A LITERATURA NO CONTEXTO CULTURA POPULAR X INDÚSTRIA CULTURAL

Mostrar a ambiguidade existente entre estes dois universos literários dentro da sociedade é um dos objetivos deste trabalho. Percorrer a linha do tempo da cultura popular e seu paralelo com a indústria cultural, no mesmo espaço, é um desafio a ser enfrentado neste texto. É um objetivo a ser perseguido, em função de que toda experiência de vivência soma para a formatação de processos que se multiplicam em redes interdependentes. A individualidade necessária, intrínseca em cada sujeito, passa a aderir às criações e instituições coletivas. Os mesmos processos de criação e difusão de cultura acontecem nas mesmas faixas de tempo, porém em espaços diversos, multiculturais, com facetas sociais e econômicas diferentes. Neste contexto tentarei refletir sobre as relações entre os atores e agentes do mundo literário, tanto os espaços alternativos, chamados de independentes, como o da indústria do livro que envolve corporações de edição e distribuição deste produto cultural.

O objetivo deste trabalho não é fazer um julgamento sobre qualidade das obras literárias em circulação nestes espaços, pois cada juízo de valor apresenta seus pressupostos e sentidos, sendo desaconselhável ao cientista social emitir um juízo de valor final, mesmo compreendendo os juízos de fato, pensando numa perspectiva epistemológica weberiana. O objetivo principal é mostrar, através das pesquisas empíricas realizadas no movimento literário, através dos exemplos de experiências mais amplos possíveis que foram alcançados por estas pesquisas, e mostrar os modelos de fazer literatura no Brasil; como eles se desenvolvem e transitam nos contextos de cultura popular e indústria cultural, misturando-se nestes dois espaços, mutuamente, em vários momentos.

Sem dúvida encontra-se neste trabalho a face capitalista da cultura, a visão do mercado competitivo, os aspectos de formação de uma simulada cultura de massas onde o indivíduo perde sua identidade e passa a ser um alvo da campanha publicitária. Como bem frisou Theodor Adorno: a indústria cultural é uma prática de mercado. Porém são mostrados neste trabalho também os aspectos menos profissionais, amadores, alternativos, associativos, comunitários, panfletários etc, do fazer literatura no país. Estes modelos também existem em outros tantos países dos cinco continentes do planeta globalizado, obviamente.

Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, com a carta da descoberta enviada ao Rei, por Pero Vaz de Caminha, se diz que existe literatura no Brasil. As descrições do português ao seu soberano sobre a nova terra descoberta e depois invadida, foram, possivelmente, os primeiros textos escritos neste território. Porém, por muitos séculos, com a proibição da imprensa no Brasil, os livros eram feitos na Europa, em especial Portugal, mesmo que por alguns autores brasileiros, e distribuídos em poucas quantidades, principalmente nos centros urbanos mais adiantados, como Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e outras cidades emergentes da nova nação que surgia. Já nos anos 1800 começaram a aparecer as máquinas impressoras e de lá para cá se massificou a edição de livros, com a publicação de vários autores e a formatação de uma literatura nacional. Houve, naturalmente, o enquadramento desta literatura em modelos e tendências vindos da Europa e Estados Unidos, formando-se as escolas literárias. Os temas desenvolvidos, tanto de romances urbanos como histórias rurais, sempre foram ecléticos, retratando a diversidade cultural do país, suas características regionais e peculiaridades de informações.

Construiu-se, principalmente nos séculos XIX e XX, uma identidade nacional de literatura, com toda multiplicidade cultural da sociedade brasileira, incorporando esta identidade no cenário cultural do país. As complexidades ideológicas, sociais, econômicas e técnicas, o incremento do mercado, a busca de espaços alternativos, o surgimento de associações e academias de letras, por todo o território, forjaram no decorrer destes dois séculos um panorama que encontramos em efervescência nesta segunda década do Século XXI.

