Adalberto Lima
Estrada sem fim...
—romance—
Outros títulos cogitados:
— A Dama do metrô
— Estrela que o vento soprou
— Sete Faces Congeladas
— Paraíso Perdido
Editora ...
Rio de Janeiro 2018
Revisão:
Estrada sem fim...
Sobre o autor
Interrompeu sua graduação no quarto período de letras, e dedicou-se àquilo que mais gosta: ler e escrever. Participou de 23 antologias e publicou em 2008 seu primeiro ‘solo.’ Naquele mesmo ano, após um acidente na plataforma do metrô, iniciou os trabalhos de construção de seu primeiro romance. Dez anos se passaram. Agora passa o bastão de comando para que o leitor continue a construção.
A quem
se entregou em sacrifício de oblação, e como ovelha muda nas mãos do tosquiador, resignou-se; não abriu a boca, não levantou a voz.
Interrompeu sua graduação no quarto período de letras, e dedicou-se àquilo que mais gosta: ler e escrever. Participou de 23 antologias e publicou em 2008 seu primeiro ‘solo.’ Naquele mesmo ano, após um acidente na plataforma do metrô, iniciou os trabalhos de construção de seu primeiro romance. Dez anos se passaram. Agora passa o bastão de comando para que o leitor continue a construção.
A quem
se entregou em sacrifício de oblação, e como ovelha muda nas mãos do tosquiador, resignou-se; não abriu a boca, não levantou a voz.
Estrada sem fim...
Meu caro amigo
Não pagarás nada a mais, se te encontrares neste livro. Também eu nada pagarei se em nada te encontrares.
Abraços,
O autor
Estrada sem fim...
Nota Prévia
•Gostei... me levou à minha infância, na casa da minha avó, quando eu ficava na cama adivinhando as sombras que entravam pelas frestas da janela. Muito bom. maria do rosario bessas. Recanto de Letras 06/02/2018 18:55.
•Meu bom Adalberto. Bom porque você é bom. Esse é o melhor fragmento que li da "Estrada sem fim". "Assado de panela com a sua panturrilha"... Francamente, a literatura é mesmo inesgotável. Nunca soube de um ossobuco mais sensual em toda a história literária da civilização ocidental. Forte abraço do Juiz Golden. Recanto das Letras, 12/05/2017 18:01
• Caro. Fico grato pela recepção. Li e apreciei duas obras tuas, por enquanto. Confesso que gosto de temas de humor, que foi o que me veio ao clicar. Lerei mais para depois dizer minha opinião. O ofício de crítico que tenho na Europa, pretendia não tê-lo no Brasil. Mas o costume me pilha a olhar com critério o que leio. Tentarei perder o hábito. Continuarei lendo. Para ti daqui de Madri. Portal Literal. Eu*Gênio · 14/11/2010.
•Ora, meu caro, ler seus escritos é um prazer...ouso acrescentar que é como encontrar um arco-íris em meio a turbulenta tempestade, ou, uma nesga de lua no negrume da madrugada...Grande abraço, Fatibel. Fátima Beltrame. Usinadeletras, quarta-feira, 16 de janeiro de 2008 1:45:17
•Teu texto traz a pureza madura, essencial à instrução em todas as idades. As palavras tocam, na verdade cutucando, emocionando, cobrando não apenas reflexão, mas atitudes. Matilde Diesel Borille. Recanto das Letras. União da Vitória – Paraná – Brasil. 10/06/2017 09:18h.
•Passo uma eternidade lendo seus textos e me embriagando com suas lindas letras. Um dia maravilhoso para você querido Professor! 15/10/2009... Ana Maria Carvalho. Recanto das letras.
•Belas tardes de domingo velejam na aurora das lembranças.” Queria estar diante da paisagem que vejo...25/09/2014 - Ana Liss. Recanto da Letras.
•Puxa! Meu companheiro, raramente se lê uma maravilha como essa "ÍNDIA APINAJÉ"! O linguajar caboclo e as belas metáforas enriqueceram sobremaneira esse belíssimo conto. O texto magnetiza. Prendeu-me do prólogo ao epílogo. Abraço amigo e até breve. Jajá de Guaraciaba. Recanto das Letras.11/09/2014.
