O QUE NOS TORNA REALMENTE HUMANOS?
Comentários sobre o quesito “maldade humana”
*Por Antônio F. Bispo
Assim que anoiteceu nesta Quarta-feira 21 de Março de 2018, e os efeitos do apagão geral Norte-Nordeste pode ser percebido em sua totalidade a partir das 7 da noite, me veio mais uma vez à mesma lembrança que durante anos repetia-se em minha mente toda vez que um apagão acontecia á noite em sala de aula, num passado não muito distante. O instinto de proteção e sobrevivência era ativado toda vez que faltava luz a partir desse horário mesmo sem estar mais em aula. Fiquei assim por anos. O motivo?
Tudo começou quando eu tinha uns 13 anos de idade. Arranjei meu primeiro emprego de verdade (naquela época era permitido) e passei a estudar a noite. Sala lotada, mais de 50 alunos, não havia cadeiras para todos, alguns sentavam no chão, outros na base de ferro da cadeira sem assento, outros ficavam de pé assistindo aula mesmo. Quando chovia era o maior sufoco pois havia goteira pra todo lado e nem no chão podíamos sentar.
Alguns alunos nessa época andavam até 5 km a pé ou de bicicleta para virem a escola. Eram tempos difíceis! Nenhum dos programas sociais que ouvimos falar hoje tínhamos acesso naquela época! Como em todo lugar, havia naquela sala pessoas realmente interessadas em aprender alguma coisa e outros que nada queriam. Alguns com até 5 anos seguidos repetindo a mesma série que nunca viravam homens de verdade apesar de alguns destes já passarem da casa dos 22 anos de idade. Eram eternos moleques irresponsáveis, que parecia achar bonito aquele estilo de vida prejudicial a todos. Eles iam para a escola apenas infernizar a vida de outros e atrapalhar quem realmente queria estudar.
O maior de todos os perigos era sempre em apagões: cadeiras misteriosas eram lançadas no ar de forma aleatória, podendo cair em cima de qualquer pessoa. Em várias ocasiões alunos eram feridos quando a cadeira caia na cabeça destes. Pegamos o costume de pôr as mãos na cabeça logo que a luz apagava, protegendo os olhos, nariz ou ouvidos ou então ficávamos em posição fetal abaixados, ou saíamos rastejando até a saída, tateando no escuro, atropelando uns aos outros, no intuito de ficarmos fora da zona de perigo.
Nunca achou-se até aqueles dias o autor de tal façanha. Ele nunca assumia responsabilidade, nunca admitia e nunca sentia culpa pelos seus atos. As vezes até se fazia de vítima. As vezes ria. As vezes se mostrava prestativo para ajudar quem ele machucou como forma de ficar livre de suspeitas. Essa era uma mão misteriosa que projetava a cadeiras para cima com o único intuito: ferir pessoas! A mão do demônio...era assim que alguns diziam.
Pelo menos 2 vez por mês tínhamos queda de energia. Pelo menos duas vez por mês tínhamos de passar esse sufoco! Em certas ocasiões houve apagões diários numa mesma semana e o pavor tomava conta de muitos, principalmente dos menores e mais novos como era o meu caso. A luz sempre demorava alguns minutos para chegar.
Em certa ocasião, houve um apagão e em menos de 3 segundos a luz voltou. Era exatamente o tempo em que levávamos para nos dar conta do ocorrido e nos protegermos. Já estávamos suspeitando de um determinado aluno, mas ele não assumia. Nesse dia, quando a luz voltou todos olhamos em direção a ele, e lá estava ele com a cadeira erguida, pronta para jogar...foi pego com a mão na massa. Não tinha mais como negar!
Nunca esqueço daquela cena, daquele rosto, daquele sorriso demoníaco...ele ficou imensamente frustrado por não ter executado aquilo que lhe dava prazer e ao invés de demonstrar arrependimento, ficou irritado e xingou uns palavrões por não concluir o ato e se retirou enraivecido. Com esse feito ele foi suspenso por algum tempo, mas nunca pediu desculpas nem se retratou com ninguém por aquelas maldades.
Ele não era um adolescente! Era homem feito com mais de 20 anos, com vários anos repetindo a mesma série! Era um tipo que parece que nascera para infernizar a vida alheia e sentia prazer no que fazia.
Hoje não preciso mais proteger a cabeça, nem fazer posição fetal ou andar rastejando toda vez que a luz apaga de repente, mas por vários anos tive quase que essa reação instantânea assim que o escuro tomava o ambiente em que eu estava de forma repentina. Passei vários anos me protegendo de cadeiras imaginárias que poderiam vir em minha direção, mesmo sem dizer isso a ninguém. Apenas lembranças me restam e motivos para refletir sobre o comportamento humano.