As novas tecnologias e ferramentas de produção e divulgação de livros nesta era pós-moderna, começam a romper com o convencional modelo de impressão em papel e conquistam grande espaço entre leitores, porém a construção tradicional da literatura em formato de livro impresso, no sistema gráfico de brochura, persiste e alimenta prateleiras de milhares de livrarias e bibliotecas no país, configurando-se, ainda, numa forma de expressão intelectual e cultural mais considerada nos meios acadêmicos e populares. Pessoas destes dois campos escrevem e publicam livros de histórias, teses, poemas, contos, romances, aventuras, suspense, infantis, etc, utilizando-se das estruturas da industrial cultural e também do espaço alternativo.

A partir das pesquisas, leituras, reflexões, comparações de modelos, dados e realidades produtivas, vínculos profissionais, faturamentos empresariais e ganhos de escritores e agentes literários, este trabalho mostra um lado da literatura que foi classificado nesta monografia como sendo a indústria cultural literária. Este ramo da indústria cultural possui grandes parques gráficos à sua disposição, apoio logístico bem estruturado para a distribuição de milhões de exemplares de seus autores em milhares de cidades, livrarias e bancas, bem como condições de financiamento de projetos literários.

Esta estrutura montada e em funcionamento permite editar anualmente centenas de novos títulos de autores brasileiros e estrangeiros. Estima-se atualmente que 50% do mercado livreiro do Brasil é dedicado à edição de livros técnicos, científicos, de conteúdo acadêmico e profissional. 25% é a fatia dos livros chamados de best sellers estrangeiros, ou seja, produtos das editoras internacionais, especialmente inglesas e norteamericanas, que são traduzidos para o português e invadem o mercado brasileiro, com muita publicidade, colocação em todas as redes de grandes livrarias em shoppings, supermercados, e com apoio da grande imprensa através de matérias e entrevistas. Os outros 25% deste mercado livreiro resta para a produção literária nacional, sendo que este percentual é dividido em vários segmentos, sendo eles os de livros de autoajuda, espiritismo e religiões, e finalmente a literatura brasileira contemporânea, com seus romancistas, em primeiro plano, seus cronistas, contistas e poetas, em último plano.

Cabe assim dizer que esta configurada indústria da literatura tem seus desdobramentos no aspecto de escolha de títulos, temas e autores a serem publicados. Os critérios mais fortes para os editores publicarem são a escolha de autores que vencem concursos literários de nível nacional de importantes instituições e academias, e de republicarem os chamados clássicos da literatura nacional, ou seja, autores consagrados dos Séculos XIX e XX, como Castro Alves, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Clarisse Lispector, Cecília Meirelles, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Vinícius de Moraes, Moacyr Scliar, Paulo Coelho e outros tantos que muito colaboraram para a formação da literatura nacional. Ambos são de origem popular, escrevem sobre temas populares, representam a cultura popular brasileira, porém são utilizados pela indústria cultural. Este espaço é restrito, porém não é fechado. É possível autores que trabalham no campo da literatura independente ascenderem ao campo da literatura industrial. Alguns autores consagrados pagaram de seus próprios bolsos suas primeiras edições até serem incorporados ao sistema da indústria cultural das grandes editoras.

Com a proliferação de máquinas impressoras, gráficas comerciais e pequenas editoras por todo o país, criou-se um espaço para a publicação de livros de vários formatos, número reduzido de páginas e pequenas tiragens, proporcionando assim o surgimento do segmento da literatura independente e alternativa. Diz-se independente porque não está atrelada aos conceitos, exigências, regras e critérios de escolha das grandes editoras, da indústria cultural. Diz-se alternativa porque é uma solução do autor para ver seu texto impresso e publicado, à disposição de um mercado que precisa ser explorado, mesmo que não existam condições objetivas para uma ampla inserção, pois as dificuldades de logística são obstáculos preponderantes para a distribuição e venda; mas mesmo assim criou-se um espaço mercadológico desenvolvido alternativamente pelos próprios autores.

