Role Playing Game: gênero textual em jogo
 
     São muitos e diversos os tipos textuais e os gêneros (orais e escritos) que despertam meu interesse e apreço. Contudo, penso ser pertinente abordar um gênero que apesar de presente na vida de muitos jovens, ainda parece alheio a muitas pessoas, sendo por vezes mal interpretado e objeto de críticas, entre outros, por professores que desconhecem suas utilidades e funções, inclusive como um gênero textual do tipo narrativo. Estou falando do RPG, sigla de Role Playing Game, criado em 1974 pelos americanos Dave Arneson e Gary Gygax. Apesar de relativamente novo, esse estilo de jogo remonta práticas mais antigas, apropriando-se de algumas estruturas de gêneros como as epopéias e de algumas características teatrais, como a própria representação.
     Assim como qualquer gênero textual, os RPGs apresentam determinadas regularidades formais e composicionais que os identificam como tal, na mesma medida em que variam de modo flexível em sua temática e em suas funcionalidades, sempre contextualizados e orquestrados pelo meio em que despontam e circulam.
     Qualquer texto narrativo tem entre seus principais elementos a própria ação (representada por verbo ou locuções verbais), espaço e tempo (este último também marcado pelo verbo). Com o RPG não é diferente, pois os participantes deste jogo encontram na “live action” (ação ao vivo) uma das formas mais usuais de se jogar, tendo que mover os personagens criados por um “mestre” que apresenta um cenário com uma situação inicial para que as ações sejam desenvolvidas.
     Quando pegamos um livro de fábulas nas mãos, logo sabemos do qual gênero se trata por conta de suas peculiaridades, tais como uma moral ao final e a presença de animais como protagonistas. Quando pegamos um livro de crônicas também podemos reconhecer este gênero por suas características, como a presença de poucas personagens, um enredo simples, sem muitas alterações de espaço, por exemplo. Quando pegamos um livro de RPG, suas características singulares também o diferenciam e identificam; portanto, é importante que tais características sejam conhecidas para que um RPG venha a ser reconhecido como tal.
     Em qualquer livro de RPG encontramos mesclas de outros tantos gêneros, afinal, não existem gêneros puros e homogêneos:
 
A dimensão dialogal intragenérica seria o diálogo interdiscursivo que se estabelece entre diferentes manifestações textuais pertencentes a um mesmo gênero [...]. Por dimensão dialogal intergenérica entendo que, na prática, em geral, os discursos/textos não se caracterizam por uma pureza, homogeneidade, mas apresentam diferentes modos de combinação de tipos de discurso e de seqüências textuais [...]. Na prática, portanto, os gêneros são marcados pela heterogeneidade e pela interdiscursividade (BRANDÃO, 2001, p. 289)

     Em todos os livros de RPG existem instruções, seja em relação ao próprio livro (guia de como ler), seja em relação às regras comuns ao jogo e há as instruções que permeiam toda a narrativa, pois após um cenário ser descrito, surgem tarefas guiadas, tais como: você deve tentar convencer os arruaceiros a retornarem..., Se conseguir, vá para a página 5, caso não consiga, vá para a página 4; utilize o dado para combater com seu oponente etc.

     Para que tenham exemplos e mais referências a respeito dos RPGs e que possam verificar seu caráter injuntivo e narrativo, poderão acessar o site do Tagmar (primeiro RPG brasileiro, feito em 1991), contendo dezenas de histórias, guias, aventuras, e muito material a respeito. O site é www.tagmar2.com.br .

