O que é arte - Introdução

“Cuidado, a poesia não se entrega a quem a define.”

Mário Quintana

Era ainda um adolescente quando fui a uma mostra de cinema no Cine Brasília e vi um filme que se passava em um harém. À época eu tinha as típicas questões existenciais próprias à idade. Agora percebo que tinham a ver com a elaboração da minha autoestima. O filme se passou em um harém. Eu era completamente desajeitado com mulheres, ver um filme em que um homem tem acesso a centenas de mulheres deveria me chamar muito a atenção. Entretanto ao sair da sala a única coisa que me marcou naquela noite foi a nítida percepção de que os fatos objetivos importam pouco à história. As centenas de mulheres que têm acesso apenas ao Sultão e ao seu guarda eunuco são apenas informações. O que importa é como os fatos são enquadrados, como são dispostos, como uma informação se associa a uma emoção, como as emoções são dispostas…. Enfim, o que importa (tanto no filme como na vida) é a narrativa. Da mesma maneira que fatos poderosos podem trazer um enredo sem graça, fatos triviais podem trazer um enredo poderoso. A carga emocional que se atribui tem que ver com o enquadramento. Um corrupto pode ser um herói ou um bandido, um gângster pode ser retratado da maneira mais romântica ou em sua ignorância mais rasa. Da mesma maneira minha vidinha trivial poderia ser vista (especialmente por mim mesmo) de maneira incrivelmente romântica se eu soubesse construir a narrativa adequada. Passei a poetizar minhas experiêncas: a própia solidão, beijos em um carro ou uma simples caminhada ao lado de pessoas queridas.

O que confere tanta potência à arte? Como ela consegue dar diversas tonalidades de romantismo e diversas tonalidades emotivas? Por que ela o faz aparentemente deslocada dos fatos objetivos nos quais a obra se apoia? Por que uma obra causa impactos diferentes a pessoas diferentes ou à mesma pessoa em momentos diferentes?

Esta é a introdução de uma sequência de ensaios em que investigo as especificidades da arte e proponho uma maneira de entendê-la. Espero que goste, boa leitura.

"Passeio

Esse passo de nada

Especial por nada

Este som bobo

Cadenciado pelas passadas

Tão especial

Tão gostoso

Passou

E nem percebemos

E nem tocamos

E nem voltamos

Nem guardamos

Afinal

Distraídos passamos

Cada passo

Pelos outros passos

Acompanhado

Passou por cima

E desceu

Ao lado do teu

Sem deixar vestígio

Só deixou eu

E você assim

Diferentes

Um pouquinho mais...

Para frente”

Chico Acioli

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 26/07/2018
Reeditado em 26/07/2018
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