O GRANDE COMENDADOR DO TEMPLO
A MAÇONARIA TEMPLÁRIA
A QUESTÃO DOS TEMPLÁRIOS
O grau 27, denominado Grande Comendador do Templo, faz parte das tradições cavaleirescas incorporadas à Maçonaria escocesa, quando esta começou a desenvolver-se e ganhar adeptos fora da Escócia e da Inglaterra. Embora o ritual não faça qualquer alusão à tradições templárias, nem procura evocar, como explicitamente ocorre nos graus 29 e 30, uma pseudo-vinganca em relação à execução de Jacques de Molay,o último Grão-Mestre do Templo, não se pode negar que este também é um grau de influência nitidamente templária. Isso é visível pela profusão de símbolos e jóias existentes na liturgia do grau, que denotam, muito ostensivamente, várias ligações com a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, e também com outras Ordens de Cavalaria, como, por exemplo, a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, denunciada pela cruz hanseática pintada na abeta do avental do grau.
Como se sabe, a Ordem dos Cavaleiros Templários foi abolida pelo papa Clemente V em 1312, após um rumoroso processo movido contra eles pelo rei Filipe, o Belo, da França. Os Templários foram acusados de heresia, homossexualismo, conspiração e outros crimes, tendo sua Ordem extinta por bula papal, e seus líderes queimados em fogueiras em 1314.
A culpa dos Templários, em relação às acusações que lhe foram feitas, jamais foi provada e constitui, até hoje, um saboroso assunto para especulações e trabalhos literários. O processo que os condenou nunca apresentou qualquer prova conclusiva, e a própria Igreja, em manifestação formal, já expressou a sua opinião a respeito, reconhecendo o erro cometido em relação a esse julgamento.
O mistério em torno da vida secreta e das atividades dessa Ordem continua, porém, e hoje parece não restar muita dúvida de que os Templários, na verdade, acabaram sendo vítimas de si mesmos, face ao desenvolvimento desordenado das suas atividades e da perda dos seus objetivos e missão institucional.
Na verdade, a Ordem foi criada com uma missão bastante específica, que estava ligada umbilicalmente ás atividades da Europa cristã na Terra Santa. Quando os cristãos foram expulsos da Palestina, os Templários, que eram o braço militar da Igreja naquela parte do mundo, deixaram de prestar os serviços para os quais foram constituídos e passaram a exercer papéis burocráticos, econômicos e políticos nos reinos europeus, e com isso acabaram se enredando nas mais diversas disputas que envolviam os reinos europeus naquela época.
Especialmente no campo filosófico e religioso esse envolvimento foi bastante profundo e acabou sendo fatal à Ordem. Como hoje está bastante claro, a maioria dos líderes Templários vinha da região conhecida como Provença. Nessa região, também conhecida como Langedoc, o catolicismo romano nunca foi muito bem aceito. O Langedoc era a terra dos cátaros, seita herética que disputou com a Igreja de Roma, durante mais de dois séculos, a preferência religiosa dos habitantes dessa região, na época, a mais desenvolvida da Europa. Os cátaros foram eliminados pela Igreja Católica em uma pavorosa chacina, mas deixaram muitos seguidores, que continuaram praticando sua doutrina e seus ritos na clandestinidade. Uma dessas seitas clandestinas, acredita-se, foram os Templários.
OS TEMPLÁRIOS E A CABALA
Hoje parece fora de qualquer dúvida que os cátaros seguiam uma espécie de tradição judaica inspirada na antiga seita dos essênios. Essa tradição, nos primeiros séculos do segundo milênio, tinha sido largamente enriquecida pelo desenvolvimento de outra tradição de origem judaica, conhecida como Cabala.
A Cabala é uma tradição desenvolvida por um grupo de rabinos judeus que interpretam a Bíblia de uma forma mística, esotérica, sustentando que os textos sagrados foram escritos em forma de código, e que os nomes das pessoas e lugares ali citados, as visões dos profetas, os acontecimentos narrados, enfim, tudo que a Bíblia relata e ensina, pode ser interpretada de uma forma profana, literal (a forma ortodoxa de interpretação adotada pelas igrejas cristãs e judaica em geral) e outra que é sagrada, mística, ou seja, uma forma de interpretação que revela segredos arcanos que só podem ser conhecidos por alguns iniciados.