•Meu Caro: Os romances são obras inacabadas. Sempre. Pelo fato de a Vida assim rebarbar... Não marque data para aprontar o trabalho. Adicione ou retire texto, somente quando estiver inspirado. Pense sobre o sentido de cada frasal, de cada parágrafo. ‘Não force a barra...’ Arnaldo Massari · Campinas (SP) · 1/12/2010
•A imaginação criativa permite esses voos, navegação de longo curso, um belo e profundo diálogo sobre a Alma, respaldado em colaborações de confrades do Portal. A sua faceta mística é para mim mais uma demonstração do talento criador que caracteriza teu trabalho. andré albuquerque · Recife (PE) 13/1/2011
• Sem temor nem medo, escarneceu do Anjo Negro e voou para a Luz’. Assim você conclui o seu texto, e nos deixa refletindo no poder da palavra, na beleza do sentimento que ela nos dá..., e nos convence. Paulo Valença. Recife (PE) 13/1/2011. Portal Literal.
•Surpreendente. Você consegue me fazer voltar as atenções para detalhes que aparentemente são principais, mas que, na verdade são periféricos; em seguida arremata sem piedade com algo que a princípio estava fora de contexto, contudo passa a ser o fulcro da 'estória’... Amigo: Fernão Capelo Gaivota, e o Pequeno Príncipe compilados como coadjuvantes numa só obra. Obrigado pelo presente! Que venha o próximo capítulo... Jairo de Salinas. Salinas da Margarida (BA) · 29/11/2010.
•Amigo meu! Você me colocou de freira? Confesso que falta pouco!... Este conto lindo me fez encher os olhos de lágrimas. Nem sei o porquê. Só sei que a alma extravasa ao ler coisas assim. Não sei se você quer que avalie o valor literário, ou o teor ortográfico e gramatical... Paola Rhoden. 21.11.2010. Portal Literal.
•O que não presenciará a estátua do poeta Drummond em Copacabana? Se pudesse falar, quantas histórias não nos contaria? Pelo fragmento retirado de outro texto maior (em tamanho) vislumbra-se excelente obra. Joaquim Oliveira Neto. Recanto das Letras, 16.03.2018.
• Beto! A verdade é que o ser humano é muito confuso, cheio de carências, materialista e egoísta... Mas tem dentro de si uma partícula divina que o leva a refletir, de vez em quando... E sofre... E chora...E é um coitado! Estava aqui depois de longo tempo, me atualizando nos teus textos, bebendo de tua “Água poética” e de tuas ricas opiniões, nem sempre acordes com as minhas, mas sempre sóbrias e saídas do coração e da razão!! Cada hora, uma surpresa...quando te procuro na Usina de Letras, parece que o “ O TÍTULO ME CHAMA” * * * Deixa um espacinho, para mim, no prefácio, que eu preciso falar de ti (...) Abraços! Milarder. Rio de Janeiro.
EM UMA ESTRADA SEM FIM...
— Com o amigo Adalberto Lima—
Como criação das faces vividas de cada personagem “Estrada sem fim,” descreve um passado que tangencia a fronteira tênue entre realidade e ficção, morte e vida acerca das possibilidades e impossibilidades. É sem submeter aos significados manifestos entre o Amor e a Felicidade que a dor e a subjetividade definem nas imagens contadas em diálogos por seus personagens, que trazem na alma o espetáculo do tempo e do mundo: um espetáculo de vida guardado nas faces de seus personagens. Enfim, a felicidade, a beleza, as turbulências, as criaturas, o sagrado e o profano, a angústia e a tristeza são menções iniciais que nos dão um perfil que, ao longo das narrativas, vão se trançando num sentido homogêneo da leitura. A integridade da obra está na veracidade das palavras, na transparência das atitudes, no compromisso com a verdade e nas reflexões fundamentadas, onde a força transformadora dessa está na lateralidade da vida como conjugação mirabolante de mundos possíveis.
