Imagens do juízo final caíram sobre a cabeça como um mar de vidro misturado com fogo. E os extremos se confrontaram numa batalha interminável: Tudo é pecado...nada é pecado...
O que é pecado para a mulher, não o é para o homem.
É o padrão social ditado pelas regras de uma sociedade machista. Ninguém grita ou reclama: ‘Cadê o homem que adulterou com ela?’ Entre os crentes do amor e da morte está o ancião com uma pedra, preste a atirar naquela com quem adulterou.
Negrume e temores invadem a alma como a onda que insiste em vencer os limites da praia com visões noturnas, sonhos e pesadelos. Confusão.
Terror e o medo sacodem todos os seus ossos. Despertada, a viúva suplica a Deus por misericórdia; limitada como cavalgadura adornada com antolho, ela não vê nada que se passa à sua direita, nem à esquerda. E chora no silêncio do do seu quarto, e sente saudade de Androceu. ‘Pobre homem! Rosado e gordo como um porco duroc! Só fazia mal a si mesmo. Se não bebesse tanto, teria sido bom esposo.’
Durante sete semanas Chanana Tupixá vestiu luto na cor azul, e ouviu insultos, chacota e zombarias. “ Azul é minha cor preferida, mocinha!”
— Vá com essa conversa pra lá, Anacleto! Sou uma mulher casada.
— Queres dizer viúva, não? Pelo visto, ficou bem arranjada.
— Vá à merda, Anacleto!
Malandro escolado. Solteiro. Embora pai de um filho, Anacleto Teixeira sabia que Chanana tinha boa pensão do falecido, o faturamento do colégio Integral, e, a ajuda do cunhado que, em época de safra do pequi, mandava trazer de Montes Claros dúzias e dúzias daquele fruto do cerrado para Chanana.
O cunhado se escondia por trás de muitas máscaras: católico praticante, pouco lhe faltava para dizer missa. Talvez fosse bom pai, mas bom esposo não era. Não era mesmo! Acendia uma vela para Deus, e o inimigo apagava. Chegou a pensar em suicídio, mas não tinha coragem de matar uma galinha. Tirar a própria vida. Matar ele mesmo?... Cruz credo!
Sacripanta!... Sentia-se um fariseu. Rezava mil ave-marias em um só dia e às vezes, em mil dias não rezava uma só ave-maria. Pela fé, abria porta sem chave. E com a chave na mão, fechava as portas do céu. Nunca mentia. Fazia humor e escrevia ficção. Era o outro eu de si mesmo, outra personalidade de uma mesma pessoa.
Criou personagem que mostram as diferentes culturas dos lugares por onde passavam, mas, ele mesmo, escondia seu próprio rosto. Libertava uma mosca que se debatia na teia da aranha. E esmagava, cruelmente, a barata que pousasse em sua careca. Chegava ao ponto de segurar o riso em velórios. E chorar numa festa de formatura.
Todos os seus personagens choravam com ele, porque carregavam nas veias, em partes menores, o DNA de seu criador. Lia muito, e pouco era lido. Zelava dos personagens como se humanos fossem, e alguns, até o eram ou se tornavam humanos, porque a ficção se revelava palpável.
Pecava muitas vezes, e muitas vezes, prostrado, confessava seus pecados.
Seu personagens são reais, e em muitos momentos,, deixavam pingar, verdadeiramente, gotas de lágrimas no papel, e viajavam em estrada sem fim... em nuvens brancas e roxo-acinzentadas, carregadas de paixão suor e medo.
Não escreveu autobiografia. E nenhum personagem é alter ego seu. Cada um deles carrega no DNA uma partícula daquele que o criou. O todo está na parte, e a parte está no todo, como grão de areia, que um dia se tornará pedra, ou uma pedra que transformará em grão de areia. Fala pelos leitores, e com os leitores, neste ou naquele personagem, nesta ou naquela situação levantada.
Alguns leitores lhe atiram pedras: ‘Pecador... Pecador!’ Outros dirão ‘santo, santo,’ mas não dirão três vezes.
Existem também os que não se interessam em saber por onde andou o peregrino. Mandam-no, por antecipação, direto para o céu, ou lhe desejam o abismo profundo, porque ele fala do pecado coletivo, como se fosse seu. Muitos foram aqueles que o importunaram com admoestações:“ Você é fumante? Vai para o inferno se não parar de fumar.”
Outro que diz: “Jogue esse cigarro fora, faz mal... Tem muitos produtos tóxicos nele”
A este o fumante respondia: " Cada cigarro contém mais de 4700 substâncias tóxicas..." E pensava... às vezes até dizia em alto e bom tom: "Não sou analfabeto." E exibia um maço de cigarros em que, por força de Lei, estava impressa a informação sobre os perigos do tabagismo.
Acrescentava de sua parte: "Devo processar o Estado pela inforamção e as imagens que levam o fabricante apresentar provas contra si mesmo? Ou pelo mal que aquelas imagem provocam em todo meu ser físico e espiritual?
Vibrações capturadas qualquer um dos cinco sentidos, agem positiva, ou negativamente, tanto no corpo físico quanto no espiritual. Então, devo processar o governo por obrigar-me a absorver imagens horrendas de dor, sofrimento, e morte que ele mandou estampar nas embalagens dos produtos que consumo?
O fumante se contém e nada diz. Apenas pensa: “tua língua também faz mal. Nem por isso a jogas fora. " Pecados! Quem não os tem? Meu pecado é público. Qual é seu pecado oculto?...
O confronto derradeiro entre os extremos se dará no juízo final. Até lá, prevalece a virtude que deve estar centrada no amor.
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Adalbertro Lima, trecho de "Estrada sem fim..."
Contato: adalbertolimapoetadedeus@gmail.com