A Cabala foi desenvolvida por filósofos místicos judeus a partir de antigas tradições herdadas da seita dos essênios e enriquecida pelos cultores da filosofia neo-platônica, mais conhecidos como Gnose. A Gnose, como sistema de pensamento, foi muito influente nos dois primeiros séculos antes do nascimento de Jesus e continuou encantando os intelectuais de tendência mística durante os três primeiros séculos da era cristã. Especialmente nos dois primeiros séculos depois de Cristo, foi um sistema de pensamento muito cultivado, pois soube combinar muito bem os antigos mitos da cultura grega, judaica e oriental, com a nascente crença que começava a dominar os espíritos dos povos controlados pelo Império Romano. Essa crença era o Cristianismo. Foi a partir dos mitos e crenças desenvolvidos pelos filósofos gnósticos que a Igreja de Roma desenvolveu as principais bases teológicas do seu credo, embora, mais tarde, os teólogos católicos tenham renegado essa influência e lançado anátema sobre muitas teses gnósticas, condenando-as como heréticas.
Embora o gnosticismo tenha sido condenado e lançado no limbo das doutrinas heréticas pelo Concílio de Nicéia, em 325, e com seus seguidores violentamente perseguidos após o reconhecimento do credo romano como religião oficial do estado, ele não desapareceu. Seus cultores, principalmente entre os judeus da Diáspora, e entre seitas orientais, continuaram a desenvolver ideias e crenças paralelas que, volta e meia, provocavam violentas reações da Igreja Romana. Uma dessas seitas foi a dos cátaros, que criou raízes entre os habitantes da região chamada Langedoc (Provença), região hoje pertencente á França, mas que na época, séculos X,XI,XII e XIII, congregava territórios espanhóis e franceses.
Nesses territórios, governados por príncipes tolerantes, habitava uma população bastante educada para a época, constituída por cristãos, muçulmanos e judeus, vivendo em paz e sem disputas religiosas de maior monta, a não ser no terreno puramente intelectual.
A Provença, sendo a região onde uma grande e próspera colônia judaica vivia, foi a terra onde se desenvolveu a Cabala. Como já dito, a maioria dos líderes templários veio do Langedoc. Uma boa parte dos seus membros, de origem francesa, também era oriunda dessa região. Parece bastante lógico que suas mentes estivessem contaminadas pelas crenças cátaras, e que eles tivessem levado para os rituais templários elementos das tradições cultivadas pelos cátaros. Uma dessas crenças era a de que Jesus não era o filho de Deus, como pregava a teologia cristã, mas sim um simples profeta zelote que assumiu uma defesa intransigente da fé do seu povo, pregando contra o domínio romano. Com isso desenvolveu uma forte oposição contra o clero judaico da época, formado por fariseus e saduceus, aliados dos romanos. E foi isso que o levou à morte. Aliás, crenças como essa acabaram também por levar ao extermínio os cátaros, e provavelmente foi o que também acabou causando a condenação dos Cavaleiros Templários, a se deduzir dos autos do processo que a Santa Inquisição moveu contra a Ordem.
A INFLUÊNCIA NA MAÇONARIA
Os ritos da Maçonaria escocesa, como se sabe, foram desenvolvidos em cima de tradições herdadas das antigas Ordens de Cavalaria, especialmente os Templários, os Hospitalários e os Cavaleiros Teutônicos. Neles se nota, para o estudioso dessas tradições, que há uma intensa interação entre temas cavaleirescos e motivos filosóficos desenvolvidos pelas seitas gnósticas dos primeiros séculos do cristianismo e principalmente por grupos sectários medievais, especialmente os judeus da Provença, cultores da Cabala.
