O Poço da Lama
 
          Quando saíram da casa de seu sogro Denisio no Pau ferro, Carlos, Maria e as crianças foram morar de favor numa singela casa de taipa cedida pelo senhor Zé Canuto Branco. A casinha ficava no Poço da Lama situado entre a Fortaleza, Pedra Grande e Lagoa das Areias. O pequeno chalé encontrava-se bem escondidinho no meio do mato, dificultando até o acesso, só iria lá quem tivesse negocio. A nova moradia era composta por uma varanda (sala), um quarto e uma cozinha. Naquela ocasião, Carlos já havia arrumado a moradia, faltava ainda o trabalho para ganhar o sustento da família. Enquanto isso, ele se dedicava a labuta na roça, ali perto de onde morava, numa tira de terra de propriedade do seu Zé Canuto.

          Foi durante esse período de grande dificuldade, em meio à lida diária de um dia de serviço alugado para garantir a subsistência, ou na roça na qual havia plantado milho, feijão de corda e fava, que nasceu seu terceiro filho, sendo outro filho varão.

            Um vigoroso garoto que futuramente, junto com os seus outros dois filhos, seriam a sua fortaleza. A esse filho, nascido no dia 23 de setembro de 1979 deram o nome Gilmar Meneses. O bravo sertanejo sorria com boca escancarada o coração. Bem verdade que deveria trabalhar dobrado “feito tapioca” para conseguir o sustento da crescente família. Mas Carlos ainda era novo, cheio do vigor físico da plenitude de seus vinte e cinco anos, estava na flor da idade, mesmo sendo um cabra do sertão, maltratado diariamente pelo sol escaldante, e calejado pelo trabalho duro exigido na lida com a mãe terra, vivia bem, vivia feliz.

          O convívio com a natureza, tentando ouvir o que ela o dizia e ensinava, vivia cercado por plantas e ervas medicinais de várias espécies, que fez desenvolver o manuseio da mistura de ervas e plantas. Isso o possibilitava fazer lambedor, e garrafadas untadas a variedade de ervas e mel, se tornando a sua farmácia natural, da qual se utilizava para combater eventual gripe, resfriado ou febre. Tanto ele, quanto a sua jovem esposa e filhos, praticamente ficavam a maior parte do tempo imune a certos tipos de doenças, muito difícil naquele tempo, era encontrar algum dos seus adoentados.

          É certo que o ar puro do arbóreo lugar onde moravam ajudava e muito, no combate as doenças respiratórias, mas como tudo nesta vida tem seus “efeitos colaterais” havia grande concentração de mosquitos, e com isso, o risco de doenças transmissíveis por eles, em especial, a doença de chagas transmitida pelo barbeiro, esse comumente habitava as casas de taipas, muito comum naquela região e época. Por sorte, ou mesmo talvez, por conta dos inúmeros chás que tomavam, fosse de capim santo, erva cidreira, ou hortelã da folha grande, não foram contaminados por nenhuma doença trágica. A vida ali no poço da Lama era o mais simples possível, não tinham nenhum tipo de conforto, comprar um brinquedo, ou uma roupa nova para as crianças estavam longe do alcance de suas possibilidades, ou seja, era uma vida de estrema pobreza mesmo, chegando às vezes até faltar o que comer.

          E, neste clima quente e seco, em meio às dificuldades impostas ao sertanejo, obrigando-o a "matar um leão" por dia para sobreviver, o jovem desbravador do sertão seguia com determinação e fé a sua vida de grandes lutas, e poucas conquistas.

            Ele não se lamentava pelo que poderia ter acontecido, pois se não aconteceu é que certamente ainda não era o tempo. Contraditório a tudo que vivera até ali, e a tudo mais que teria de enfrentar com unhas e dentes, sem temer nenhuma sombra de seu destino. Mesmo que este se apresentasse quão negro quanto o carvão, ele mantinha a fé, esperança viva na alma.