Minha grande pergunta para esse tipo de gente sempre foi: Por que? Por que fazer mal a pessoas que não lhes fizeram nada? Por que se deliciar enquanto fazem outras pessoas sofrer no corpo ou na alma? Por que causar tortura, dor e sofrimento a pessoas que nem se quer sabemos o nome ou o que elas fazem? Por que sentir prazer com a desgraça alheia?
Nunca encontrei de fato as respostas. Nunca vi uma cura total na maioria dos casos para boa parte dessas pessoas mesmo elas mudando de cidade, religião ou emprego. Anda e vira e seus nomes estão envolvidos com algum tipo de trama sinistra para prejudicar a vida de alguém outra vez. Alguns poucos conseguem reverter essa situação e ocupar seu lugar na sociedade.
Algumas pessoas encerram o assunto da maldade humana sem motivo algum com apenas uma palavra: psicopatia! Não acredito que um caso de tamanha complexidade possa ser reduzido apenas a uma palavra de 10 letras. Um estudo mais aprofundado sobre esse comportamento seria um modo mais expressivo de retratar tais pessoas, de entender seu mundo, de como se livrar delas ou de como enquadrar elas em seu devido lugar sem precisar descer ao nível delas. Pena que quase nunca te ensinam se livrar de gente assim, mas muita gente até sentem o prazer de te visitar e dizer “deus te ajude” quando você já foi prejudicado por tais indivíduos. Parece até uma forma conivente de sentir prazer também! Pior ainda é quando te dizem: “se ferrou”! Por você ter sido vítima de uma pessoa de maldade incalculável!
Uma coisa que sempre me pergunto desde criança: somos todos humanos ou algumas pessoas são monstros usando pele humana para nos enganar? O que nos torna humano? É nosso aspecto físico? Nossa cor, raça, religião, ofício...? Será que é nossa capacidade de comunicação? Nosso sistema biológico? Nossa estrutura corporal? Nossa capacidade de vivermos em grupos? Nossos sistema de leis? O que realmente define um ser humano? Também ainda não encontrei uma resposta agradável que pudesse silenciar todas as perguntas. Há sempre uma variável nas respostas que faz remontar toda equação e voltar sempre à estaca zero.
Quem sabe, ser humano seja apenas um conceito para definir primatas falantes (ou homens de barro, como queiram)! Quem sabe sejamos apenas uma consciência multidimensional vestindo uma roupagem humana momentânea! Quem sabe pessoas com esse nível de maldade seja apenas fruto de um país do “jeitinho”, onde as leis tem sido aplicadas conforme a quantidade de dinheiro e amigos “poderosos” que uma pessoa venha possuir! Quem sabe pessoas assim são realmente seres das trevas, mentes não evoluídas ou coisa do tipo!
Há vários conceitos religiosos e filosóficos para caracterizar a origem do bem e do mal no ser humano. Nesse texto meu objetivo é apenas estimular o pensamento acerca do assunto e não por um ponto final no assunto. Só pessoas tolas, arrogantes e prepotentes jugam ter todas as respostas mesmo nunca tendo ouvido pronunciar a pergunta.
Apesar de tudo, por outro lado sou levado a pensar que algumas pessoas estão apenas correspondendo às expectativas do desejo inconsciente e coletivo em geral. Do mesmo modo que existem pessoas cujo prazer maior é praticar maldades, por outro lado, uma grande maioria de nós se deleita em comentar as maldades e as desgraças dos outros, como se fosse uma simbiose entre produtor, fornecedor e consumidor, em que um só existe por que depende do outro.
Note que as notícias mais vendidas em geral sempre se referem a tragédias, escândalos, chacinas e corrupções a nível coletivo. A nível grupal, na rodinha de amigos, os assuntos mais comentados é sobre traição, sobre quem estar levando ou pondo chifres em quem. Esse assunto fica melhor se durante a descoberta da traição houver brigas, barracos, baixarias, ou separação de bens onde um fica com tudo e outro fica sem nada! A cereja do bolo nessa doentia roda de conversa é saber que o traidor ou quem estar sendo traído faz parte de um grupo de amigos próximo a nós. Se falar das desgraças de quem estar longe já é bom, imagine falar de quem estar perto! Eeeeeita que os olhos de muitos brilham e a boca enche de água numa hora dessas, como se tivessem ganhado numa loteria ou estivessem diante de um comida bem gostosa. Dá um prazer enorme falar mal dos outros, não é?
