CANTO DE OSSANHA

CANTO DE OSSANHA

“Canto de Ossanha” é o nome da primeira faixa do álbum “Os Afro-sambas (Forma - 1966)”, do violonista Baden Powell e do cantautor Vinícius de Moraes. Assim como o disco por um todo, a canção traz elementos da cultura afro-brasileira fazendo, através das letras, referência a deuses e orixás.

Na letra da canção, toda afirmação é negada, trazendo a melodia um tom de mistério onde se alia à característica da impermanência da vida e do conhecimento a ignorância do existir: “O homem que diz: "Dou/ Não dá! /Porque quem dá mesmo / Não diz!/ O homem que diz: Vou/ Não vai! Porque quando foi/ Já não quis!/ O homem que diz sou/ Não é!/ Porque quem é mesmo é /Não sou! /O homem que diz: Tô/ Não tá!/ Porque ninguém tá/ Quando quer.”

Além da controvérsia do dizer e fazer dessa música há também a ideia de superioridade ilusória do conhecimento do homem, ressaltando a importância da humildade intelectual: "Coitado do homem que cai/ No canto de Ossanha, traidor!”. Segundo o próprio Vinícius, Ossanha é uma das mais difíceis e misteriosas deusas do Candomblé, que sabe tudo sobre as ervas e sobre o amor.

Diversos pensadores, através da história, ressaltaram a importância da humildade intelectual e, dentre eles, o filósofo inglês Bertrand Russell — que acreditava que "O problema com o mundo é que os estúpidos são excessivamente confiantes, e os inteligentes são cheios de dúvidas” — e Sócrates — com a máxima "só sei que nada sei"— mostram que, desde os tempos mais remotos, a ilusão de superioridade de conhecimento assola a humanidade.

Suponhamos que o conhecimento seja uma ilha, uma porção de terra cercada de água por todos os lados, e que a ignorância seja a água ao seu redor: quanto maior o conhecimento, maior o volume de questões que se desconhece também. Aí estão as figuras da impermanência do conhecimento e a importância de não cair no "Canto de Ossanha": ele é traidor porque o excesso de segurança no conhecimento cerceia o potencial do que ainda há para descobrir.

A crença no saber massageia o ego, muitas vezes faz o indivíduo pretensioso ao se pintar melhor do que realmente é ou por falar em demasia e, na prática, não saber realizar; já o não saber impulsiona a curiosidade e a fome de conhecimento, mostrando ao sujeito as suas limitações.

Não é incomum pessoas menos preparadas terem mais autoestima do que outras que, ao menos teoricamente, “sabem mais”. O “mais inteligente” está cheio de dúvidas sobre suas habilidades, enquanto o que se imagina “mais preparado” tem certezas de sobra. Segundo Charles Darwin, “a ignorância gera mais frequentemente confiança do que o conhecimento".

Dizem os ditados populares: “quem muito fala, pouco faz” e “pote cheio não faz barulho”. Diria René Descartes: “Daria tudo que sei por metade do que ignoro”. Ou então, como cantava Vinícius de Moraes: "Coitado do homem que cai/ No canto de Ossanha, traidor!".

Laura Coutinho
Enviado por Laura Coutinho em 31/07/2018
Reeditado em 13/08/2018
Código do texto: T6406034
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