Por isso o Irmão elevado a esse grau poderá perceber que o que predomina na sua liturgia são as tradições hebraicas, o que nos leva a crer ter sido esse grau desenvolvido com base em tradições judaicas introduzidas na Maçonaria a partir da admissão dos chamados maçons aceitos. Sabe-se que entre eles havia muitos judeus cristianizados (os chamados cristãos novos). A informação veiculada pelo ritual do grau, de que ele tem como base uma possível tradição evocada a partir da Ordem dos Comendadores do Templo, Ordem fundada pelo rabino Zorobabel por ocasião da reconstrução do Templo de Jerusalém, é um argumento de base, já que o ensinamento do grau evoca, de certa maneira, o respeito que deve ser dado ao ordenamento jurídico do país, pois ele, como se infere do ensinamento veiculado no ritual, é de origem sagrada e deve ser respeitado.
Os trabalhos do grau são desenvolvidos numa câmara montada de modo a parecer uma corte. O Presidente recebe o titulo de Poderosíssimo Grande Comendador, os Vigilantes são os Mui Soberanos Comendadores e os demais Irmãos são chamados de Soberanos Comendadores.
A iniciação consiste em um interrogatório acerca das hierarquias das leis, com ênfase no Direito Constitucional. A ênfase dada ao sistema político no ensinamento do grau 27, no entanto, tem a ver com a própria estrutura do universo, no sentido de que ele tem uma organização semelhante ao sistema jurídico de um país, onde leis menores estão subordinadas à leis maiores e estas se submetem a um estatuto supremo que representa a própria vontade do Grande Arquiteto do Universo. Essa representação é claramente inspirada em tradições cabalísticas, especialmente nos chamados Livro Bahir e Sepher Yetzirah, onde a cosmogonia cabalística é desenvolvida e mostrada como sendo um grande processo cósmico administrado por uma Vontade que a tudo controla e dirige. Esse é o grande segredo místico do grau e para entendê-lo propriamente, o Irmão precisa conhecer os fundamentos da cosmogonia cabalística.
A FINALIDADE PROFANA DO GRAU
A finalidade profana do grau 27, entretanto, é dar ênfase ao chamado Estado de Direito, já que o espirito de Justiça é um dos principais componentes da boa Maçonaria. E nisso, como em vários dos ensinamentos ministrados nos graus superiores, a inspiração dos postulados defendidos no ritual foi buscada na filosofia do Iluminismo. Essa, aliás, constituiu a função explícita e primordial da Maçonaria, enquanto obra do intelecto humano: fundir as grandes inspirações do espírito humano, produzidas pelos místicos de todos os tempos, com as realizações do intelecto, deduzidas pelos grandes pensadores e cientistas, especialmente aqueles que nos legaram o sistema de pensamento conhecido como Iluminismo.
Dessa forma, no ensinamento do grau, o Estado de Direito é colocado como sendo um sistema onde as leis são postas para facilitar a interação entre os membros da sociedade. E dessa interação ele se retro-alimenta, criando novas leis e disciplinando novas relações. É nesse sentido que ele é representado, esotericamente, pela serpente oroboros ou uraeus, o místico réptil da mitologia egípcia e gnóstica, que se enrola sobre si mesmo e engole a própria cauda, simbolizando o eterno fluxo energético cósmico, que não precisa de fontes externas para ser alimentado.
Assim é o Direito em sua estruturação. Suas leis são alimentadas por outras leis, gerando um continuo fluxo dialético que faz com que o sistema auto-evolua por si mesmo. Da mesma forma, esse contínuo ciclo evolutivo ocorre no interior do universo físico e na própria estrutura biológica das espécies vivas, fazendo com que a vida se renove e evolua, realizando as adaptações necessárias a cada exigência ambiental. Nesse simbolismo está toda a estrutura mística e estrutural da própria vida do universo.
O universo aqui é visto como um produto de múltiplas relações onde tudo se forma a partir das interações entre seus elementos. As coisas anteriores se transformam em coisas posteriores garantindo o fluxo energético, que passa de uma realidade a outra, sempre em um grau mais alto da espiral.