Os chamados autores independentes, que não conseguem que seus livros sejam publicados pelas grandes editoras que têm maior domínio do mercado e podem transformar um desconhecido em autor famoso, trilham o caminho alternativo. Buscam apoio financeiro entre amigos, familiares, entidades ou recursos próprios de suas atividades profissionais, editam seus livros e vendem os exemplares nas noites de lançamentos, nas sessões de autógrafos, nas feiras de livros, saraus e outros eventos literários. Conseguem espaços nas prateleiras de pequenas e médias livrarias das cidades próximas ao seu convívio, nas bancas, mas o resultado financeiro desta distribuição é insuficiente para manter uma estrutura particular digna para o escritor, sendo que em muitos casos estas vendas nem custeiam as despesas com gráficas.

Uma das soluções para que o projeto do livro popular, de autor e produtor fora do eixo da indústria cultural, não tenha prejuízo, é a venda de centenas ou dezenas de exemplares para algumas prefeituras e empresas, a fim de que sejam distribuídos em bibliotecas, escolas, entidades e como bônus para os colaboradores e fornecedores destas instituições. Forma-se uma parceria público-privada para solucionar problemas de sobrevivência das manifestações de cultura literária popular. Como o processo de criação é intenso, multiplicado pelos mais variados campos culturais regionais, este movimento gera necessidade de exposição dos textos, seus conteúdos e autorias.

O aumento da população brasileira, a inversão da taxa de analfabetos que caiu de 90% para 10% em um século no Brasil, a ampla inclusão escolar, o aumento das taxas de novos leitores, aumenta a vontade de cidadãos se expressarem através da arte, e entre elas a arte literária. Portanto cabe aos autores/editores, independentes, alternativos, forjarem um mercado paralelo ao convencional de ir a uma livraria comprar o livro do catálogo, ou ir para a internet escolher e encomendar um livro desejado, ou um livro que a mídia da indústria cultural incutiu na sua cabeça. É nesta complexa situação mercadológica e cultural que sobrevive o escritor independente, produto da pura vontade de indivíduos de escreverem seus pensamentos, utilizando-se para isto de modelos literários como ensaios, romances, contos, crônicas e poesias.

No entanto, passados os lamentos, quando um escritor independente é absorvido pela indústria cultural, ele aproveita o momento para beneficiar sua imagem de autor reconhecido e assim ampliar e fortalecer seu espaço nas prateleiras do país inteiro. Ganhando algum importante concurso, sendo descoberto por um famoso agente literário, terá sua obra publicada e distribuída em grande escala, a nível nacional e internacional, aumentando, consequentemente, seus ganhos, e lhe abrindo espaço para trabalhar como palestrante em ambientes culturais mais sofisticados e mais rentáveis. É o caso do escritor do campo da cultura popular que é absorvido pela indústria cultural. Muitos exemplos destes fatos proliferam na literatura nacional.

Cordelistas do nordeste, trovadores do sul e outros poetas populares que escreviam sobre a cultura de um povo humilde e sofrido, alegre e festeiro, explorado e humilhado, sedutor e servidor, patriota e rebelde, etc, foram percebidos além do senso comum, como fenômeno cultural, dignos de observação e conservação. A indústria cultural também encontrou nestes elementos de cultura popular mais um espaço de mercado para reproduzir e lucrar com o conteúdo. A ambiguidade se estabelece, rebentando o fio que demarcava a linha divisória entre os conceitos de o que seja cultura popular e indústria cultural. Mas este processo ocorre em pequena quantidade num universo de tempo e espaço muito maior, constante, crescente. E, para atender esta demanda de excedentes que a indústria cultural não absorve, sobrevive o espaço alternativo, independente, que se reinventa a cada momento histórico, se reciclando e criando novas fórmulas de preservação e desenvolvimento da cultura literária popular, gerada pelas populações de baixa e média renda que compõem a sociedade brasileira. Estes indivíduos produtores de literatura independente, unem-se em associações literárias que conquistam espaços no contexto micro do mundo cultural contemporâneo.