     Conheci o Role Playing Game ainda adolescente, contudo, após tornar-me professora passei a apreciá-lo cada vez mais, seja por seu caráter cooperativo (pois sem cooperação o jogo não se desenvolve), seja por não haver perdedores (todos ganham quando os objetivos são alcançados), seja por seu caráter ativo e nada passivo de atuação (ativo tanto na leitura, quando presente em livros, como no alternativo live action, jogo oral onde a atuação e desempenho dos participantes parecem mais emocionantes porque a simulação chega a se aproximar muito das atuações teatrais).
     A ambientação ou cenário da aventura (que é uma partida de RPG) possui múltiplas e infindáveis possibilidades: uma era arcaica, contemporânea ou futurista, de cultura popular ou erudita, brasileira ou não, com elementos da realidade ou ficcionais, baseados em obras literárias, acontecimentos políticos, com personagens famosos ou desconhecidos, comuns ou fantásticos, com super poderes, etc.
     As histórias de RPGs se chamam aventuras, e desse modo, há muitas familiaridades deste gênero com as narrativas de aventura que comumente conhecemos e utilizamos na escola. As narrativas de aventura também podem ser formadas a partir de outras tipologias textuais, como a descritiva para a caracterização dos ambientes e das personagens, e conter textos argumentativos dentro de diálogos, por exemplo. Realismo fantástico também é comum neste gênero onde se fusionam realidade e fantasia nas descrições e ações representadas pelos leitores atuantes ou jogadores.
     Há heróis que enfrentam muitas peripécias e adversidades para atingirem seus objetivos. Contudo, não há um protagonista bem delineado, pois as histórias podem variar muito a cada ação dos participantes, e por vezes, há alterações em personagens que poderiam ser tomados como protagonistas ou antagonistas.
     A modalidade de live action pode com êxito ser utilizada no processo educativo de qualquer disciplina, pois sua diversidade temática contempla a interdisciplinaridade, além do pluralismo de ideias e culturas.
     As personagens se dividem em equipes que têm uma missão e para que essa missão seja cumprida, as equipes precisam obter uma série de informações com os “não ativos” no jogo ou com o mediador que é o mestre.
Utilizando essa interação em sala de aula, ocorre uma prévia sobre o conteúdo tratado. As equipes descobrem que detêm apenas uma fração do necessário para a missão ser cumprida e que para se obter o sucesso, é preciso união de todas as equipes, pois sem ela não há solução.
     Temos discutido como aumentar a motivação dos alunos, colaborando para melhorar os índices de aprendizagem. A utilização de jogos como estratagemas de ensino é muito eficaz para motivar os alunos e é uma ferramenta potente que o professor pode utilizar. Diversos trabalhos têm sido realizados, em todas as áreas, relacionando os jogos com a aquisição de conceitos e atitudes, ou seja, de conhecimento.
     Os jogos podem fazer parte dos componentes curriculares e explicitar temas transversais dentro do contexto educacional. Porém, o “jogar por jogar” nem sempre traz resultados expressivos para a Educação, que necessita de um foco, um objetivo. Alguns jogos podem promover atitudes não desejadas pelos professores, como uma competitividade exacerbada.      Quando o importante é competir, a cooperação é imprescindível e com isso, o RPG apresenta um novo paradigma para os jogos, no qual a vitória deve ser alcançada com ajuda mútua. Em jogos tradicionais provenientes de esportes o enfoque é competitivo, de modo que para existir vitorioso é preciso haver perdedor, e assim, a busca pela vitória induz a derrota do outro de forma automática. Quando admitimos que situações vividas por um indivíduo em um jogo podem refletir o comportamento dele na vida ou vice-versa, esse comportamento “competitivo” durante o jogo pode não ser considerado educativo.
     Os RPGs auxiliam na organização e sistematização de informações e no desenvolvimento de relações com outros, além de promover o desenvolvimento da criatividade de forma bem expressiva. Ele requer que os leitores, jogadores experimentem conflitos, aprendam a desempenhar os papéis dos outros e observem diferentes comportamentos sociais, num jogo apropriado para pessoas de todas as idades.
     Por tudo isso, os RPGs devem ser contemplados, disseminados, tanto como gênero textual a ser estudado, bem como forma de interação, como treino cognitivo e meio de aquisição de competências e habilidades.
Ao longo destes meses, discutimos muito sobre a popularidade e aceitação de obras diversas, literárias ou não, e evidenciamos, entre outras coisas, que o preconceito lingüístico, literário e cultural de uma forma ampla é uma realidade ainda presente em nossa sociedade atual.

