Os mortos vivem

E estão felizes. Este é, em resumo, o sentido de todas as milhares de gravações feitas por Friedrich Jürgenson, pioneiro na transcomunicação experimental, ou, para os leigos, na conversa com os mortos pelo rádio.

Seu livro “Telefone para o além” realmente impressiona e presta um testemunho eloquente que, no mínimo, nos deixa com a pulga atrás da orelha. Aparentemente, não é tão fácil assim negar os seus resultados e acusá-lo de fraude. Esse livro de Jürgenson é bem mais objetivo do que o do padre François Brune sobre o tema, e também apresenta algumas diferenças notáveis quanto aquilo que se interpreta do fenômeno.

Para Jürgenson, por exemplo, suas experiências sugerem a não-existência de um Deus pessoal, coisa que o padre, por certo, não concorda. Jürgenson parece legitimar uma tese que aos nossos olhos ainda parece um tanto esdrúxula, isto é, a do ateísmo espírita – mas vai saber se não é com esses aí que está a verdade.

O fato é que não há Deus em nenhuma das mensagens que coletou, ou, pelo menos, nas que ele divulgou. Da mesma forma, os seus mortos não passam aquelas mensagens edificantes que se convencionou esperar no espiritismo brasileiro. Pelo contrário, se tem uma coisa que os mortos de Jürgenson não fazem é alusão moral – nada de Jesus, nada de evolução pessoal. E todo o consolo que podem passar se resume justamente a isso: vivemos e somos felizes.

Apesar de certos ritos de purificação que Jürgenson diz ter identificado, de maneira geral todos estariam felizes. E por “todos” entenda-se todos mesmo, até aquele que mais achamos que merecia sofrer do lado de lá: Hitler. Pois o homem alega que justamente Hitler se manifestou, por diversas vezes, em suas conversas pelo rádio. E teria até um monólogo em que sua voz é nítida, sendo uma pena que não acompanhe o livro.

Pois ora, até o Hitler parecia muito bem do lado de lá. Há mais um ou outro suicida que também deu as caras nas gravações de Jürgensen e todos pareciam estar, pelo menos naquele momento, muito bem, obrigado. É mais uma grande diferença para a crença comum entre os espíritas de que um terrível futuro de danação aguarda os que tiram a sua própria vida.

Pois o Hitler não apenas parecia bem, sem nada daquilo que de pior aqui cultivou, como também não inspirava, da parte dos seus, digamos, colegas de morte, a menor indignação. Jürgenson sugere a existência de uma moral totalmente diversa da que temos aqui na Terra, e que inclusive exporia todo o fracasso das nossas atuais relações humanas – ao mesmo tempo em que indicaria algumas das nossas mais nobres possibilidades.

O livro é antigo, ainda dos anos 60, e por isso eu imaginei que já teria alguma fortuna crítica a respeito, pois, a ser verdade o que ele diz, é a coisa mais revolucionária que já aconteceu à humanidade: os mortos vivem! Pelo menos, já haveria tempo suficiente para ter sido desmentido e desmascarado, se fosse o caso. Mas qual, o tema só é abordado em círculos bem restritos, por gente que já está bastante disposta a aceitar a realidade das suas experiências.

Hoje a transcomunicação já é bem popular e é possível encontrar pelo YouTube muita gente mostrando as suas experiências e as vozes do além que teriam captado. No entanto, eu me pergunto se essas pessoas de hoje possuem a mesma seriedade e isenção de espírito de Jürgenson. Muitas vezes, essas vozes são incluídas dentro de doutrinas prontas e interpretadas de maneira apropriada para elas, embora diversa daquela que seria a de Jürgenson.

As gravações de Jürgenson também aconteciam em uma dezena de línguas diferentes, ao passo que, pelo menos no caso dos vídeos do YouTube, é quase sempre em português mesmo. Não sinto por essas tímidas gravações de hoje em dia nem um quinto da inquietação e perturbação provocadas pela simples leitura do livro de Jürgenson – sem ter acesso aos seus áudios.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 08/12/2017
Reeditado em 08/12/2017
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