Uma das maiores forças de manutenção e expansão do espaço de atuação do movimento de cultura literária popular, tanto no plano geográfico e econômico, como no cultural e de influência, é o evento da formação de academias e associações. Estas entidades se espalharam por todo o território nacional desde meados do Século XIX até os dias do hoje. Um dos exemplos na capital do Rio Grande do Sul, foi a fundação no dia 18 de junho de 1868, em Porto Alegre, do Parthenon Literário, pelo escritor e professor Apolinário Porto Alegre, seu irmão Aquiles Porto Alegre, o escritor José Antônio do Vale –conhecido como Caldre e Fião, e outros intelectuais da época. Esta entidade reuniu escritores, publicou revistas e livros importantes da literatura sul-riograndense até o fim do século. Foi um marco da literatura do sul do país e exemplo para as outras províncias da nação, em pleno Império de Dom Pedro II. Vários romances com a formatação da imagem do gaúcho surgiram das reuniões dos escritores do Parthenon. Importantes nomes da literatura gaúcha do Século XIX foram membros da Sociedade Parthenon Literário, como Múcio Teixeira, Carlos Von Koseritz, Lobo da Costa, Luciana de Abreu e outros. Depois de décadas sem atividades, já no Século XX, a entidade retornou ao espaço cultural e até hoje reúne e publica escritores, mantendo uma sede em Porto Alegre, tendo muitos associados em todo o estado, realizando saraus, concursos literários, editando jornais e coletâneas, divulgando poemas de seus sócios em site e rádio na internet, e participando de eventos e feiras de livros. Fora do eixo da indústria cultural.

Bem após a existência do Partenon Literário em Porto Alegre, surgiu, através de um grupo de intelectuais cariocas, entre eles o escritor Machado de Assis, no final do Século XIX, em 1897, a grande Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, que cresceu e é símbolo de desejo da maioria dos escritores brasileiros que almejam um dia sentar numa das cadeiras de “imortais”. A partir da popularização da ABL, surgiram as academias nos Estados, como a Academia Riograndense de Letras, a mais tradicional do RGS. Não só nas capitais, mas também nas cidades médias e pequenas de todo o interior brasileiro, as academias foram criadas e organizadas, com objetivo de reunir escritores, realizar eventos, estudos e publicar obras literárias.

Além das academias de letras, com seus rituais e imortais, surgiram no campo da literatura as associações de escritores e poetas. Milhares de entidades, em milhares de cidades, foram surgindo no decorrer do Século XX e até hoje têm presença marcante na vida literária brasileira. Exemplos são muitos, mas citamos a Casa do Poeta Riograndense, entidade fundada em Porto Alegre por um grupo de autores liderados pelo poeta Nelson Fachinelli, em 1964. No Rio Grande do Sul existe também a AGEI, Associação Gaúcha de Escritores Independentes, que é entidade filiada à Câmara Riograndense do livro para participar com uma banca fixa na Feira do Livro de Porto Alegre, considerada a maior feira à céu aberto da América Latina e que tem suas edições anuais. A AGEI publica as coletâneas de associados, promove lançamentos coletivos e coloca à venda na sua banca na Feira de Porto Alegre livros de autores independentes, sendo uma das principais entidades responsáveis para inscrever os autores alternativos na tradicional “praça dos autógrafos”, local onde ocorrem lançamentos dos livros durante a Feira de Porto Alegre.