          Maria deveria ter o sobrenome de Bonita, para suportar todo aquele sofrimento sem com isso perder as estribeiras. Enquanto Carlos suava a camisa para garantir algum cobre, dinheiro esse que mal dava para as despesas com alimentação, ela cuidava do lar, economizando ao máximo que podia para esticar a duração das compras, e tomava conta dos filhos com toda ternura, amor e carinho possível em meio a toda aquela turbulência na qual vivia. Nunca fora vaidosa, e se fosse não teria a menor condição de continuar sendo. Esquecera o tempo em que fora a uma feira comprar um vestido, ou mesmo um par de brincos. Quando muito seu marido conseguia comprar os mantimentos para o sustento da família, já era uma grande satisfação. E nem por isso a viam pelos cantos reclamando da vida, ou das dificuldades sofridas ao longo do tempo. Ela mantinha incrustada na sua alma sertaneja toda a força dos sertões, das estrelas, e com isso fortalecia a toda família.

          Carlos estava consciente de tudo aquilo, mas não podia fazer muita coisa. Os seus esforços eram tremendos, claro que gostaria de poder comprar um vestido de chita para a sua amada, ficaria muito feliz se pudesse presentear seus filhos com algum brinquedo que animassem a infância deles, já que não tivera na sua. O que fazer, se o pouco que conseguia mal dava para sustentar os seus? Desdobrava-se em dois, ou mais, para alcançar um ganho que, mesmo sendo pequeno permitia comprar o de comer, e às vezes até esse ganho não era suficiente para comprar a carne da mistura. Tendo até que apelar para alguma caça, mesmo contra a sua vontade, pois todo vivente nesta terra precisa sobreviver até mesmo os animais. O jovem pensava, falando a sí mesmo:

 – Mas Deus tá vendo que não caço por judiação, mas pela necessidade.

          Eis que certa manhã de outubro, enquanto Carlos trabalhava em sua roça, apareceu um jovem moço, todo bem vestido, usando um chapéu baio sobre a cabeça, estando montado num cavalo malhado e procurava por Carlos Menezes.

            Não reconhecendo o visitante, o jovem sertanejo, arisco foi perguntando qual o assunto que o rapaz queria ter com Carlos.

 – Meu nome é Belarmino, sou fio de Totonho da Aroeira, eu quiria tratar com ele sobre um trabaio que tenho lá nas minhas terras. Disse o rapaz ao se apresentar.

– Mi dixeram que esse Carlos é um home muito trabaiador e onesto, purisso estou procurando purele, pra mode fazer uma limpa lá na roça, e cuidar do gado.

– Sendo assim, o moço tá falando com ele, sou Carlos Meneses a seu dispor.

– Se aproxegue, vamo até minha casa pra mode tomá um café.

           O jovem fazendeiro apeou de seu cavalo e puxando-o pelas rédeas seguiu junto com Carlos até a sua casa. Chegando lá, sentaram sobre um tronco de braúna que estava no terreiro em frente ao pequeno chalé, enquanto esperava Maria trazer o café, o moço foi logo direto ao ponto.

 – Como lhe dixe, estou precisando de um trabaiador pra mode trabalhaiá lá na fazenda, cuidando do gado. Afirmou enquanto se sentava

– E também da roça de mio. Mi informaram voismicê, entonse estô aqui pra mode nóis acertar, caso seja de ser interesse.

 – Sendo trabaio, é de meu interesse, sim, ora pois. Quando comerço? Quanto é a paga?  Quis logo saber Carlos.

            A conversa se prolongou por mais alguns minutos, Maria trouxe o café acompanhado de dois pequenos pedaços de bolachão de canela. Assim, degustando do café e da saborosa massa de Carira, eles conversaram sobre o serviço, a localidade em que ficava a fazenda, bem ali perto da Fortaleza, o gado que apesar de não ser muito, era de boa raça, nelore. A roça de milho, mais ou menos umas cinqüenta tarefas, e assim chegaram a um comum acordo. Carlos partiria no dia seguinte, logo de madrugada para tirar o leite do gado. Ganharia trezentos e setenta e oito cruzeiros pelos cinco dias de trabalho da semana, folgando nos sábados e nos domingos, pois nesses dias tanto o Belarmino quanto seus irmãos que estudavam Agropecuária na capital, estariam retornando para cuidarem da fazenda.

          O espírito guerreiro daquele jovem trabalhador do sertão se renovou de esperanças. A proposta de trabalho fora excelente, o ganho estava bom, e ainda poderia cuidar da sua roçinha nos finais de semana. Carlos prometeu pra consigo mesmo que daquele ganho iria fazer das tripas coração, mais compraria um pedaço de chita para mandar fazer um vestido bem bonito para a sua amada esposa, e com sorte, quem sabe até compraria aquele carrinho de pau que viu na feira de Carira.

