A Minha Casa
Enquanto eu me escondia, a casa tomava vida: raízes cortando o piso, trepadeiras agarrando as paredes, estrangulando meu pequeno quarto. Eu imóvel, com o coração acelerado, já totalmente dilacerado, depois de tantas outras lutas, sentia como se essa fosse a que me levaria embora.
Meu corpo estava coberto de incuráveis feridas, minha mente esparramada por todo o cômodo, e enquanto tudo isso acontecia, misteriosamente reinava paz dentro de minha alma. E de lá de onde eu estava, podia escutar o barulho de metal sendo retorcido, de panelas sendo atiradas ao ar, de um moinho de vento que estava se formando. Algo na cozinhar corria descontroladamente, de um lado para outro, derrubando as poucas coisas que ainda estavam suspensas, gritando e gemendo. E de repente as luzes se apagaram.
Talvez esse tenha sido o momento mais maravilhoso de minha vida. Tudo que eu mais temera, acontecia simultaneamente! E o melhor era a moldura de todo esse magnífico quadro: após as luzes se apagarem, e já estando em um fim de tarde e o quarto sendo abraçado por sabe-se lá o que, um pouco de luz em tons vermelhos alaranjados cortava para dentro do quarto como se o sol também maligno adentra-se para espiar uma cena que não era sua.
Raios finos invadiam timidamente o quarto, e uma mistura de emoções adentrava em meu coração: tudo agora fazia sentido. A angústia em tons cinza azulado, a solidão em manchas rajadas negras, a alegria, meu combustível, em pequenas explosões puramente amarelas. Também estavam presentes o presente o passado e o futuro, como a profundida em perspectiva de todo o quadro que se moldava continuamente. Apenas uma emoção não estava presente... O medo... Na verdade, essa foi a maior descoberta que pude fazer. O medo não estava presente, pois ele era o quadro em branco, a tela não pintada, e os pequenos espaços vazios que nela haviam sido preenchidos.