As publicações de coletâneas de autores independentes acontecem através das entidades ou das pequenas editoras alternativas. Um projeto é feito por um organizador que contrata os serviços de uma gráfica. O organizador reúne os escritores, seus textos, recebe o valor estipulado para cada participante, imprime, paga a gráfica, e finalmente faz uma festa de lançamento do livro coletivo, quando é feita a entrega de cotas de exemplares para os participantes. A distribuição depois é feita pelos próprios autores que doam seus exemplares para as bibliotecas e entidades de suas cidades e estados e/ou vendem alguns exemplares para amigos e parentes. Uma coletânea que possui autores de vários estados, de cunho nacional, tem garantido leitores em outras regiões que não a mesma onde os autores vivem. Multiplica-se, assim, a oportunidade de leitura e apreciação (ou crítica) do trabalho literário elaborado. Também existem pequenas editoras que se dedicam à organização de coletâneas, como também encontramos casos de poetas que organizam coletâneas convidando outros poetas a participarem. Em geral, quando não há patrocínio de alguma prefeitura, entidades ou empresas, os próprios escritores pagam os custos gráficos da coletânea, sendo que é atribuído um valor mínimo por página a ser utilizada pelo participante, sendo que também fica estabelecido um número mínimo de exemplares a ser recebido pelo escritor, dependendo do número de páginas que ele adquirir. É um processo coletivo, cooperativo, que movimenta recursos financeiros e divulga a arte literária independente do interesse da indústria cultural. É uma alternativa para autores que não possuam condições financeiras para a publicação de um livro individual, ou que não possuam material literário suficiente para compor um livro.

No entanto existem escritores independentes que editam seus livros e saem a vender em lugares públicos como bares, praias, praças, parques, shows, hotéis e até nas casas. Muitos autores vivem destas vendas quando são bons vendedores, pois vendendo 5 livros por dia a R$ 30,00 cada, podem faturar R$ 150,00 diariamente, ou seja, R$ 4.500,00 por mês. Um custo gráfico de mil livros com 150 páginas está em torno de 5 mil reais. Vendendo 166 livros eles pagam a gráfica e podem faturar numa edição de 1000 o valor de R$ 25.020,00 líquido, correspondente a venda de 834 livros. Alguns conseguem esta façanha, mas a maioria fica com seus livros encalhados em caixas guardadas em casa e acaba doando a maioria dos exemplares. As grandes editoras pagam em média 10% do valor de capa para os autores, ou seja, apenas R$ 3,00 para cada livro vendido por R$ 30,00. Um autor publicado por uma grande editora precisa vender 8 mil livros para receber os mesmos 25 mil reais que um autor independente fatura vendendo 834 livros.

As realizações de saraus, leituras de poemas e performances poéticas, servem também para a comercialização dos livros independentes, além de reunir e integrar autores. Esta é uma prática tradicional no meio cultural popular e reúne muita gente em variados locais, como centros culturais, clubes sociais, salas de entidades, teatros, cafés, bares, centros acadêmicos universitários, auditórios e salas de aulas em escolas, dependências de livrarias e até mesmo em garagens. Em Porto Alegre os locais de maior assiduidade dos saraus são a Casa de Cultura Mário Quintana, o Centro Cultural Érico Veríssimo-CEEE, o Instituto Cultural Português, a Usina do Gasômetro, o Castelinho do Centro Histórico e vários bares. Em São Paulo, além do Itaú Cultural e da Casa das Rosas, na Avenida Paulista, os saraus são realizados em grande parte nos bares da Vila Madalena. Em Salvador, na região central do Pelourinho, vários grupos de poetas se reúnem para os saraus semanalmente realizados. No Rio de Janeiro o movimento de saraus se espalha por toda a cidade, com inúmeros grupos de autores. Enfim, por toda a nação brasileira, em Recife, Manaus, Curitiba, quase todas as cidades grandes, médias e pequenas, o movimento de autores independentes e alternativos, é um fato cultural que se desenvolve, se prolifera e se atualiza. A cada dia surge um novo evento, uma nova festa literária –a exemplo da FLIP em Parati, no RJ, ou a Jornada Literária de Passo Fundo, no RS. Hoje podemos participar de saraus instantâneos pela internet, interagindo diretamente com os participantes pelas redes sociais ou pelas páginas de literatura que divulgam autores, como o Recanto das Letras e outros tantos sites literários.

