Pequeno Ensaio Sobre Questões de Filosofia - parte 34

Da sabedoria

O entendimento da vida supera o entendimento das coisas que se relacionam com ela. Entender a própria vida em si, a razão dos fatos, as causas e as consequências. Tudo isso vai além das vantagens que proporcionam uma inteligência desenvolvida. A teoria da inteligência; o domínio das leis físicas aplicáveis para se obter destaque; o conhecimento; as atitudes que demandam experiência prática, tudo pode ser desenvolvido ao longo de um esforço, quando há um objetivo, um alvo compensatório. Ainda assim, a despeito das vantagens e dos prêmios pagos por esse sucesso proporcionado pelo uso eficaz da inteligência, se não estiver presente a sabedoria, a ruína pode ser inevitável.

A base de uma caminhada que conduz infalivelmente a um destino ameno encontra-se, sem dúvida, na sabedoria. Costumamos, por negligência ou opção equivocada, não enxergar o que se encontra a um palmo do nosso nariz. Sabemos que logo ali se encontra o alvo, que é uma linha reta; que da nossa decisão depende um movimento contínuo e ininterrupto na direção que visualizamos. Damos preferência, contudo aos atalhos, por constituírem um caminho mais fácil. É a falta de sabedoria que nos leva aos encontrões com a parede e, fatalmente, à viagem de volta, ao recomeço. Queremos a felicidade e não a encontramos por não sabermos o que seja felicidade. A tendência de acharmos que bem estar seja felicidade é muito predominante na feitura dos nossos sonhos e eles acabam por virar pesadelos porque confundimos esses dois estados de vida pela precipitação em alcançarmos um fim que julgávamos seguro e confortável.

As ilusões estão para a infelicidade assim como para a felicidade está a aquisição da sabedoria. Da mesma forma que Maomé arrastou atrás de si multidões, tendo como base a sabedoria, não obstante sua ignorância prática, seu analfabetismo. Como Gandhi, tendo, não como lema, mas como guia e aliada a pobreza material, uniu Indus e Muçulmanos. Qualquer ser humano, filho de Deus, e todos somos sem exceção, usando de sabedoria e fé, como fizeram-no Gandhi e Maomé será capaz de mudar o curso da vida mudando os seus pensamentos, infiltrando neles ideias elevadas de paz e harmonia para o mundo. Não deve haver distinção entre o sábio e o ignorante. Ambos perseguem anseios e sonhos; quem compreende isso já pode se considerar um iluminado. Um sábio compreende um ignorante, mas um ignorante não consegue compreender nem mesmo um sábio.

Que importância isto faz se não é na inteligência do homem, nem mesmo em sua sabedoria que se encontra a essência de todas as coisas? Grande é aquele que não se vangloria perante as aparências do mundo, mas faz do mundo o viveiro, se alimenta do eterno agora e absorve a seiva essencial ao crescimento. Todo conhecimento deverá ter por fim uma aplicação útil para não correr o risco da deterioração. A luz da sabedoria costuma diferenciar o quantitativo, influenciado pelo entusiasmo passageiro, do realmente fundamental e prioritário a todas as raças. Penso que, uma vez atingido o alvo comum da vida, na satisfação dos anseios básicos, o foco teria que se voltar para o exercício da sabedoria e não para a sua aquisição apenas. Esta é parte integrante de todas as atividades, ou pelo menos assim deveria ser. É nesse ponto que fracassamos, ao termos, no uso exclusivo do cérebro a tábua de salvação da espécie humana.

Há um meio tosco de vida permeando a maioria das atividades humanas. Infelizmente, pouco pode-se fazer quanto a isto. À partir do momento em que se é livre têm-se à disposição um mundo de possibilidades. Elas não atingem a todos de maneira idêntica e é bom que assim seja. Temos o dom da criatividade para fazermos com que a vida adquira um sabor peculiar. Contanto que não atinjamos o outro com nossas idiossincrasias, o que fazemos de nós mesmos é o que colheremos. Ainda que seja assim, ainda que as felicidades se diferenciem grosseiramente a ponto da estranheza, a paz mundial pode se fazer presente. Mas o que incomoda são exatamente essas diferenças. É necessária a sabedoria para lidar com a inteligência, mas o contrário não se aplica. A inteligência é humana e a sabedoria transcende o humano, pois que sua fonte é divina.