Por esse motivo, os canais de maior audiência são exatamente os que mais mostram esse tipo de coisa. Pergunte o nome de um único cientista da atualidade que estar trabalhando duro para desenvolver tecnologias que vão ajudar nossa saúde ou meio de vida e quase ninguém sabe. Pergunte quantas celebridades ou pessoas conhecidas separou, casou ou traiu nas últimas duas semanas e você vai perder horas ouvindo detalhes precisos desses relatos.
Moramos num planeta lindo, com milhões de coisas boas para serem mostradas, mas o que mais se mostra é o que não presta, o que nos destrói a alma, o que aumenta nosso instinto para a violência e ódio... Por que isso? A mídia dita o que consumimos ou nossos gostos é quem dita o que a mídia deve produzir? O que realmente somos? Um bando de loucos inventando seres metafísicos para assumir responsabilidades por nossos atos?
Quanto ao prazer de projetar o mal-estar social, alguns modelos de cultos religiosos nem se falam! Quando não estão iludindo os fiéis contando detalhes surreais de seres surreais que só existem na cabeça de quem os criou, estão despertando sentimentos de ódio, ira, inveja, cobiça, orgulho, hipocrisia, falsidade, prepotência e arrogância nos fieis, ou então intimidando-os com ameaças de inferno e pragas. Pra que isso?
É o grau de escolaridade que torna uma pessoa mais humana? Com certeza não! Note que em vários casos, quanto mais cresce uma pessoa em títulos acadêmicos, mais aumenta sua falta de caráter e seu desrespeito pela vida de quem quer que seja! Alguns nesses casos, deixam de ser chamado popularmente de “bandidos” e passam a ser chamado de “vossa excelência” e “seu doutor” mas nada em seu comportamento mudou, antes sim piorou, com a grande diferença que as dimensões do alcance de sua maldade também se expandiu.
É a escassez de recursos que torna o homem um animal? Com certeza não! Observe que as maiores subtrações sociais e apropriação indébita de bens alheios não veio do miserável, que nada tinha para comer, que roubou apenas para se alimentar. Os maiores desvios de dinheiro, recursos ou manipulação de informações veio exatamente daqueles que mais tinham e nada precisavam!
São os títulos que portamos ou adquirimos que nos tornam seres “bestiais” ou “angelicais”? Provavelmente não! Há homens que são sábios não tendo escolaridade alguma e a tolos, estupido e arrogantes portando os maiores dos títulos honoríficos que alguém poderia conseguir! Há pessoas fardadas ou de altas patentes sociais sem caráter algum, do mesmo modo que há pessoas de mãos calejadas que dão lição de honestidade!
Seria a maldade de alguns indivíduos uma maldição de família? Herança genética? Predestinação? O que realmente faz com que algumas pessoas sejam boas e mantenham a postura mesmo tendo sido tratado mal durante muito tempo, e o que exatamente faz uma pessoa ser má mesmo tendo sido tratada com os melhores mimos que alguém poderia ter?
Note que há pessoas que não precisam ser policiadas nem vigiadas em nada para terem boa conduta ou serem honestas. Elas são o que são na ausência ou presença do seu chefe, conjugue, família, filhos, amigos etc. Enquanto outros só precisam de 5 segundos fora da vista de outras pessoas para fazer todo tipo de bobagens pensáveis e impensáveis como trocar gestos obscenos ou de duplo sentido com outra pessoa, roubar ou ganhar um beijo mesmo sendo comprometido, dar ou levar uma dedada na genitália mesmo estando acompanhado do seu parceiro numa multidão, trocar bilhetes ou número de telefone num rápido aperto de mão para aventuras maiores quando estiver a sós, receber ou ofertar propina, encomendar assassinatos, se entregaras mentiras, traições, enganos, ou executar planos que até personagens de filmes de ficção teria de aprender. Tudo isso elas são capazes de fazer embaixo de seu nariz seja você o genitor, o conjugue, o chefe ou o amigo dessa pessoa.
Não se sinta mal nem “frouxo” por isso! O erro não estar em você! Frases de chacotas sempre serão despejadas sem dó em cima de você, de modo instantâneo da boca de gente medíocre numa situação dessas e a culpa não é sua! Você só estava preservando seus valores morais, enquanto o outro nem sabe o que é isso! Em certos caso você ainda será ofendido e agredido verbalmente se decidires manter o equilíbrio ao constatar a falta de caráter de outros. Tem que partir para violência para saciar ainda mais a sede de gente cujo cérebro ou coração parecem ter sido subtraído no nascimento! Não vá por esse caminho!