A fortuna da riqueza em suas poesias, poemas, e contos, só favorecem para que, o meu conhecimento linguístico diacrônico, ao propor uma visão, que estuda não as relações entre os termos coexistentes de um estado da língua, mas entre os termos sucessivos que se forma, sendo substituído uns aos outros, ao longo do tempo do seu desempenho e do aperfeiçoamento nas suas criações literárias e poéticas. Eis, aqui a linguística evoluída, tendo como alicerce e viés da leitura, a história dos termos empregados pelo autor.... “Os gêneros literários não morrem,” Ao longo do tempo da história passaram por controvérsias, que foi difícil um consenso no que tange a uma classificação mais flexível, capaz de abranger a Agnemicidade do que leio nessa construção de almas. Até o cruzamento literário faz parte da criação deste escritor. A construção das identidades e as representações de mundo são retratadas com um olhar sistêmico—funcional. Com uma magnífica literatura de raiz. Através da sua composição lírica, usa e abusa das metáforas, das frases diretas e comparações. A obra estrutura-se tendo em vista a teorização, aplicação e encontro de alternativas aos problemas suscitados pela análise dos fenômenos de linguagem, em torno das intenções (individuais e coletivas) comunicativas na conversação do dia-a-dia, chistes, sonhos, controvérsias, das metáforas, da arte, da cultura regional, bem como discutem modelos de interpretação e compreensão em diferentes campos de ideias, questões teóricas e práticas que, contemplamos e observamos nas dimensões sintática, semântica e retórica da linguagem, que o escritor de diversos gêneros literários, utiliza com perfeição em suas construções. Sua ideologia como função estética é implícita. A construção morfossintática, que relaciona ideologia de um tempo passado com a arte aplicada, cumpre uma função estética no seu texto literário de coesão e coerência, estruturando-se como uma realidade formal e prendendo a atenção do leitor, até o término da narrativa, o componente semiótico na discussão social e familiar, busca em sua estrutura a presença de um discurso ideológico subjacente: o protesto da mãe quanto ao registro do filho com o nome Gagarin: ‘Não quero mais um ateu dentro de casa!’, revelando-nos o próprio discurso literário , ao sopesar os modos, os focos narrativos do ideal de fé. Se é verdade que aí podemos descortinar o reflexo do real, através da duplicação de desejos, costumes, também nos é facultado apontar o fio condutor da narrativa, como estrutura: o que é — quando pode ser— localizado num bloco que se isola de ensejos financeiros e, nos permite , como leitores, apreciar, avaliar e aplaudir uma construção semântica no seu conto. Suas palavras têm uma forte ligação, observando a composição poética "Anjo Negro", com a classificação dos estilos e dos gêneros da retórica (ou eloquência), que percebo e avalio na distribuição das palavras no texto. Adalberto Lima tem um estilo próprio, na sua forma humorística e ao mesmo tempo séria de descrever suas histórias. Com uma linguagem 'trivial' ele vai prendendo a atenção do leitor do inicio ao fim. E, é esse o principal papel de um escritor: despertar no leitor a curiosidade do final da história. Os pensamentos diversos, em sua maior parte, espelham momentos de sabedoria, entusiasmo, fé, esperança e grande olhar para um futuro, refletindo circunstâncias marcadas de paixão, amor, decepção, encontros e desencontros. Os textos simbolizam um pouco da vida de cada um de nós; a maneira peculiar de recriar a vida e o universo humano, conforme a própria realidade vivida pelos seus personagens são inquietudes e sonhos que compõem os tantos mistérios da vida real. A teoria do guarda-chuva aplicada, expressa a insegurança e o medo que o poeta sente, seja de ordem biológica ou criada socialmente, em não atingir a total aceitação do leitor à sua obra. Todavia, encontro na recepção do texto "ecos" na filosofia da lógica, na filosofia da linguagem e na interrogação que fica sobre o uso do ‘guarda-chuva’, que se aproxima de uma ideia de ficção e de artifício, confortável com a imaginação conceitual do poeta. Mas, que em nosso delírio de leitor, o guarda-chuva é peça fundamental. Não há meteorologia que nos permita sair e nem tirar férias da chuva, muito menos de nossos guarda-chuvas. Um guarda-chuva de regras a prevenir a presença marcante da Estrela e do Poeta, onde não existe regra a precipitação nos atinge. Percebo nesta obra a presença da linguagem em diversos níveis semânticos, sintáticos, morfológicos, lexicais e até mesmo, por que não, pragmático. Este último, minha espinha dorsal na linguística. Enfim, um escritor que vira com facilidade as páginas de sua criação e, que se adapta às várias formas de estilos para escrever suas ideias, inconstantes, volúvel, práticas e muitas vezes, humorísticas tem a qualidade variada e numerosa em sua atividade humana, com o conjunto de suas ideias e ideais comuns, executando com praticidade, simplicidade, e beleza seu ACERVO CLTURAL!!!