Essa é a essência do discurso dos filósofos gnósticos, que tem sido confirmado pelas descobertas dos cientistas em suas observações do universo. Assim como é no céu, também é na terra. O que está dentro é igual ao que está fora e o que existe em cima é igual ao que está em baixo. Por isso a evocação que é feita no ritual do grau, do postulado feito pelo lendário Hermes Trismegistos em Tábua da Esmeralda: O universo é uno e tudo está em tudo.
A elevação ao grau é feita através de um interrogatório, no qual o iniciando responde perguntas referentes ao ordenamento jurídico do país, fazendo a distinção entre as leis maiores, constitucionais e complementares da Constituição, e as menores, que são as leis ordinárias, regulamentares e normativas. As primeiras são as leis fundamentais, das quais as demais derivam. E quando uma lei “morre”, ela é substituída por outra, mais elaborada, mais abrangente, mais conforme com o tempo e com as condições em que vive a sociedade naquele momento.
Fala-se de um Poder Constituinte e de suas funções e prerrogativas. Evoca-se, também, a organização do Poder Judiciário e a razão de sua existência. Enfim, tudo se destina a demonstrar que o “espírito das leis” deriva da própria natureza, e que o universo jurídico é governado pelas mesmas tendências que orientam o universo físico.
Postula-se que não deve haver inter-missões entre as leis no ordenamento jurídico, quer dizer, não deve haver mudança abrupta de um ordenamento jurídico para outro, senão como resultado de uma adaptação que se vai processando á medida que a sociedade vai evoluindo. Dessa forma, o melhor sistema jurídico é aquele que acompanha a própria evolução da sociedade.
Nota-se, ademais, que no discurso iniciático do grau está presente o espírito iluminista de Montesquieu, no que tange o estabelecimento de um sistema de poder capaz de sustentar, alimentar, suportar e fiscalizar uns aos outros, informando-se mutuamente e garantindo a vida da sociedade e do governo que a administra. Algo, aliás, muito atual, principalmente em face do que está acontecendo no Brasil de hoje, onde se nota uma judicialização da política e a politização do judiciário
Nessa estrutura podemos ver a simbologia do fluxo que alimenta a si mesmo, tirando da interação com a sociedade a sua capacidade de sobreviver. Por isso, nenhum governo autoritário, seja de que orientação for, jamais conseguirá produzir ordens jurídicas duradouras. Isso acontece porque o Direito não pode ser produto da vontade dos homens no poder, mas sempre um resultado da interação dos psiquismos humanos em sua procura pela felicidade.
MONTESQUIEU E O ESPÍRITO DAS LEIS
Por isso a ênfase do ensinamento do grau é posta nos trabalhos de Montesquieu e nos iluministas que o sucederam.
Crítico mordaz da sociedade francesa da época, Montesquieu foi um maiores pensadores do chamado Iluminismo. Seus trabalhos mais importantes foram no campo do Direito, sendo a sua principal obra, o famoso "Do Espírito das Leis", obra iluminista por excelência, que até hoje é leitura obrigatória para todos os profissionais do Direito.
Nessa obra, publicada pela primeira vez, em 1748, o autor faz um vasto estudo nas áreas de direito, história, economia, geografia e teoria política, traçando um retrato pormenorizado da sociedade francesa da época.
Seu pensamento influenciou sobremaneira os revolucionários franceses de 1789, pois foi principalmente com base nas suas teorias a respeito da separação dos poderes que eles se inspiraram para derrubar a monarquia e abolir o antigo regime que vigorava na França.
Montesquieu pregou a extinção do absolutismo e a concentração de poder nas mãos de uma única classe social. Foi o criador da divisão do poder em três estruturas, independentes e integradas, que eram o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, de onde se originou a composição dos estados modernos. Por isso, entendemos que fez muito bem a Maçonaria em dedicar um dos seus graus filosóficos ao estudo do pensamento de Montesquieu.
A propósito, esse grande iluminista também era maçom. E com esses conhecimentos, o Irmão maçom elevado a esse grau adquire o título de Grande Comendador do Templo
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* Na imagem os sacerdotes cátaros. conhecidos como "parfaits"(perfeitos), ou "popelicans" (pais pelicanos), simbolismo também utilizado na Maçonaria em um dos seus graus.
