Deus Ex-Machina
(still do vídeo "Máquinas do Tempo", de Rogerio Negrao,2017)
A exposição multimídia "Máquinas do tempo" de Rogerio Negrao no Museu de Arte de Joinville nos faz lembrar o Deus Ex-Machina do teatro grego clássico, literalmente o deus de dentro da máquina, aquele recurso usado por Eurípedes, de uma figura divina baixada por cordas, para resolver a lógica interna de uma situação improvável. Se Aristófanes, Aristóteles e tantos outros, mesmo Nietzsche o condenaram deve-se ir além de ser mero dispositivo cênico para investigar sua relação com o metafísico, o espanto inicial levando à reflexão pela suspensão da descrença, ao sacrifício do realismo pelo gozo; somos transportados à poética do artista, uma ficção que questiona a realidade como tal, não a julgamos, mas somos transportados a outro modo de vê-la.
Essa relação simbiótica dos seres humanos com as máquinas surgidas na Revolução Industrial e com os projetos inverossímeis na era vitoriana, pretendendo usar da tecnologia para obter eficácia, é a proposta de "Máquinas do abismo", a exposição se abrindo com dois extensos painéis apropriados de desenhos patenteados da Revolução Industrial, ordenados dentro do caos imaginário de seus inventores, balanços e rodas de escape, coroas e pinhões, cremalheiras, pesos oscilantes, o tourbillon anti-gravitacional e a biela-manivela de Pickar, o governador centrífugo de Watt com suas bolas flutuantes. E o artista os agrupa em novas máquinas sensoriais poéticas: começando pelo Horizonte portátil, tais como receptáculos humanos agrupados formando uma linha de horizonte artificial,e cujos líquidos vibram com o som do remoer das engrenagens, um aviso à instabilidade de nossas percepções; seguem-se o nivelador de destinos, o estabilizador de imprevistos, o purificador de erros, o compactador de lucidez, o captador de aparências e afinidades e o neutralizador do medo, cada um deles um objeto único no nosso mundo.
Tal como demiurgo Rogerio Negrao é o Deus Ex-Machina, o artífex de um universo cuidadosamente elaborado em que nada é fruto do acaso, a razão acima da emoção e a imersão em si mesmo nas órbitas planetárias.
Albert Einstein disse: Quanto mais eu observo o Universo mais ele se parece a um grande pensamento do que uma grande máquina. Sim, a "Maquina do Abismo" surge aqui como lenda teogônica conquistando seu espaço, impondo-se à ação do automato planetário que remonta aos relógios planetários da Renascença, aos mecanismos de 1560, então símbolos materiais de conhecimento dos reis da Saxônia, 400 anos antes das elucubrações vitorianas.As metáforas construídas pelo artista para ativar o moto-contínuo do pensamento e o impulso elétrico das conexões axônicas espera que o Deus ex-máquina de cada um subverta o palatável e realize o grande anseio de criar um sentido para a vida, através da instrumentalização de que dispõe.
 
Walter De Queiroz Guerreiro
Historiador e membro da Associação Brasileira e Internacional de Críticos de Arte
(ABCA / AICA).
Walter de Queiroz Guerreiro
Enviado por Walter de Queiroz Guerreiro em 14/04/2018
Reeditado em 14/04/2018
Código do texto: T6308177
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