Solange Gomes Fonseca.
Formação Acadêmica em Letras Português/Literatura,
e Psicologia do Comportamento Humano (na linha de Skinner).
Atua no Grupo de Pesquisa: Linguagem e Cultura na Universidade
Federal do Paraná.
Capítulo 1
A vida é feita de retalhos, pequenos recortes da história,
alguns tocados pelo vento voam; outros,
povoam os anéis da memória.
Garimpou estrelas, caçou luas, viveu sóis que queimam estradas de Rhoden, à procura de uma nesga de lua no jardim de Beltrame e de outros tantos talentos profissionais e amadores da literatura brasileira. Tocou a ponta do arco-íris, no ponto em que fica o pote de ouro, e reconstruiu cenários que vão da captura de uma índia escondida no silêncio da mata, à inquietação de pessoas viajando como formigas à procura de forragens. Ravenala narrou o que viu e ouviu. Seus personagens empreendem viagens para mundos desconhecidos. Aportam ilhas desertas e vivem experiências de náufrago, que não quer ser resgatado. Com efeito, rompeu as barreiras entre a ficção e a realidade, e temeu atropelar o aspecto temporal, ao tratar das folias na fazenda Campo Grande. Achava que ainda não era hora de apresentar ‘Guaiano em oitava’ porque Zé Coco só gravara aquela música no final dos anos oitenta. Tunico Oliveira, no entanto, assegurou-lhe de que muito antes de gravar; o músico do Riachão, tocava seu guaiano nas fazendas aonde trabalhava fazendo carros-de-boi.
A obra nasce da compilação de textos publicados em sites de literatura. Nela, minúsculas partículas da realidade, surgem diluídas nas cenas e cenários que se dão no campo, na cidade e numa ilha deserta. O livro acontece, inicialmente, na fazenda Campo Grande em Minas Gerais. Mas, com a morte do fazendeiro, a fazenda torna-se campo de batalha perdida. A família, então, migra para a cidade e se estabelece no Rio de Janeiro, lá, Corina, assume sozinha, a missão de criar e educar a prole. Assim, a menina viaja no mundo encantado de sua imaginação; repassa as páginas do álbum de família e penetra na história de seus antepassados. Como se fosse “Mozart da poesia”, ela dobra-se na barriga da mãe, vê vales e cidades que não existem, alma e poesia gravadas na bandeira do poeta. Tinha sete anos, e se lembra de quase todas as estórias que sua avó contava, quando passava a mão na cabeça da netinha e dizia: ‘Durma, Princesa, durma... Vou retirar os monstros dos teus olhos. Pode dormir agora. Eles já se foram!’
Dormia, não sem antes reclamar:
—Eles estão voltando, vovó! Os monstros estão em meus olhos e não me deixam dormir. Conte uma estória!...
— Posso contar outra vez ‘A Lagoa Encantada?’
— Não, aquela não! Tenho medo da carimbamba.
— Já contei todas que sabia!
— Pode ser inventada, vovó! pode ser inventada.
— Todas as estórias são inventadas, minha filha!
— Então invente uma!
E Corina contou:
A fada da sabedoria foi convidada para um congresso que deveria acontecer, nos primeiros dias de vida de uma pequena formiga albina. A formiga seria um fardo para o formigueiro, por isso, deveria ter sido arrancada e jogada fora, quando ainda ovo. O destino da pequena formiga estava prestes a transformar-se num exílio de vida ou numa pena de morte, mas, por sorte, a fada madrinha postou-se no meio da assembleia e vaticinou: ‘Esta menina será frondosa como uma palmeira, e quando soprar o vento Norte, navegará os sete mares e será muito aplaudida. O som de seu trompete será um acalento para a alma de quem dela se aproxima, e toda a Terra conhecerá seus feitos.’
Houve profundo silêncio, no mundo encantado das formigas, em seguida, a rainha decretou: ‘A partir de agora, a formiga albina se chamará Beethoven. Providenciem a orquestra, organizem o espetáculo, quero ouvir o último momento da quinta sinfonia.’
— Beethoven existiu de verdade, vovó?
— A formiga Beethoven, só existiu na imaginação de seu criador, mas o compositor existiu. A nova sinfonia de Beethoven, por exemplo, faz um bem enorme a minha alma. Por certo, minha filha, gerações futuras, haverão de usar a música para estimular o cérebro humano a se reorganizar.