A MAÇONARIA TEMPLÁRIA
A QUESTÃO DOS TEMPLÁRIOS
O grau 27, denominado Grande Comendador do Templo, faz parte das tradições cavaleirescas incorporadas à Maçonaria escocesa, quando esta começou a desenvolver-se e ganhar adeptos fora da Escócia e da Inglaterra. Embora o ritual não faça qualquer alusão à tradições templárias, nem procura evocar, como explicitamente ocorre nos graus 29 e 30, uma pseudo-vinganca em relação à execução de Jacques de Molay,o último Grão-Mestre do Templo, não se pode negar que este também é um grau de influência nitidamente templária. Isso é visível pela profusão de símbolos e jóias existentes na liturgia do grau, que denotam, muito ostensivamente, várias ligações com a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, e também com outras Ordens de Cavalaria, como, por exemplo, a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, denunciada pela cruz hanseática pintada na abeta do avental do grau.
Como se sabe, a Ordem dos Cavaleiros Templários foi abolida pelo papa Clemente V em 1312, após um rumoroso processo movido contra eles pelo rei Filipe, o Belo, da França. Os Templários foram acusados de heresia, homossexualismo, conspiração e outros crimes, tendo sua Ordem extinta por bula papal, e seus líderes queimados em fogueiras em 1314.
A culpa dos Templários, em relação às acusações que lhe foram feitas, jamais foi provada e constitui, até hoje, um saboroso assunto para especulações e trabalhos literários. O processo que os condenou nunca apresentou qualquer prova conclusiva, e a própria Igreja, em manifestação formal, já expressou a sua opinião a respeito, reconhecendo o erro cometido em relação a esse julgamento.
O mistério em torno da vida secreta e das atividades dessa Ordem continua, porém, e hoje parece não restar muita dúvida de que os Templários, na verdade, acabaram sendo vítimas de si mesmos, face ao desenvolvimento desordenado das suas atividades e da perda dos seus objetivos e missão institucional.
Na verdade, a Ordem foi criada com uma missão bastante específica, que estava ligada umbilicalmente ás atividades da Europa cristã na Terra Santa. Quando os cristãos foram expulsos da Palestina, os Templários, que eram o braço militar da Igreja naquela parte do mundo, deixaram de prestar os serviços para os quais foram constituídos e passaram a exercer papéis burocráticos, econômicos e políticos nos reinos europeus, e com isso acabaram se enredando nas mais diversas disputas que envolviam os reinos europeus naquela época.
Especialmente no campo filosófico e religioso esse envolvimento foi bastante profundo e acabou sendo fatal à Ordem. Como hoje está bastante claro, a maioria dos líderes Templários vinha da região conhecida como Provença. Nessa região, também conhecida como Langedoc, o catolicismo romano nunca foi muito bem aceito. O Langedoc era a terra dos cátaros, seita herética que disputou com a Igreja de Roma, durante mais de dois séculos, a preferência religiosa dos habitantes dessa região, na época, a mais desenvolvida da Europa. Os cátaros foram eliminados pela Igreja Católica em uma pavorosa chacina, mas deixaram muitos seguidores, que continuaram praticando sua doutrina e seus ritos na clandestinidade. Uma dessas seitas clandestinas, acredita-se, foram os Templários.
OS TEMPLÁRIOS E A CABALA
Hoje parece fora de qualquer dúvida que os cátaros seguiam uma espécie de tradição judaica inspirada na antiga seita dos essênios. Essa tradição, nos primeiros séculos do segundo milênio, tinha sido largamente enriquecida pelo desenvolvimento de outra tradição de origem judaica, conhecida como Cabala.
A Cabala é uma tradição desenvolvida por um grupo de rabinos judeus que interpretam a Bíblia de uma forma mística, esotérica, sustentando que os textos sagrados foram escritos em forma de código, e que os nomes das pessoas e lugares ali citados, as visões dos profetas, os acontecimentos narrados, enfim, tudo que a Bíblia relata e ensina, pode ser interpretada de uma forma profana, literal (a forma ortodoxa de interpretação adotada pelas igrejas cristãs e judaica em geral) e outra que é sagrada, mística, ou seja, uma forma de interpretação que revela segredos arcanos que só podem ser conhecidos por alguns iniciados.
