O futebol é uma dança no Brasil
O futebol, enquanto fenômeno midiático, é a mais eficaz ferramenta de distração da massa que, sobre este fenômeno, diariamente, dispende energia mental e vital, discutindo-o. A falação que permeia o futebol (Umberto Eco) é aquela que deveria ser vertida à política no Brasil: fala-se diariamente sobre futebol.
A fala sobre futebol no Brasil contemporâneo possui duas formas que, de enlace, capturam praticamente os dois tipos de públicos que direcionam suas atenções para este fenômeno midiático (e não esporte): a forma popular de se falar sobre futebol, com os trejeitos, signos e símbolos que são caros à grande parte da população com parca formação escolar e influenciável pelos desígnios da grande mídia e, a forma "científica" de se falar sobre futebol, doutoresca, refinada por jornalistas que em seus discursos misturam conceitos últimos de táticas com os requintes da oratória.
A falação (Umberto Eco) sobre futebol substituiu a conversa sobre política e ética no seio social (se é que esta conversa em algum ponto da história foi massiva no Brasil...).
Ou seja, as discussões (e consequentemente as ações) são acaloradas sobre uma determinada política dentro de um clube de futebol ou sobre uma atitude de um jogador, técnico ou dirigente. Filosofa-se acerca destas questões e, estas racionalizações, são apresentadas diariamente à massa entretida no futebol. Um filosofar depurado e crítico sobre a política, ética e a economia, como os presentes na falação futebolística, não são apresentados à massa pelo mainstream e isto é proposital.
Entende-se, portanto, o porquê de um número considerável de pessoas (sobretudo os intelectuais, que não estão no mainstream) desconsiderar o futebol, apresentando a este inclusive ojeriza, por justamente estarem consciente desta lógica perversa e proposital presente neste espetáculo: a repulsa por parte de quem entendeu a trama, é inevitável.
Todavia, à parte este dimensão midiática e de controle social que constitui o futebol, outras duas estão presentes e anteriores a esta, a saber, o futebol enquanto um esporte e o futebol enquanto um dado importante da cultura do Brasil e, é justamente esta última dimensão que desejo explorar e ligá-la à dança, pois, fora do esquema midiático, na cotidianidade dos fatos, o futebol não é um esporte, mas, uma dança masculina.
O FUTEBOL É UMA DANÇA MASCULINA
O Brasil não possui uma política de incentivo ao esporte e, o futebol tornar-se o esporte nacional, é fato decorrente de um encadeamento cultural presente na historicidade do país, do que propriamente, um incentivo estatal em fazer da nação uma potência neste quesito.
O futebol apresentou-se e caiu no gosto na massa masculina, que apropriou-se de suas regras e dele fez diversão, ou, como queria um intelectual de renome brasileiro, o futebol no Brasil, canalizou as pulsões das contradições sociais o que explicou seu boom.
O futebol, portanto, seria mais uma faceta da demonstração de quem tem o maior phalo. Se é bem sucedido no comercio, se é bem sucedido na briga de facas e se é bem sucedido no jogo de bola. Demonstra-se esta bem-aventurança aos amigos, inimigos e mulheres (estas não jogam) ao levantar a taça. O futebol é o manejo do caos com o caótico e irracional pé, pois os empreendimentos grandiosos do Homem se deu com as mãos e, aquele que se destaca nesta proeza (o manejo da bola com o pé), terá destaque. Explica-se assim o fascínio.
Portanto, mais do que ser um esporte, o futebol é antes de tudo, no Brasil, um elemento constituidor da cultura. O futebol é um esporte nos EUA, por exemplo; no Brasil, trata-se de um bem imaterial.
Mas porque digo que o futebol não é um esporte? Pois a aproximação histórica e contemporânea ao futebol, nunca esteve pautada em critérios clássicos de aproximação a uma modalidade esportiva, quais sejam, o conhecimento absoluto das regras, o treino correto dos fundamentos envolvidos, o preparo físico visando um melhor rendimento, a estratégia racionalizada visando a vitória, o entendimento que a atividade esportiva realizada também será um meio de promoção de saúde, etc...
Definitivamente não. A aproximação ao futebol se dá na intuitividade mesma da aproximação a um elemento presente na cultura. O brasileiro, não racionaliza sua aproximação ao futebol como sendo um esporte, mas, como sendo mais um elemento da cultura: o brasileiro joga futebol e não se pergunta por que joga: ele simplesmente joga.
O mesmo se dá com um dos dados mais fundamentais de toda e qualquer cultura humana: a dança.
Intuitiva, a dança responde aos mais ancestrais impulsos do Homem quando diante do ritmo. De igual modo, o brasileiro quando vê a bola de futebol ou quando a recebe, saberá o que fazer com ela e não será com as mãos, mas com os pés. O fazer com os pés do brasileiro na bola é imemorial, é pertencente ao seu inconsciente coletivo.
E isto não é esporte. Porque o obeso joga futebol, o hipertenso, o deficiente, o acometido de doença terminal... o futebol não é esporte, mas dança, na medida que após um churrasco ou feijoada, joga-se futebol; em meio a bebedeira, antes dela ou após ela, joga-se futebol... ou melhor, dança-se.
E os movimentos são conhecidos de todos, variando em estilo, mas, a música, sempre a mesma, rege os movimentos que visam o gol.
POR QUE O FUTEBOL É UMA DANÇA MASCULINA?
Porque para a mulher brasileira, a aproximação ao futebol, em grande medida, não se dá pela via da dança, ou seja, com a naturalidade de quem DIZ PARA SI MESMO SER DETENTOR NATURAL DESTE DADO DA CULTURA. Não é o caso e, a mulher se aproxima do futebol, em sua grande parte, pela via das categorias clássicas de aproximação ao esporte, como expostas parágrafos acima.
Tal fato atesta-se quando temos a oportunidade de observar meninos e meninas brincando de futebol, inclusive ainda neste 2018. Há uma manifesta naturalidade dos gestos técnicos do jogo (gestos estes que são dança, frutos mais da observação aos adultos incrementada com a intuição) por parte dos meninos do que por parte das meninas: o esforço destas últimas é maior, ao passo que os meninos, força alguma fazem. A que isto se deve? Fácil resposta que advirá das questões de gênero historicamente instituídas, infelizmente.
São José, 24 de janeiro de 2018.
Cleber Caetano Maranhão