Ao meu querido amigo tempo!

Querido tempo, como vai? Imagino que muito bem, afinal de contas para você toda hora é tempo de alguma coisa, não é verdade? É, eu sei que sim! Você se lembra de mim? Tenho certeza que sim! Sempre esteve ao meu lado, do seu jeito, claro! Ás vezes me pego pensando como seria a vida se você não existisse? Então me dou conta de que não haveria vida e percebo quão importante você é. Eu não sei se você sabe, mas você nem sempre existiu, isso não é incrível? Eu acho demais! Bom, eu preciso admitir que isso não é tão simples de entender, é verdade...! Quando tudo era nada você não estava lá; até o dia em que você foi criado! Que ideia genial, original: criar o tempo. E por qual motivo? Ah! por vários motivos, e, um deles para desenhar / escrever a minha história. Sim, isso mesmo prezado tempo. Você e eu, desde então, não nos separamos mais. Você tem presenciado cada atitude, cada gesto, cada movimento meu. Você não para nunca, não se cansa, não se fatiga, não murmura, não reclama...; meu querido tempo, como você é tão diferente de mim! Quando estou parada, em repouso, ainda assim você não para. Mas eu queria tanto que não fosse assim sabe? Por que você não segue meu exemplo? Porque insiste tanto em estar além de mim? Por que quando eu decido não fazer nada você insiste em manter-se em movimento? Ah claro, eu sei: você é o tempo! E como você não há outro. Eu entendo sim, mas não é justo! Eu queria que você parasse ao meu lado, juntinho de mim, como se estivéssemos congelados, como se se fossemos um só.

Sabe de uma coisa meu amigo, eu olho para trás e o que vejo? Vejo o caminho que percorremos, é impossível não notar: você passou rápido demais. Poxa! Eu acho que não te acompanhei á altura, de verdade! Como pode ser isso? Ainda ontem transcorria a década de 60, foi nesse período que você se apresentou a mim. Dali para cá eu procurei contar os meus dias, não fui muito sábia, admito. Agora, quando recorro aos meus arquivos em minha memória, posso ver claramente, houve momentos em que você escapou pelos meus dedos e eu não me dei conta disso, a não ser agora, que pena! É, não temos esse poder, não é? É, esse poder de voltar justamente naqueles dias em que você seguiu triunfante seu caminho enquanto eu, não sei porque, simplesmente parei. Olha tempo, eu não estou reclamando não, de jeito nenhum! Você pensou isso? Embora pareça uma reclamação, na verdade é apenas uma constatação. Eu vou ser sincera contigo, eu poderia – e deveria – ter seguido seu ritmo...tão intenso! Eu admito que as coisas teriam sido bem diferentes das que são hoje. Mas sabe de uma coisa meu caro amigo? (Posso chama-lo assim, não ?!) eu não vou me sucumbir á essa neurose, não mesmo. Eu não vou ficar pensando naquilo que poderia ter feito e não fiz, não posso muda-lo, isso é fato. Então, tenho uma proposta para te fazer: já que você não me acompanhou e eu te deixei passar livre, leve e solto, decidi que vou seguir contigo pela sua faceta chamada hoje. Que tal? Eu sabia que você entenderia. É a melhor coisa a se fazer. Por esse seu viés fico menos estressada e posso vivenciar cada coisa que acontece hoje, sem me preocupar com você amanhã.

Mas sabe meu querido amigo tempo, talvez a gente possa viver diferente da forma como vivemos até aqui. Olha, porque não nos unirmos ao Amor? Vou escrever a ele e dizer:

_. Olá amor, eu tenho tido noticias ótimas a seu respeito. Como é bom saber que você continua o mesmo ao longo de décadas. A propósito, você está sabendo que estão te confundindo nestes últimos dias? Eu não queria dizer, mas, tem pessoas por aí que ainda não te conhecem de verdade, elas conhecem o Eros, sabe o Eros? Isso, aquele amor carnal, lá da Grécia, pois é.…esse mesmo. E ainda há o Filia, você conhece ele, se parece muito contigo, acho até que é da sua família. As pessoas dizem que é o amor de amizade. É um amor que não mobiliza, não escraviza, legal ele, viu?! Por isso até confundem contigo, tem semelhanças mesmo. Mas enfim, não quero falar disso agora. Sabe Amor, eu te conheço há algum tempo, e sei que sem você nada da certo. Você é essencial para nossa vida, para a minha vida, para a vida das pessoas...e, elas precisam te conhecer o mais rápido possível, porque o Tempo, nosso amigo, ele é muito apressado. Não gosta de esperar ninguem. Eu tenho dito que você é muito paciente e bondoso. Afirmo que você não tem inveja muito menos ciúme. Também não é orgulhoso nem presunçoso. Jamais se comportou de maneira arrogante, nem egoísta, nem tampouco rude.