A Cabala foi desenvolvida por filósofos místicos judeus a partir de antigas tradições herdadas da seita dos essênios e enriquecida pelos cultores da filosofia neo-platônica, mais conhecidos como Gnose. A Gnose, como sistema de pensamento, foi muito influente nos dois primeiros séculos antes do nascimento de Jesus e continuou encantando os intelectuais de tendência mística durante os três primeiros séculos da era cristã. Especialmente nos dois primeiros séculos depois de Cristo, foi um sistema de pensamento muito cultivado, pois soube combinar muito bem os antigos mitos da cultura grega, judaica e oriental, com a nascente crença que começava a dominar os espíritos dos povos controlados pelo Império Romano. Essa crença era o Cristianismo. Foi a partir dos mitos e crenças desenvolvidos pelos filósofos gnósticos que a Igreja de Roma desenvolveu as principais bases teológicas do seu credo, embora, mais tarde, os teólogos católicos tenham renegado essa influência e lançado anátema sobre muitas teses gnósticas, condenando-as como heréticas.
Embora o gnosticismo tenha sido condenado e lançado no limbo das doutrinas heréticas pelo Concílio de Nicéia, em 325, e com seus seguidores violentamente perseguidos após o reconhecimento do credo romano como religião oficial do estado, ele não desapareceu. Seus cultores, principalmente entre os judeus da Diáspora, e entre seitas orientais, continuaram a desenvolver ideias e crenças paralelas que, volta e meia, provocavam violentas reações da Igreja Romana. Uma dessas seitas foi a dos cátaros, que criou raízes entre os habitantes da região chamada Langedoc (Provença), região hoje pertencente á França, mas que na época, séculos X,XI,XII e XIII, congregava territórios espanhóis e franceses.
Nesses territórios, governados por príncipes tolerantes, habitava uma população bastante educada para a época, constituída por cristãos, muçulmanos e judeus, vivendo em paz e sem disputas religiosas de maior monta, a não ser no terreno puramente intelectual.
A Provença, sendo a região onde uma grande e próspera colônia judaica vivia, foi a terra onde se desenvolveu a Cabala. Como já dito, a maioria dos líderes templários veio do Langedoc. Uma boa parte dos seus membros, de origem francesa, também era oriunda dessa região. Parece bastante lógico que suas mentes estivessem contaminadas pelas crenças cátaras, e que eles tivessem levado para os rituais templários elementos das tradições cultivadas pelos cátaros. Uma dessas crenças era a de que Jesus não era o filho de Deus, como pregava a teologia cristã, mas sim um simples profeta zelote que assumiu uma defesa intransigente da fé do seu povo, pregando contra o domínio romano. Com isso desenvolveu uma forte oposição contra o clero judaico da época, formado por fariseus e saduceus, aliados dos romanos. E foi isso que o levou à morte. Aliás, crenças como essa acabaram também por levar ao extermínio os cátaros, e provavelmente foi o que também acabou causando a condenação dos Cavaleiros Templários, a se deduzir dos autos do processo que a Santa Inquisição moveu contra a Ordem.
A INFLUÊNCIA NA MAÇONARIA
Os ritos da Maçonaria escocesa, como se sabe, foram desenvolvidos em cima de tradições herdadas das antigas Ordens de Cavalaria, especialmente os Templários, os Hospitalários e os Cavaleiros Teutônicos. Neles se nota, para o estudioso dessas tradições, que há uma intensa interação entre temas cavaleirescos e motivos filosóficos desenvolvidos pelas seitas gnósticas dos primeiros séculos do cristianismo e principalmente por grupos sectários medievais, especialmente os judeus da Provença, cultores da Cabala.