Lidar com a inteligência exige uma sabedoria que, não raro, a inteligência desconhece por completo. Na verdade, a inteligência é pluralizada em toda sua forma de expressão. Quando chega a ser divina já deixou de ser inteligência para transformar-se em sabedoria. São as intenções do ser, sua predisposição em cometer atos corretos, deixar um legado de amor, no auxílio e no esforço em contribuir para a evolução planetária que farão com que sua inteligência se desenvolva em forma de sabedoria, transcendendo lógicas medíocres e inoperantes, como também congregando almas na cotização de metas em prol do amor humanitário.

Esse tem sido o papel de muitas religiões que conhecemos. Não existe grau maior de sabedoria do que aquele que a torna clarividente ao ponto de compreender o papel verdadeiro de uma religião. As críticas corriqueiras não vão além de uma verborragia, resultado de uma análise superficial. O aprofundamento que conseguir penetrar nas entrelinhas de sermões; adentrar, abstraído em cultos e nas mensagens faladas e escritas é o que irá extrair, da essência da religião, o seu verdadeiro significado. Não se fala de algo imbuído de sentimentos preconcebidos. Essa atitude não traz vantagem por nada acrescentar de valor. É onde se constata a escassez de sabedoria nas mentes humanas. A facilidade em proferir o que bem se entende paga o preço e este é embasado na força da mediocridade imperante. Isto só faz confundir os bem intencionados. Adquirir sabedoria através do cultivo das inteligências superiores é o que constitui o passo infalível que remete às análises acertadas, às críticas sinceras e produtivas ao fortalecimento dos movimentos restauradores.

Ver no enriquecimento de um líder religioso a consequência de um aproveitamento da fé alheia sem bases concretas de apreciação e julgamento é dar viço às ondas já existentes de insatisfação aparente. Muitos são os beneficiados pelo ardor desses homens que enriquecem; que não poupam tempo nem energia para rirem e chorarem pelo reencontro de seus seguidores com uma conduta diferente de vida. Se não são esses homens, em permanente contato com ensinamentos superiores, capazes ou permitidos de enriquecer, eu me pergunto; que tipo de homem deve enriquecer? Prefiro acreditar na afirmação de Winston Churchill de que “Pode-se enganar alguém o tempo inteiro; todas as pessoas durante algum tempo; é, porém, impossível enganar a todos o tempo inteiro.”

Penso que todos os problemas da humanidade podem ser solucionados através do cultivo da sabedoria. A própria história bíblica nos cumula de informações sobre líderes que fizeram da sabedoria sua principal arma. Jó; Salomão; Davi e tantos outros tiveram na sabedoria o poder de fato. Por isso não se deixaram vencer nos momentos cruciais de suas vidas. É muito fácil viver a existência aceitando como fatos inevitáveis aquilo que nos contraria, creditando ao outro, nunca a nós, os erros, as falsidades, a falta de fé e a inoperância.

Seguir os mesmos rumos traçados pelos acasos dos acontecimentos sem o vigor da vontade, sem que a luz da sabedoria intervenha na mudança denota, mais do que fraqueza de ânimo, fraqueza de atitude. Recorrer a uma força superior à força humana nos momentos em que a lucidez já não dá conta, pois já está abalada, é atitude mais do que coerente. O que fazer, então? Aceitar o inevitável não traz respostas; ceder à solicitude com insegurança é o mesmo que, de ouvidos moucos, não dar à trela a chance da captação de algo que pode ser verdadeiro. Não decidir por nada não deixa de ser uma tomada de decisão. Resta o deixar-se conduzir pelo fluir natural das coisas, que é o papel da folha ao desprender-se da árvore; é seguir a vida; entrega e desprendimento. É, enfim a abertura do canal por onde fluirá, no momento adequado, a luz da sabedoria.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 16/12/2017
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