DESPENTEADA

Passada a hora marcada, começou a se perguntar o que havia acorrido. Com tantos recursos que permitem noticiar o que acontece instantaneamente, era inadmissível um atraso sem justificativa. E ele ali, na chuva, com guarda chuva aberto, parado. Como nos filmes de suspense de Hitchcock, aquela silhueta de um homem com capa e guarda chuva em pleno anoitecer era sinistra. Para olhar as horas bastava um movimento de olhos para ver o que relógio da catedral em frente marcava. Quem passava nos carros via uma foto: a imagem da igreja, na torre uma grande cruz, na calçada em frente um homem com guarda-chuva.

Chegara antes, meia hora antes. Nunca haviam acontecido atrasos nos encontros anteriores. Ela viria, com certeza. Começou a lembrar de momentos inesquecíveis que passaram juntos. A viagem à Cancun, a recepcionista mexicana linda com um olhar brilhante, e o beliscão no braço. Em Roma o italiano bonitão e sedutor irresistível, elegante, provocara nela um olhar interessado. Saíram do restaurante sem fazer o pedido. Risadas frenéticas nas montanhas russas, momentos maravilhosos em Paris. O dia a dia em São Paulo, árduo. A chegada em casa compensava tudo. Quem chegasse antes preparava um lanche ou um jantar rápido, aguardava o outro. Anos se passaram, mas a criatividade não deixava a rotina se instalar.

Do nada aparece ela, toda de branco, toda molhada, como na música. Rodopiaram, abraçados na calçada. Seu coração se alegrou, e a alegria que ela mostrou confortou seu coração.

“Acho melhor pararmos com essas brincadeiras. Eu realmente fiquei com muito medo de ela não vir”, pensou.

Paulo Miorim

09/08/2018