Por mais que você vigie um mau caráter ou uma pessoa sem escrúpulo, você sempre vai sair “perdendo” pois ela vai sempre arranjar um jeito de lhe enganar. O pior de tudo como já citado, é que a sociedade inverte os fatos, e ridiculariza a pessoa que foi traído, enganado, prejudicado e não o infiel. Já pensou? A pessoa que manteve a postura, que não desceu ao nível da baixaria, que não se igualou ao nível da falta de caráter da pessoa malévola será sempre o corno, o chifrudo, o otário, o babaca, o retardado, o conivente...
Vá entender essa sociedade (cristã), que ao mesmo tempo que condena a violência, deseja ver o circo pegar fogo e uma tragédia acontecer, toda vez que um “babado” estar por se revelar, principalmente se for com uma “inimiga”! Pra que inventar o diabo quando há um sentimento das trevas residindo em cada um dos que agem assim? Acho que tais pessoas é que tentam o mal, e não o contrário.
Será que é a capacidade de produzirmos tecnologia que nos diferencia dos animais? Talvez não! Quando não usamos a clava, estamos usando a fé para massacrar nossos “inimigos” e demarcar território! Quando não usamos a clava e a fé usamos todo tipo de tecnologia disponível ou desconhecida para subjugar nosso “oponente”, como se vivêssemos numa escassez tão grande que o pedaço de pão que arrancamos da boca do outro seria o último que nos resta em todo o planeta.
Animais se atacam, se ferem e se aniquilam sempre por dois motivos: desejo de fecundar ou ser fecundado e demarcação de território para sobrevivência! E os humanos? Se atacam e se aniquilam pelo que mesmo? No fundo no fundo pelos mesmos motivos que os animais: acasalar e demarcar território!
O que nos define então como seres racionais já que no fundo os instintos são os mesmos? Será a crença em deus? Será nossa capacidade de produzir o verbo? O que será que nos torna “coroa da criação” como diz a bíblia? Quem já estudou um pouco de psicologia freudiana pode lembrar que ele dizia que por trás de tudo que fazemos, o objetivo principal resume-se praticamente nisso que citei: sexo, sexo, sexo, sexo....
Se para avaliarmos o grau de evolução fossemos levar em conta o quesito maldade humana, acho que nossa espécie seria reduzida quem sabe a um patamar abaixo de muitos animais. Gostamos da maldade, multiplicamos a maldade e nos deleitamos nela. Pior ainda: quando ela nos falta vamos à sua procura! Criamos guerras sem motivos e inimigos imaginários para que a peleja, a violência e o males que estes causam nos acompanhem sempre!
Que coisa”! O que realmente somos? Fazer esse tipo de pergunta não revela uma crise existencial, antes sim pode incentivar milhares de outros questionamentos para que soluções sejam apontadas e a evolução aconteça! Já dizia um certo sábio: “não são as repostas que move o mundo! São as perguntas”! Se fizermos as perguntas certas poderemos obter uma resposta mais aproximada daquilo que podemos chamar de verdade!
Poucas pessoas conseguem perceber realmente como estão se comportando. É mais fácil sempre observar o comportamento alheio, adjetivar, condenar ou subjugar o outro! Olhar para nós mesmos é bem mais difícil! Acredito que a maior de todas as conquistas desse presente século não será a conquista de mundos á fora, nem o contato com seres de outros planetas.
Acredito que a maior conquista da humanidade deve ser a de se conhecer melhor como indivíduo e como povo, se libertar das velhas crenças que aprisionam a mentalidade humana desde os mais remotos tempos e partir em busca do contato consigo mesmo, deixando de agir de modo mecânico como massa de manobra e passar a agir como pessoa, indivíduo, ser pensante... Assim quem sabe teremos dado um passo enorme em nossa evolução. Assim quem sabe possamos compreender um pouco melhor o sentido de “ser humano”.
Você estar pronto para fazer as perguntas certas? Você estar pronto para enfrentar as respostas dessas mesmas perguntas? Você estar pronto para se enveredar pelas várias respostas que uma mesma pergunta pode ter? E depois, o que vai fazer com essa informação? Que procura a verdade absoluta e inquestionável deve se afiliar a uma igreja e viver sob o duro chicote dos que tem na ingenuidade alheia sua fonte de renda e poder.
Filosofar e questionar pode ser um caminho sem volta, onde só existe o além, uma estrada sem recuo...Você estar pronto?
Saúde e sanidade a todos!
Texto escrito em 21/3/18
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.