Contra o Sistema
Não cheguei a realmente viver a época do Movimento Hippie. Eu era criança – nasci em 1965 – mas pude acompanhar alguma coisa ao vivo, e outras através da TV e artigos de revistas e jornais.
A primeira coisa que me vêm à cabeça quando penso na filosofia Hippie, é a frase “Paz e Amor.” As pessoas tinham vontade de lutar contra o sistema estabelecido pelos seus pais, almejando uma vida mais livre, longe do mercado de consumo e das convenções sociais. Pregavam o amor livre, sexo, drogas e rock’n roll. Eram avessas aos empregos regulares ‘de carteira assinada’, à filosofia pregada nas escolas, enfim, eram contra todas as ideias que consideravam repressivas do Eu.
Naqueles tempos, surgiram vários movimentos, e a Nova Era (que persiste até os dias de hoje) foi um deles. As pessoas envolvidas tinham uma visão holística da vida, e saíam pelas ruas de cabeça raspada, envoltos em túnicas coloridas, cantando mantras indianos e vendendo incensos. Eu mesma comprei vários daqueles incensos, e acho que meu gosto por eles, que prevalece até hoje, surgiu naquela época.
Os Hare Krishna eram figuras simpáticas, encantadoras e curiosas. O que a gente não sabia, é que eles faziam uma espécie de trabalho escravo para seus gurus, e sofriam lavagem cerebral. Muitos eram arrancados de suas famílias e passavam a morar em comunidades, obedecendo aos seus gurus em tudo o que eles ordenavam. Ou seja: saiam de um sistema que consideravam repressor e entravam em um outro bem pior! Todo mundo já ouviu falar dessas comunidades religiosas, e de pais desesperados que tiveram que tirar seus filhos delas usando força policial e psicólogos para tentarem desfazer os efeitos da lavagem cerebral.
Alguns eventos daquela época realmente me impressionaram, e adolescente, eu lia sobre eles e lamentava não ter sido uma adulta naquela época para poder tê-los visto de perto; um deles, foi o Festival de música em Woodstock, em 1969. Eu tinha então quatro anos. Também gostava de ver as passeatas e manifestações populares contra a guerra do Vietnam, os panteras Negras, o Women’s Lib, e aqui no Brasil, a Tropicália. Eu só enxergava a paixão daquilo tudo, as coisas acontecendo em ritmo acelerado, o mundo mudando, sem ter a menor ideia do que elas realmente significavam. Eu associava aquilo tudo à palavra Liberdade. Mas também não sabia muito bem o que ela significava.
Depois que cresci e comecei a analisar melhor aquilo tudo, eu me perguntei: aonde foram parar todos aqueles hippies idealistas? Bem, eles também cresceram e se adequaram ao sistema. “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.” A necessidade fez com que deixassem as comunidades, pois morar amontoado sem direito à privacidade, dividindo tudo com todo mundo, pode ser bem cansativo depois de algum tempo, pois quando largamos o binóculo e vamos para o campo daquilo que antes observávamos como meros expectadores, passamos a ver além da paisagem bonita, abrangida pelas lentes. As crianças dos anos sessenta se cansaram de brincar de hippies e arranjaram empregos e famílias, adequando-se ao mundo capitalista – que é a vida real.
Mais recentemente, porém, parece que o movimento Hippie ressuscitou dos mortos, mas com um nome diferente: Movimentos Esquerdistas. Novamente, os jovens piraram e se revoltaram contra o sistema; a coisa tornou-se política e nada espiritual. Bem, pelo menos os hippies dos anos 60 eram bem menos agressivos, pois viviam e deixavam viver. Os de hoje parecem tomar nitroglicerina no café da manhã e querem – exigem – que todo mundo pense igual a eles, sob pena de serem surrados tanto física quanto moralmente nas redes sociais. Novamente vejo surgir aquele idealismo contra o sistema vigente, o tal grito de liberdade, o socialismo sendo pregado (imposto) aos quatro cantos do país e até mesmo do mundo, frequentemente de maneira violenta: tudo pela causa. E eles acreditam que esta causa é deles e por eles, quando estão servindo a um guru bem mais perigoso e egoísta: o guru político. E se você não está com eles, está contra eles, e é um fascista, capitalista, egoísta e outros tipos de ‘istas.’
Assim como o Movimento Hippie ascendeu e descendeu, após o choque cruel da realidade, estou esperando o momento em que esses jovens vão crescer, substituir a nitroglicerina por café com leite e decidir cuidar da própria vida, que é a melhor coisa que cada um de nós pode fazer. Ninguém vai salvar o mundo. O mundo não necessita ser salvo. Se cada um salvar a si próprio, já terá sido um grande progresso na evolução da humanidade. Acho que a verdadeira liberdade, é quando a gente compreende isso.