Por isso o Irmão elevado a esse grau poderá perceber que o que predomina na sua liturgia são as tradições hebraicas, o que nos leva a crer ter sido esse grau desenvolvido com base em tradições judaicas introduzidas na Maçonaria a partir da admissão dos chamados maçons aceitos. Sabe-se que entre eles havia muitos judeus cristianizados (os chamados cristãos novos). A informação veiculada pelo ritual do grau, de que ele tem como base uma possível tradição evocada a partir da Ordem dos Comendadores do Templo, Ordem fundada pelo rabino Zorobabel por ocasião da reconstrução do Templo de Jerusalém, é um argumento de base, já que o ensinamento do grau evoca, de certa maneira, o respeito que deve ser dado ao ordenamento jurídico do país, pois ele, como se infere do ensinamento veiculado no ritual, é de origem sagrada e deve ser respeitado.
Os trabalhos do grau são desenvolvidos numa câmara montada de modo a parecer uma corte. O Presidente recebe o titulo de Poderosíssimo Grande Comendador, os Vigilantes são os Mui Soberanos Comendadores e os demais Irmãos são chamados de Soberanos Comendadores.
A iniciação consiste em um interrogatório acerca das hierarquias das leis, com ênfase no Direito Constitucional. A ênfase dada ao sistema político no ensinamento do grau 27, no entanto, tem a ver com a própria estrutura do universo, no sentido de que ele tem uma organização semelhante ao sistema jurídico de um país, onde leis menores estão subordinadas à leis maiores e estas se submetem a um estatuto supremo que representa a própria vontade do Grande Arquiteto do Universo. Essa representação é claramente inspirada em tradições cabalísticas, especialmente nos chamados Livro Bahir e Sepher Yetzirah, onde a cosmogonia cabalística é desenvolvida e mostrada como sendo um grande processo cósmico administrado por uma Vontade que a tudo controla e dirige. Esse é o grande segredo místico do grau e para entendê-lo propriamente, o Irmão precisa conhecer os fundamentos da cosmogonia cabalística.
A FINALIDADE PROFANA DO GRAU
A finalidade profana do grau 27, entretanto, é dar ênfase ao chamado Estado de Direito, já que o espirito de Justiça é um dos principais componentes da boa Maçonaria. E nisso, como em vários dos ensinamentos ministrados nos graus superiores, a inspiração dos postulados defendidos no ritual foi buscada na filosofia do Iluminismo. Essa, aliás, constituiu a função explícita e primordial da Maçonaria, enquanto obra do intelecto humano: fundir as grandes inspirações do espírito humano, produzidas pelos místicos de todos os tempos, com as realizações do intelecto, deduzidas pelos grandes pensadores e cientistas, especialmente aqueles que nos legaram o sistema de pensamento conhecido como Iluminismo.
Dessa forma, no ensinamento do grau, o Estado de Direito é colocado como sendo um sistema onde as leis são postas para facilitar a interação entre os membros da sociedade. E dessa interação ele se retro-alimenta, criando novas leis e disciplinando novas relações. É nesse sentido que ele é representado, esotericamente, pela serpente oroboros ou uraeus, o místico réptil da mitologia egípcia e gnóstica, que se enrola sobre si mesmo e engole a própria cauda, simbolizando o eterno fluxo energético cósmico, que não precisa de fontes externas para ser alimentado.
Assim é o Direito em sua estruturação. Suas leis são alimentadas por outras leis, gerando um continuo fluxo dialético que faz com que o sistema auto-evolua por si mesmo. Da mesma forma, esse contínuo ciclo evolutivo ocorre no interior do universo físico e na própria estrutura biológica das espécies vivas, fazendo com que a vida se renove e evolua, realizando as adaptações necessárias a cada exigência ambiental. Nesse simbolismo está toda a estrutura mística e estrutural da própria vida do universo.
O universo aqui é visto como um produto de múltiplas relações onde tudo se forma a partir das interações entre seus elementos. As coisas anteriores se transformam em coisas posteriores garantindo o fluxo energético, que passa de uma realidade a outra, sempre em um grau mais alto da espiral.
