma demanda maior. Momento em que aproveito para puxar papo. Para soar um pouco menos invasivo vou logo explicando: estou apenas puxando papo. Uma vez “entrevistei” um monge budista. Descobri que ele passa semanas em retiros, descobri que tem outra profissão. Falei um pouco sobre os benefícios da meditação - os quais conheci em vídeos de autoajuda. O cliente se entusiasmou! Disse que dá aulas e que no futuro todo CEO meditará. É a melhor maneira de lidar com o estresse e de tomar boas decisões quando submetido à pressão.

Esta conversa mexeu comigo. Por um lado aceito seu embasamento, acredito que a meditação traz todos os benefícios que ele elencou e ainda outros. Mas um monge budista instrumentalizar sua prática me pareceu uma heresia. Sofremos uma pressão direta e indireta para adotar práticas como um meio para algum fim. As gerações anteriores adotavam estas práticas sem segundas intenções. As adotavam como um fim em si mesmas. Devemos comer fibras para o intestino funcionar, devemos incentivar as crianças a praticarem esportes pois elas serão saudáveis, idosos devem socializar e dançar para prevenir doenças degenerativas, concurseiros procuram ritalina para estudar incansavelmente. No documentário ‘Take your pills’ há fala poderosa: “Antigamente se usava drogas para entretenimento. Atualmente os jovens usam drogas para alto desempenho.” Vejo com naturalidade pessoas falarem da escola como um momento de sofrimento. Gente, o momento de aprender deveria ser extremamente fascinante! Fugimos do agora. Fugimos da vivência física através de aplicativos de mídias sociais. Às vezes dedicamos um pouco de nossa atenção a algo. Mas aí há a pressão de que seja por uma finalidade futura. E quando o futuro chega, o que construímos? O que vemos quando olhamos para trás? Tenho muitos amigos que se percebiam como pessoas brilhantes (e são). Hoje são frustradas com suas conquistas. Acredito que em regra as pessoas vivem muito tempo em angústia. Gostar do seu trabalho e do seu estudo é exceção. Estudam e trabalham por algo que isto pode proporcionar. Olhando para trás as pessoas vêem muita coisa legal: a família que sustentam, as férias incríveis que passaram há dois anos, uma festa maravilhosa no carnaval. Isto é importante e valioso. Mas quero mais!

A felicidade é difícil de ser estudada. Daniel Kahneman explica o motivo: ela é uma só palavra para designar mais de um conceito. Há duas felicidades. A vivida e a narrada. A felicidade vivida é aquela que sentimos a cada momento. É profundamente desconectada da felicidade narrada - aquela que lembramos. Felicidade vivida é aquela em que desfrutamos nosso prato de comida favorito, é aquela em que transamos com a pessoa que amamos. Mas é uma memória que se perde em nossas narrativas. Você consegue lembrar de cada transa maravilhosa que já teve? Consegue se lembrar de cada biscoito de aveia que sua mãe sempre fazia na infância? Cada prazer se funde vagamente aos outros. O que o torna especial foge à narrativa de nossas memórias. Pense em uma transa mediana. Ela será lembrada se houver algo muito específico a ela: se for no meio de uma boate; se durante a transa houve o maior esforço para segurar um peido; se foi com uma pessoa que você nunca imaginou que transaria.

A riqueza da nossa vida nos permite experiências que apreciamos e que preferiríamos evitar. Entretanto a percepção do momento e a narrativa que criamos tem mecanismos diferentes. A percepção é ligada ao valor que atribuímos ao momento. A narrativa é ligada a determinadas circunstâncias em que a memória é criada. Para ser feliz eu quero ambos! Quero viver momentos bons e quero criar uma bela narrativa. No próximo ensaio explicarei como fazer isto.

Até mais!

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 21/09/2018
Código do texto: T6455056
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