A crítica dita especializada geralmente trata este movimento de autores independentes como “subliteratura”, ou “literatura marginal”. Estes conceitos ganham espaços mais entre os grupos de escritores, intelectuais e editores vinculados à indústria cultural literária, ou junto ao meio acadêmico. Também a grande imprensa, que monopoliza as informações, principalmente nas capitais e grandes cidades, trata o movimento dos independentes com desinteresse ou desprezo. Poucas notícias são veiculadas nos grandes jornais, revistas de grande tiragem ou emissoras de televisão a respeito de lançamentos de livros e coletâneas de escritores fora do eixo midiático da indústria cultural. O espaço cultural reservado pelas mídias é dedicado a comentar e publicizar as atividades dos escritores e lançamentos das grandes editoras, levando ao alcance de uma maior parcela da sociedade os comentários focados nos livros de grande circulação nacional. Os críticos, que escrevem nestes jornais e comentam obras literárias nos programas especializados de emissoras de TV e rádio, abordam as obras que consideram mais vanguardistas, mais estilizadas, sendo que estas concepções são construídas dentro de parâmetros ditados pelos editores com maior potencial de articulação com a imprensa nacional.

Um autor independente-alternativo só recebe um parecer da crítica quando vence um concurso literário de expressão, como da Academia Brasileira de Letras, da Academia Paulista de Letras, ou um prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, o Prêmio Camões, de Portugal, ou outras premiações regionais como o Açorianos ou o Prêmio Moacyr Scliar, em Porto Alegre, RS.

A conclusão deste trabalho está firmada na convicção de que ambos os espaços culturais existentes, tanto o da cultura popular no aspecto independente e alternativo, como o espaço da indústria cultural, com sua superestrutura, são importantes para o conjunto cultural brasileiro. Sempre haverá a tendência a níveis nos vários campos da sociedade, relacionados com interesses interpessoais e particulares, com valores e juízos em disputa. Os mecanismos sociais e econômicos, articulados dentro de conjunturas, organizam e formatam conceitos e subconceitos que a sociedade absorve, processa, assimila e elimina o que não considera útil e satisfatório. Como os interesses, ações e sentidos são múltiplos e fragmentados, não seria justo fazer uma opção por um juízo de fato com relação ao assunto analisado, a literatura no Brasil.

Existem momentos em que os campos da produção e reprodução cultural se misturam em interesses e dialogam entre si, sem deixar de lado o pragmatismo intrínseco em ambos. O que era apenas cultura popular alternativa independente transforma-se em objeto da indústria cultural e isso pode ser considerado bom para a divulgação daquele recorte de cultura regional que passa a ter visibilidade nacional e reconhecimento internacional, etc. Também pode ser visto de uma outra perspectiva que considere negativo o fato de que uma expressão artística local independente passe ao pertencimento da indústria cultural capitalista. Mesmo assim, com estas ou mais perspectivas que podem ser observadas, o fato preponderante é a existência da construção diária dos processos de criação literária. E estes projetos estão nos gabinetes, nas oficinas, nos bares, lares, lugares múltiplos, querendo espaço para a expressão humana em uma sociedade complexa e cheia de caminhos a descobrir.

Cabe ressaltar que é importante o envolvimento da universidade na observação e integração junto aos movimentos literários existentes, resgatando tendências, valorizando as inovações e surgimento de novos autores, registrando os processos de construção permanente dos vários campos da literatura brasileira, onde atuam os romancistas, contistas, ensaístas, poetas e cronistas contemporâneos, cada qual com sua estética e percepção de existência.

Disse-me um velho poeta desconhecido, sentado à beira do mar: “O que vale é o que a gente vive, o que fica é o que a gente escreve. Escrever é a arte que fazemos todos os dias e noites no planeta. Para todos os gostos e desgostos.”

Vladimir Cunha dos Santos - No livro Barulho do Mar, 2017.

VLADIMIR CUNHA DOS SANTOS
Enviado por VLADIMIR CUNHA DOS SANTOS em 26/10/2017
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