Essa é a essência do discurso dos filósofos gnósticos, que tem sido confirmado pelas descobertas dos cientistas em suas observações do universo. Assim como é no céu, também é na terra. O que está dentro é igual ao que está fora e o que existe em cima é igual ao que está em baixo. Por isso a evocação que é feita no ritual do grau, do postulado feito pelo lendário Hermes Trismegistos em Tábua da Esmeralda: O universo é uno e tudo está em tudo.
A elevação ao grau é feita através de um interrogatório, no qual o iniciando responde perguntas referentes ao ordenamento jurídico do país, fazendo a distinção entre as leis maiores, constitucionais e complementares da Constituição, e as menores, que são as leis ordinárias, regulamentares e normativas. As primeiras são as leis fundamentais, das quais as demais derivam. E quando uma lei “morre”, ela é substituída por outra, mais elaborada, mais abrangente, mais conforme com o tempo e com as condições em que vive a sociedade naquele momento.
Fala-se de um Poder Constituinte e de suas funções e prerrogativas. Evoca-se, também, a organização do Poder Judiciário e a razão de sua existência. Enfim, tudo se destina a demonstrar que o “espírito das leis” deriva da própria natureza, e que o universo jurídico é governado pelas mesmas tendências que orientam o universo físico.
Postula-se que não deve haver inter-missões entre as leis no ordenamento jurídico, quer dizer, não deve haver mudança abrupta de um ordenamento jurídico para outro, senão como resultado de uma adaptação que se vai processando á medida que a sociedade vai evoluindo. Dessa forma, o melhor sistema jurídico é aquele que acompanha a própria evolução da sociedade.
Nota-se, ademais, que no discurso iniciático do grau está presente o espírito iluminista de Montesquieu, no que tange o estabelecimento de um sistema de poder capaz de sustentar, alimentar, suportar e fiscalizar uns aos outros, informando-se mutuamente e garantindo a vida da sociedade e do governo que a administra. Algo, aliás, muito atual, principalmente em face do que está acontecendo no Brasil de hoje, onde se nota uma judicialização da política e a politização do judiciário
Nessa estrutura podemos ver a simbologia do fluxo que alimenta a si mesmo, tirando da interação com a sociedade a sua capacidade de sobreviver. Por isso, nenhum governo autoritário, seja de que orientação for, jamais conseguirá produzir ordens jurídicas duradouras. Isso acontece porque o Direito não pode ser produto da vontade dos homens no poder, mas sempre um resultado da interação dos psiquismos humanos em sua procura pela felicidade.
MONTESQUIEU E O ESPÍRITO DAS LEIS
Por isso a ênfase do ensinamento do grau é posta nos trabalhos de Montesquieu e nos iluministas que o sucederam.
Crítico mordaz da sociedade francesa da época, Montesquieu foi um maiores pensadores do chamado Iluminismo. Seus trabalhos mais importantes foram no campo do Direito, sendo a sua principal obra, o famoso "Do Espírito das Leis", obra iluminista por excelência, que até hoje é leitura obrigatória para todos os profissionais do Direito.
Nessa obra, publicada pela primeira vez, em 1748, o autor faz um vasto estudo nas áreas de direito, história, economia, geografia e teoria política, traçando um retrato pormenorizado da sociedade francesa da época.
Seu pensamento influenciou sobremaneira os revolucionários franceses de 1789, pois foi principalmente com base nas suas teorias a respeito da separação dos poderes que eles se inspiraram para derrubar a monarquia e abolir o antigo regime que vigorava na França.
Montesquieu pregou a extinção do absolutismo e a concentração de poder nas mãos de uma única classe social. Foi o criador da divisão do poder em três estruturas, independentes e integradas, que eram o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, de onde se originou a composição dos estados modernos. Por isso, entendemos que fez muito bem a Maçonaria em dedicar um dos seus graus filosóficos ao estudo do pensamento de Montesquieu.
A propósito, esse grande iluminista também era maçom. E com esses conhecimentos, o Irmão maçom elevado a esse grau adquire o título de Grande Comendador do Templo
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* Na imagem os sacerdotes cátaros. conhecidos como "parfaits"(perfeitos), ou "popelicans" (pais pelicanos), simbolismo também utilizado na Maçonaria em um dos seus graus.