O PAU DO ÍNDIO
Índio diz que antas foste Terra Brasilis. Antas de antes, de antigamente, donde cantavam urutus para os filhos da Iracema cujos lábios ainda não eram siliconados.
Índio da américa lá de cima papa um China in Box; índio aqui embaixo morre de malária, tuberculose, inanição. Índio rindo, dirigindo Grand Cherokee; índio mendigo, rema uma piroga.
Índios, um povo autóctone, os legitimados das terras de além-mar, aviltados por suas idiossincrasias, laços de parentesco... Índio, posso fazer uma fotinha? Atenção: índios não ameríndios há.
Quando Cabral pensou no índio, o selvagem já meditava repousando em redes sociais, já praticava o nudismo, o comunismo... Mas aí esses gajos chegaram e foram logo dizendo “índio, tu estás nu!”; “índio, tu não tens apito! ...” Então, desconfiado e mais ainda contrariado, o índio arrebatou um daqueles malditos espelhinhos das mãos de um dos visitantes, scaneou todo o seu corpo bronzeado à base de óleo de urucum e, em seguida, respondeu que sim, estava realmente nu. Mas que, quanto ao apito, esse era retrátil, apenas estava guardado; e que sabia executar um fado em qualquer nota, inclusive, em si.
De lá pra cá, rolaram muitas bachianas boas, muita marchinha de carnaval, muito sambinha sincopado, mas o índio apenas continuou nu no meio disso tudo. Houve muito toque de recolher, muitos toques para escolher... mas o índio não se tocou. Continuou tocando o seu apito retrátil e com acordes em si.
Na verdade, o índio, para continuar a ser índio, nunca pensou em virar sabonete. Não foi ele, por exemplo, quem inventou a fila para idosos, o salário mínimo, a vergonha que está debaixo dos nossos viadutos, a violência contra as mulheres, a corrupção ou o preconceito contra negros e homossexuais.
É realmente triste essa constatação, mas, do índio agora, nem o pau é brasileiro.