Tenho percebido que as pessoas ficam, (como posso dizer?) surpresas quando ouvem isso. Elas pensam: “será que existe mesmo esse amor?”. Eu sei, que você é real, e como é bom desfrutar da sua companhia; muito obrigada por fazer parte da minha vida. Eu preciso agradecer-lhe por me incentivar a ser uma pessoa melhor. Olha, eu preciso te dizer que não é nada fácil ser assim como você, é muito difícil na verdade. Mas eu estou tentando. Quanto mais eu caminho contigo, mais eu aprendo. Eu sei que vou chegar lá. Olha amor, eu sei que posso contar contigo todo dia, por todos os dias, no entanto, eu não quero pensar no que virá, antes, quero viver o hoje cheio de amor, inclusive já falei com o tempo que só vou viver o hoje. Sabe porque? Eu entendi que para cada dia tem seu mal, mas também o bem, então, cheguei a conclusão que em cada dia na sua companhia – Amor- tudo fica mais gostoso. Eu não quero pensar no amanhã, ainda que seja prudente fazer planos afim de que estes aconteçam. Mas, quando pensar, quero fazê-lo de forma tranquila, sem a ansiedade que o tempo volta e meia quer fazer aparecer (é, nosso amigo tempo tem dessas coisas!) Não, isso não!

Aliás, meu amigo tempo, quero aproveitar e mandar um recadinho para a Morte, sei que você vive encontrando com ela nas suas andanças por esse universo afora. Enfim, se você a vir, diga-lhe que estou muito bem obrigada! Estou ás voltas com o amor e, no momento, o que me importa é desfrutar da companhia dele e apresenta-lo ás outrem afim de que o conheçam e se dêm conta de como ele faz a vida ficar diferente. Diga para a morte, que ela não me apareça antes do dia determinado pelo Criador, porque não vou recebe-la de forma alguma. Caso ela ainda tenha dúvidas de quando aparecer para ter comigo, lembre-a de que ela não tem autonomia, nem autoridade alguma sobre a minha vida. Aliás, pode ser até que eu e ela nem nos encontremos, porque há um projeto registrado antes mesmo que o tempo existisse, no qual meu nome está incluído, e que, portanto, se não houver mudança nesse plano diretor, muito provavelmente, eu não a encontre da mesma forma que muitos da minha espécie já a encontraram. Segundo uma longa carta que recebi de quem de direito, há instruções ( e possibilidades enormes) de que meu translado seja num abrir e piscar de olhos, portanto ela que se atenha a observar ao comando do Ser Supremo! Ele e quem tem a soberania. Enquanto isso, eu e o Amor seguimos juntos, sempre enfrente, porque ainda há muitas coisas para conhecermos e vivermos, aprendi a desapegar de algumas coisas tão desnecessárias, você nem imagina. Hoje sou mais seletiva com coisas e pessoas, aliás foi você meu amigo tempo que me ensinou isso. Muito legal, você me fez ver que as escolhas da minha vida, são minhas e de ninguem mais. Agora, ao fazer um “balanço” de tudo percebo que você é acelerado por natureza e que o seu compromisso é apenas consigo mesmo. Então, meu caro, siga enfrente á todo vapor, eu sigo junto contigo, mas no meu ritmo e do meu jeito: valorizando e amando as pessoas que me amam, desenvolvendo projetos que acrescentam na vida de alguém. Desapegando das mesmices e desencantos que para nada se aproveitam. Sigo tranquila, sabedora que lá na frente as coisas serão ainda melhores das que são hoje.

Por hoje é só! Abraços.

Beatriz Vasconcelos Rabello - Uma carta ao tempo, ao amor e á morte: uma visão humanista! Osasco, 07/abril de 2017.