É caro ser pobre
Um dia estava andando de ônibus na W3 e um jovem de um pouco mais de vinte anos entrou para pedir dinheiro. Tenho dúvidas a respeito de dar dinheiro, especialmente para alguém saudável, mas o depoimento dele me tocou. Disse que era um jovem de classe média como qualquer um de nós. Que às vezes deixava comida no prato porque estava com “nojinho”. Há poucos anos estudava em uma faculdade. Ele só tinha a mãe e ela morreu. Ele procurou estágio, procurou empregos. Depois de alguns meses sem pagar a faculdade ele deixou de cursá-la. Não pagava aluguel e foi parar na rua.
Um dia ele foi a um posto de gasolina onde estava escrito “banho a dois reais”. Ao pedir a chave para o banho lhe cobraram dez reais. Indignado ele falou que estava escrito que o banho é dois reais. Explicaram que dois reais é para cliente, para mendigo é dez. Esta discriminação é ilegal, mas ele iria recorrer a quem? Chamaria um delegado ou um policial para defender seus direitos? Um promotor público? Claro que não. Mesmo que eles o levassem a sério não tem um celular para ligar para eles. Me solidarizei e dei dois reais para o Washington.
Passei o resto da viagem toda pensando a respeito de como é caro ser pobre. Um servidor público pega empréstimo consignado a juros baixos, o dono de uma grande empresa pega empréstimo subsidiado pelo BNDES. Ao passo que uma trabalhadora autônoma, mãe solteira de dois filhos pegará a linha de empréstimo mais cara do banco. Já a situação contrária, a de emprestar para o banco, remunera bem mais o rico do que o pobre. Os 200 reais que a mãe solteira guardou com muito custo na poupança vai render - se tanto - meio por cento mais TR. Os dois bilhões que o dono de uma grande empresa guarda por poucos dias vai render mais do que a SELIC. A discrepância se dá também fora do sistema financeiro. A passagem de ônibus que a mãe solteira vai pegar para ir do ABC (que fica no Goiás) é o dobro do preço da passagem que um morador do plano paga para chegar ao lugar de trabalho.
Isto sem contar o custo da ignorância e da falta de estrutura. A pessoa pobre tem mais chance de não saber acionar algum mecanismo legal - como o tribunal de pequenas causas ou como reivindicar a aposentadoria. Imagine então uma analfabeta! Quanto a falta de estrutura, já pensou o quanto custa não ter acesso a um smartfone e à internet? Uma pessoa de classe média facilmente instala programas de educação (como o duolingo, para aprender uma segunda língua) ou encontra a trajetória para chegar a algum lugar. O aplicativo moovit mostra o tempo de translado indo em diversos meios (ônibus, bicicleta, uber) e as linhas de ônibus para chegar ao destino.
Você já percebeu que é possível passar a vida mostrando diversos aspectos em que a pobreza cobra caro. O caso de cobrar mais pelo banho do Washington foi uma sacanagem de uma pessoa insensível ao próximo. Na maioria dos casos, entretanto, são as regras do jogo. De um jogo muito injusto. Uma viagem de um lugar distante é mais cara do que a viagem de um lugar próximo. Um banco assume pouco risco emprestando a um servidor, assume muito risco emprestando a uma mãe trabalhadora autônoma. Um jovem de doze anos já ganhou um smartphone e em poucos dias aprende a usá-lo, algumas pessoas nunca aprendem sequer a ler.
É claro que muita gente supera as adversidades e conseguem ascender na pirâmide social. Alguns, mesmo analfabetos, chegam à riqueza. Mas esta é a exceção. Em um mundo cada vez mais competitivo a regra é que as pessoas menos competitivas (leia-se: menos educadas, menos disciplinadas, menos bem relacionadas) sejam jogadas para o fundo da pirâmide social. Há uma solução para isto. O primeiro que vi a defendendo foi o Eduardo Suplicy com a sua proposta ‘Renda Cidadã’. Uma renda universal. Nomes consagrados do capitalismo também a defendem: Elon Musk, Mark Zuckerberg e Bill Gates. Agora uma pergunta para você ficar pensando após ler o texto: por que os maiores nomes da tecnologia defendem a renda universal?