            E com esses pensamentos e planos cheio de esperança foi que ás três horas da madruga do dia seguinte, ele colocou a mochila de saco nas costa e seguiu a pé mata adentro, rumo a Fazenda do Belarmino, pegando um atalho aqui, outro ali, muitas vezes subindo e descendo os aclives do terreno, chegando duas horas depois ao seu destino.

          O serviço na fazenda da família de Belarmino durou o tempo exato de um ano e onze meses. E mais uma vez a seca voraz atingia o sertão sergipano, forçando os poucos fazendeiros da região, por não terem mais os pastos,a eram forçados a venderem seu rebanho por uma ninharia qualquer para não perderem  de tudo. A palma forrageira era pouca e minguada. E com isso, dispensavam seus trabalhadores, que não tendo mais trabalho para sustentá-los ali, eram também forçados pelas circunstâncias a emigrarem para outra localidade em busca de sobrevivência, com o bravo sertanejo também fora assim.

          Os poucos meses nos quais trabalhou com Belarmino, não foram suficientes para colocar seus planos de comprar o tecido de chita, e o carrinho de madeira, em prática. Para isso precisava que o serviço durasse por mais alguns meses como desejara. O que, infelizmente não aconteceu. A preocupação agora seria a sua sobrevivência, e de sua família. Eis então que surgiu a possibilidade de morar e trabalhar na Fazenda Fortaleza, outra vez. E como diz um velho ditado do sertão: É melhor engolir de quê cuspir.

            A oportunidade quando aparece, deve ser agarrada com unhas e dentes, pois pode ser a única. E assim sendo, Carlos o fez, e de "mala e cuia" retornou a Fazenda Fortaleza, sendo que, desta vez, não apenas para trabalhar, mas também iria morar ali, e ao invés de levar seu irmão Tequinha, levava a esposa Maria e seus três filhos.

          A Fazenda Fortaleza também fora afetada e sofria com a seca, no entanto houve todo um planejamento antes, pensando em "combater a seca". Foram plantadas em suas terras mais de trezentas tarefas de palma de diversas espécies; orelha de elefante, orelha de vaca, palma redonda e palma miúda. Os silos feitos nos tempos da bonança também estavam sendo descobertos, e juntamente com a palma seria o suporte forrageiro, que serviria de alimentação para os rebanhos de gado e de ovelha durante a estiagem. A luta agora estava sendo mais equilibrada, mas ainda havia o problema de escassez da água. Os barreiros e barragens comunitárias construídas no período da seca, muito bem serviram de frente de serviço pagos pelo Governo do Estado, até tinham capacidade de acumularem bastante do liquido precioso da vida, mas por não terem a devida manutenção, retirando o barro e o entulho levados pelas chuvas, tinham perdido cerca de 40% de sua capacidade no acúmulo da água.

          Então, o jovem caboclo do sertão e sua família chegaram por lá, arranjara uma casa onde morar com Maria e as três crianças. O trabalho oferecido fora de vaqueiro, infelizmente não foi da maneira que Carlos esperava. Talvez por ser novato se sentisse um peixe fora d’água. E quando a coisa tá ruim, a tendência é piorar, não havia muita coisa para isso acontecer.

            Naquele período ele basicamente havia voltado nas auréolas do tempo do trabalho escravo. Os moradores novatos tinham que se submeterem aos moradores mais velhos, tornando-se servo de suas vontades e desmande. Por muitas vezes se via obrigado a vender o dia de trabalho pelo preço imposto por eles, sem levar em conta a distância, de um local a outro, e Carlos percorria andando a pé. Até perecia que agiam daquela forma no intuito de que o bravo sertanejo  fosse embora dali. O que aconteceu alguns dias depois dele ter encontrado com seu Ozório da Maravilha.

            Carlos comentou com ele, sobre as humilhações pelas quais estava passando na Fortaleza. Sensibilizado seu Ozório lhe ofereceu uma casa para morar lá pelas bandas do Povoado Maravilha, no município de Monte Alegre de Sergipe, oferta que foi aceita de imediato.
 
Marcos Antônio Lima
 
LANÇAMENTO, EM MARÇO. AGUARDEM!
Marcos Antônio Lima
Enviado por Marcos Antônio Lima em 13/01/2018
Reeditado em 13/01/2018
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