GALINHA AO MOLHO DIAZEPAN
Eu não estou louco ainda e o Diazepan não faz efeito mesmo. O que eu quero é fazer musculação. Tem dias em que morrer de verdade fica difícil, tem muita gente na disputa por esse gesto terminal. Mas se o dia amanhã prometer se comportar, eu arrumo o meu armário e, quem sabe, até faço aquelas compras há muito tempo adiadas.
O importante é estar na onda, no ritmo em que as coisas acontecem porque, por exemplo, na semana passada, eu pensei além da conta e fui parar na geladeira. Às quatro da madrugada, e eu comendo com a porta da geladeira entreaberta, com aquela luz sinistra na minha frente, vazando pelo escuro da cozinha. Eu e a geladeira. Na cozinha.
Depois a gente pensa que matou o mundo! Ah, mas essa coisa de matar o mundo é meio que zíper da calça arrancando uns troços lá embaixo. Pelos pubianos... pentelho mesmo!
Aí a gente mata o mundo, mas no fundo quem sente a dor somos nós mesmos...
Não sei o que vou pensar quando estiver montado numa bicicleta; faz muito tempo que não solto bombinhas de São João. Bicicleta e bombas de São João: pensar ou manter-se vivo? Dalí, à distância do chão, deve demorar um bocado — não tenho saco pra isso — parece morte na fila da previdência.
Mas o pior é que acaba tudo mesmo numa via de sentido obrigatório, uma verdadeira armadilha para deixar a gente mais inteligente. Comigo, não! Já bati o martelo sobre essa questão. Já pensou no fosso que criamos tentando ser cada vez mais diferente dos outros?
Antes mesmo de tomar essa decisão, eu pensei, enquanto fazia a higiene sentado no vaso sanitário: peraí...! é só chamar as pessoas, mostrar pra elas as nossas ideias revolucionárias, o que aprendemos quando observamos o cocô descendo, sendo inversamente abduzido pelo tubo das coisas sem importância. Com isso, já dá pra ganhar o mundo — pensei. E repensei: bem, ganhando um desses países menorzinhos já estava de bom tamanho... ou, sendo ainda mais comedido: ganhando a atenção de meia dúzia de notívagos desavisados, daria assim pra ter um início um tanto quanto inaugural. Inaugural?! É essa é a palavra, aquela velha história do ovo e da galinha. Quem nasceu primeiro?! Comigo, não! Nasci para comer o ovo e ter um caso com a galinha. A galinha que vejo no meu prato com mais frequência do que de costume.
Ultimamente, a galinha, pela sua cara, não compreende por que é comida, não. E, mesmo assim, ela cede a sua carne, diante dos nossos instintos mais primitivos, talvez, por puro altruísmo.
De qualquer forma, não teria alternativa mesmo a coitada; sua vida é quixotesca: aos homens, a sua honra e a sua carne branca, ela entrega num misto de penas e lágrimas, sem sequer tentar alçar voos desconcertantes. Cai gelada no carrinho de compras transformando-se em produto de consumo, dando início ao seu martírio, à sua via – crucis...
Daí em diante, torna-se tudo repetitivo, pois voltamos à latrina e recomeçamos com aquela história da análise patológica; acionamos o diafragma do Universo e fazemos desaparecer as nossas inutilidades domésticas.
Depois vem outro dia, mais outro dia, mais outro dia, e então percebemos que estamos dormindo pouco, aquela história da geladeira, do Diazepan e coisa e tal, e vamos – nos afastando do início; do início que criamos, da nossa referência de começo. Mas aí os lados também começam a trocar de lado — isso é uma jogada — puro esquemão para render assunto, para matar o tempo.
Primeiro, o lado direito com o esquerdo; depois, o esquerdo com o direito; depois, o de trás com o da frente; depois, o da frente com o de cima, com o de baixo... e aí a gente se perde, fica sem orientação espacial, como se a borracha do computador apagasse uma parte da nossa existência...
Ah, mas num desses programas de televisão da madrugada, aprendi a fazer uma receita de galinha com molho Diazepan que é o seguinte!