Teve vontade de dizer que o menino Davi tocava harpa quando, o rei Saul se sentia perturbado por maus espíritos, e logo que Davi tomava a harpa, Saul acalmava-se, sentia-se aliviado e o espírito mau o deixava.
— Parece que vovó fala de um menino sem parte do cérebro, que aprendeu a ler e a escrever, ouvindo músicas. Mas, como poderia saber de Herman, se ele ainda não nasceu? Como saber se não será abortado? Muitos morrem antes de nascer!...
Como morre uma pessoa antes de nascer, a boneca de Ravenala não compreendeu. Talvez Corina falasse de seu filho Ludovico que tinha um buraco no cérebro, viveu sete anos e aprendeu a tocar cavaquinho. Ou falasse mesmo de Beethoven! Não necessariamente da formiga, mas do alemão filho de dona Magdalena.
— Beethoven tinha um buraco no cérebro?
— Não! Ele tinha um cérebro privilegiado.
— Não entendi.
— Desculpe-me, Maria Emília! Esqueço que sua cabeça é de pano.
— Branquela!
— Cuidado com o preconceito racial. Em nosso país, isso é crime.
— Também é crime quebrar um ovo de tartaruga, mas é permitido matar um feto humano.
— Maria Emília...Maria Emília... Alô, alô...
O diálogo interrompeu-se como se a operadora móvel houvesse derrubado a linha, deliberadamente.
Passos arrastados aproximam-se do quarto.
— É vovó! Finja que dorme!...
— Já estou fingindo...
O trinco deu um estalo e a porta do quarto se abriu. Corina vê Emília embrulhada em panos de dormir. E o telefone fora do gancho, como se fora lançado com ímpeto ao chão.
— Não se ponha o sol sobre a tua ira — Disse Ravenala, ao perceber que Emília estava zangada.
— Conversando com nuvens roxeadas, minha filha?
— Não, vovó! Emília está aborrecida comigo.
— Por que Emília está brava contigo?
— Dei uma palmada no bumbum dela.
— Amanhã pedirás desculpas a Emília!
— E se não houver amanhã? Se o sol tiver preguiça de acordar? Tenho medo do escuro!
—É necessário que o dia velho descanse e desperte renovado. É preciso que o galo cante três vezes para despertar o homem que dorme.
— Não deveria haver noite! Vultos vagueiam. Vampiros e lobisomem passeiam na escuridão.
— Isso é lenda!
— A carimbamba também é lenda? Tenho medo da carimbamba.
— A lenda se constrói com retalhos da história, e já não se sabe mais onde termina uma e começa a outra. Muitas vezes, a ficção avança os muros da realidade ou a realidade penetra o labirinto da ficção. O que hoje é ficção, amanhã pode ser realidade. A ficção é uma realidade que ainda não aconteceu.
Ravenala insiste.
— A carimbamba existe?
— Quando se acredita numa coisa, ela passa a existir de verdade. Mas a carimbamba só existe em teus medos. E agora que se casou com a mocinha camponesa, o encanto foi quebrado.
— E a velhinha?
— Bem, a velhinha faz parte da técnica utilizada pelo autor, para que a história nunca acabe, continue viva e passe de geração para geração. A ficção mostra-se tão real, que personagens dos contos de fadas saem dos livros e vão morar em outros mundos, como a tua boneca — disse Corina — sabe de onde ela veio?
— Emília me falou que seu pai era um homem bom, e foi preso, porque escrevia livros. Se eu escrever um livro, também serei presa, vovó?
— Não dê crédito a tudo que diz uma boneca. Agora, durma, Princesinha.
Corina retirou-se. Seus passos lentos se afastavam, até desparecerem do alcance auditivo da neta.
— Pode acordar, Emília! A vovó já foi.
— Quero dormir e não consigo!
— Conte carneirinho.
— Não sei contar carneirinho...
— Conte assim: Um, dois, três...Galinha pedrês...Quatro, cinco, seis...Tem ovo no indez...
— Zzzzzzzzzzzzzzz...
— Dorme...dorme com os anjinhos. Vai contando carneirinho, carneirinho bem branquinho faz dormir e sonhar.
— Zzzzzzzzzzzzzzz...
— Emília!Emília...
— Zzzzzzzzzzzzzzz...
***
Contato com o autor
adalbertolimapoetadedeus@gmail.com