 
Disseminar culturas locais, culturas regionais, pouco difundidas fora de seu meio de circulação é fator importante que diz respeito à escola, pois “os principais objetos de ensino ainda são os três tipos de textos tradicionais, embora já haja a abertura para alguns gêneros”. (BONINI, 2002, P. 31).

     Nesse sentido, propagar um jogo de ação como gênero textual discutindo suas características e funcionalidades é algo muito pertinente.
 
O trabalho escolar, no domínio da produção de linguagem, faz-se sobre, os gêneros, quer se queiram ou não. Eles constituem o instrumento de mediação de toda a estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade. A análise de suas características fornece uma primeira base de modelização instrumental para organizar as atividades de ensino que esse objeto de aprendizagem requer. (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 51)
 
     É possível encontrar uma gama extensa de sites e obras relacionadas ao RPG na internet, bem como estudos que vem sendo feitos a partir deste modelo de jogo diferenciado. O tema é bem vasto, e por não haver possibilidade de colocar um trecho aqui em análise tentei apresentar as principais características e convenções deste estilo de jogo evidenciando seu gênero textual peculiar dentro da tipologia narrativa.
     A marginalização de determinados gêneros textuais é fenômeno comum em qualquer sociedade. Contudo, a compreensão desse processo de marginalização dentro de um contexto histórico-social, cultural e político pode fazer com que vejamos gêneros relegados ou depreciados com outros olhos, explorando todas as suas potencialidades e funcionalidades, afinal, eles são extensamente utilizados e submetidos a articulações de diversas matrizes como a popular e a erudita.
     Ainda que muitos produzam RPGs visando lucro com o entretenimento, essa não é a via de regra. N, no live action ressalto que a prática é oral e imprevisível, qualquer um pode começar a realizar esse treino de ação em casa desde que haja com quem interagir e siga as convenções apresentadas. Mesmo esse caráter mercadológico já foi discutido anteriormente, ainda que sem esgotamento, evidenciando que não podemos fazer justiça com uma obra elevando-a ou a rebaixando apenas por ter atrelada a si a vendagem como uma característica. Aliás, isso poderia significar para alguns que a obra é digna de  honrarias e de alta qualidade, afinal, vendeo muito. Porém, como sabemos, uma forte tendência da crítica literária é ir contra a do mercado.
     Não tenho a pretensão de que todos possam vir a gostar e se envolver com as narrativas de RPG, contudo, a intenção é fazer conhecer este estilo de jogo e suas especificidades que o singulariza, seja como gênero textual, seja como ferramenta didática, como forma de lazer e de estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Os gêneros escolares: das praticas de linguagem aos   objetivos de ensino. In: ROJO, R. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de letras, 2004.
BONINI,  Adair.  Metodologias  de ensino  de  produção  textual:  retrospectiva  e  perspectivas da enunciação e o papel da Psicolinguística . Revista Perspectiva, Florianópolis, 2002.
RIYIS, Marcos Tanaka. SIMPLES. Sistema Inicial para Mestres-Professores Lecionarem através de uma Estratégia Motivadora. São Paulo: Ed. do autor, 2004
BETTOCCHI, Eliane. ROLE PLAYING GAME - Um jogo de representação visual de  gênero. Dissertação de mestrado, Dept-o. de Artes e Design - PUC- Rio de Janeiro, 2002.
ANTUNES, Celso. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis , Vozes, Petrópolis, 1998.
BRANDÃO, Helena N. Texto, a articulação: gêneros do discurso e ensino. In: _____. Estudos sobre o discurso. São Paulo: USP, 2001, p. 257-285