Desde a idade tenra, eu tive muita curiosidade a respeito da metamorfose humana. Era muito difícil entender esse processo de transformação que vai acontecendo desde o momento do nascimento.
A distância física entre mim e minha mãe, era algo que me incomodava. Ao lhe indagar sobre esse assunto, ela serenamente me disse que era um procedimento gradativo, que se dividia em gerações. E que o fato dela e de suas amigas irem se modificando, juntas, tornava o procedimento algo natural.
Acrescentou que, o corpo se modificava e que a menina moça costumava gostar de tais transformações. Ainda suspirou dizendo que as alterações eram necessárias, que tudo o que me assustava, naquele momento, um dia seria uma percepção daquilo que realmente a vida significava e que, muito provavelmente, eu aprenderia a ver beleza em tais transformações.
Continuou dizendo que uma criança jamais se conhece. Somente quando se torna adulta poderá, através de uma criança, descobrir um pouco daquela que foi um dia.
Eu ouvia, com atenção, minha mãe me falar com tanta naturalidade sobre a metamorfose do corpo. Contudo, me parecia muito estranho. Principalmente porque eu tinha duas referências: minha mãe e minha avó.
- Eu vou ficar primeiro como você e depois ficarei como a minha avó?
- Sim, nega. Há que se passar por todas as etapas. Mas, antes de você ficar como eu, você ficará uma linda mocinha, como sua prima. Depois ficará como sua tia, então é que você ficará como eu. E até chegar a ficar como sua avó, você ficará como as outras mulheres que são mais velhas do que eu e mais jovens do que sua avó. E tudo isso ocorrerá como prova de que se está vivendo a vida bonita de viver. Sua vida será intensa, ao ponto de não se preocupar com o processo de envelhecimento. Os momentos de felicidade se ocuparão de sua mente.
Eu não via beleza alguma nesse processo de viver a vida tão bonita de viver. Ao contrário, achava todo o processo muito sem sentido. Assustador, eu diria.
Naquela época, tudo me parecia completamente sem nexo. Claro, era um olhar de menina sobre a vida. Um olhar crítico. Um olhar amedrontado. Talvez uma sensação precoce de impotência.
Hoje, creio que é ainda mais esquisito de ver e de sentir tais transformações. A pior delas é a mental. Geralmente, o ser peleja entre suas próprias transformações, buscando alívio nas críticas que faz sobre as transformações alheias, como se ressaltando más transformações dos outros, pudesse amenizar suas próprias.
É sempre o outro que está mais velho e mais acabado. Qualquer avaliação para o outro é sempre mais rígida e mais impiedosa.
O ser humano tem facilidade em se amar, em se proteger, em se justificar, em se aceitar. Sobre essa parte, minha mãe nada me explicou. Está certo, que na época não era uma curiosidade minha.
Ao haver impasse entre pessoas, quando se ouve os dois lados do problema, se percebe que ambos são defensores de si mesmos. Inocentes. E também, se perceberá que são acusadores. Quanto mais acusam o outro, mais se defendem.
Tenho notado o quanto o ser humano costuma ser egoísta e ser impaciente. Tudo que o diz respeito a si mesmo, é bem-vindo. Tudo o que diz respeito ao outro, é questionável. De preferência, que não seja necessário, tal questionamento. Pois, seria uma irreparável perda de tempo.
A metamorfose, por ser vista a olhos nu. Dá pra saber quando uma pessoa está velha e como foi o processo de seu envelhecimento. Se envelheceu precocemente, se está bem conservada, se é vaidosa e tenta subtrair alguns anos de sua aparência, através de cirurgias plásticas, se aceita o envelhecimento de maneira natural (mesmo porque, essa aceitação terá que enfrentar também a crítica daqueles que não aceitam a velhice espontânea e já fizeram uso de algumas cirurgias).
O que não se pode saber é sobre a metamorfose interna. Infelizmente, o processo de transformação mental é - e sempre será - uma incógnita. Mesmo porque, há aqueles que fazem suas cirurgias mentais e apresentam o que de melhor puderem.
E assim, cada um, terá uma excelente imagem sobre aquela pessoa com quem não conviverá. Talvez, esse seja o grande choque: conhecer alguém com mais intimidade. Pouquíssimas são as pessoas que têm uma visão mais ampla de si mesmas, e tentam agir de maneira tão bela quanto aquela que usam para se avaliar.
É muito comum as pessoas dizerem que ainda têm muito o que aprender. O grande contratempo está em se pensar de uma maneira e se agir de uma outra maneira.
É comum, também, as pessoas apontarem o dedo para outras pessoas de seus convívios. É corriqueiro se ouvir: “me tira do sério”, “me enlouquece”, “me irrita”, “me inerva”, “não me compreende”, “distorce o que eu falo”, “não faz o que eu gosto”, “quer me modificar”, “não me deixa ser”, “briga comigo”, “não tem alcance, para um bom diálogo”, “não é inteligente o suficiente”, “não tem a beleza, que eu admiro”, “não gosto de seu humor”.
A lista poderia se estender indeterminadamente. Seria longa.
O parâmetro usado para essas afirmações é o conhecimento sobre seu próprio ser. Isso demonstra o quanto se é melhor do que qualquer outra pessoa. O quanto é difícil de se ajustar a tantas coisas que são desagradáveis no outro.
Ser seletivo, é escolher os semelhantes. Por isso, se ama aquele que se admira.
Ao encontrar alguém que não se enquadre dentro das reclamações daqueles que buscam somente a perfeição, tudo transcorrerá bem.
Quanto tempo durará o encontro da perfeição com a perfeição, é uma incógnita, a julgar que, atualmente, as pessoas se suportam por muito pouco tempo. Tudo é tão efêmero...
A velocidade com que as coisas acontecem e deixam de acontecer é assustadora. Quando eu era menina, me surpreendia de maneira incômoda com a forma que se envelhecia, por eu não compreendê-la. Talvez, em minha mente infantil, me parecesse como uma bruxaria. O que é normal, uma criança ter que aceitar que um dia irá se transformar num idoso, ou numa idosa. Não me parecia algo encantado, me parecia resultado de um feitiço.
Hoje, eu entendo perfeitamente o que é envelhecer. Apesar de não concordar com esse processo. Não tanto pela aparência ir sendo subtraída. Mas, pelas dores do corpo, pela imobilidade gradativa, pela dependência que vai se apresentando, pelo esquecimento que vai se instalando, pelas habilidades que vão sendo dispensadas pela sociedade, pelos grupos da terceira idade que vão se formando, pela contradição da mente e do corpo que nem sempre envelhecem juntos.
A lista é imensa. Creio que de tudo aquilo que se tem de enfrentar, o pior dos enfrentamentos é quando a mente se conserva jovem e o corpo não pode lhe oferecer suporte.
Talvez seja por isso que eu tento dormir bem, me alimentar dentro daquilo que já aprendi ser o melhor para a saúde do corpo e da mente e procuro fazer os exercícios necessários para retardar a minha incapacidade de me movimentar e me manter independente por mais tempo.
Quanto à mente, eu tento reconhecer suas fraquezas e trabalhar para fortificá-la.
Reconhecer os próprios sentimentos, as próprias emoções, os próprios limites, a própria plenitude, ajuda a se melhorar como ser humano.
Ajuda a compreender o outro e a desempenhar um papel mais equilibrado, onde o reconhecimento se torne mútuo e deixe de ser incriminador.
Mari S Alexandre
Enviado por Mari S Alexandre em 29/01/2018
Código do texto: T6239601
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