ANÁLISE DO POEMA “AUTOPSICOGRAFIA” DE FERNANDO PESSOA
(Por Leon Cardoso)
Postumamente os poemas de Fernando Pessoa (ortônimo) foram reunidos e publicados em diversas coletâneas. Dentre os que se destacam está um bastante significativo intitulado como “Autopsicografia” onde trata do fazer poético e da verdadeira intenção do poeta e da poesia.
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(Fernando Pessoa)
Trata-se do poema mais conhecido, e talvez o mais estudado de Pessoa. Isso porque nele está uma questão extremamente relevante para a literatura de uma forma geral: qual é o papel do poeta e qual é o verdadeiro alcance da poesia e do poema? O poeta escreve fingindo na medida em que mente ao tratar do fazer poético ou simplesmente exerce uma função de destaque ao se colocar na posição criativa e retratar situações diversas no que diz respeito à dor e sentimentos do outro, o leitor?
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
Nesta primeira estrofe, o poeta apresente a ideia fundamental do poema, quando, usando uma metáfora, classifica o poeta como fingidor "O poeta é um fingidor". Obviamente isso não quer dizer que ele seja um mentiroso "finge tão completamente", mas que consegue se colocar no lugar do outro "que chega a fingir que é dor" e reproduzir para este os sentimentos que ele capta "a dor que deveras sente", embora ele, o poeta, não necessariamente esteja sentindo no momento em que produz o poema.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E quando o leitor ou os leitores leem o que o poeta escreve "E os que leem o que escreve," pode experimentar a dor ou emoção "Na dor lida sentem bem," derivada da interpretação do poema, não necessariamente a mesma emoção do poeta "Não as duas que ele teve" no momento em que ele fingiu ou sentiu ao escrever o poema "mas só a que eles não têm".
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Nesta estrofe o poeta utiliza a linguagem "E assim nas calhas de roda" para fazer uma alusão entre o coração e a razão "Gira, a entreter a razão,". A função do coração "Esse comboio de corda" é entreter a razão, cabendo ao poeta utilizar certa motivação para o fazer poético "Que se chama coração" e a razão como mecanismo de transformação do sentimento (emoção) em experiência (intelectual ou racional) de criação literária.